Correio da Cidadania

Movimentos sociais debatem expansão da mineração no sul e sudeste do Pará

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Compreender os principais determinantes da exploração do extrativismo mineral nos países periféricos, contextualizar a exploração mineral no sul e sudeste do Pará, identificando os principais problemas e desafios, são alguns dos objetivos do seminário "A Expansão da Mineração no Sul e Sudeste do Pará: Problemas e Desafios", a ser realizado entre os dias 15 e 17 de agosto em Xinguara, sudeste do Pará. O evento é uma iniciativa da Comissão Pastoral da Terra (CPT), UFPA e o Projeto Cartografia Social, e conta como o apoio da Paróquia de Xinguara e da ONG Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).

 

As regiões do sul e sudeste do Pará vivenciam uma nova fase do extrativismo mineral, com uma franca expansão atividade em inúmeros municípios, entre eles, Canaã dos Carajás, Ourilândia do Norte, Floresta do Araguaia e Conceição do Araguaia. A expansão da atividade, que teve início na década de 1960, tem resultado em vários momentos de tensão, como o avanço sobre os territórios já considerados como projetos de assentamento da reforma agrária em Ourilândia do Norte, a partir da empresa ligada à Vale, Mineração Onça Puma (MOP).

 

Já no município de Marabá, vive-se ao aumento de empresas de produção de ferro gusa, que tem como característica ativar toda uma cadeia que desemboca em degradação ambiental com exploração ilegal da floresta e a produção de carvão vegetal. Trabalho escravo nas carvoarias desponta como um dos passivos sociais mais cruéis. Tem-se registro ainda da expansão de trechos da Estrada de Ferro de Carajás, que sai da mina de Carajás, no município de Parauapebas, sudeste do Pará, até chegar ao porto de São Luís, de onde ganha o mundo. Ainda em Marabá, a Vale tem projeto de criação de uma aciaria para produção de placas de aço.

 

Programação:

 

Dia 15/08, manhã:

 

Extrativismo mineral nos países periféricos, contextualizar a exploração mineral no sul e sudeste do Pará, com ênfase sobre na região do níquel (Ourilânida do Norte, Tucumã e Xinguara).

 

Animadores: João Carlos Ribeiro (UFPA) e Fernado Antonio de Sá (UFPA).

 

Dia 15/08, tarde:

 

Aspectos jurídicos da exploração mineral em projetos de assentamentos da reforma agrária.

 

Animador: Ministério Público Federal e a CPT de Xinguara.

 

Dia 16/08, manhã:

 

Relatos dos trabalhadores rurais atingidos pelos projetos de mineração.

 

Política de mineração no Brasil e repercussão na região amazônica.

 

Animadores: João Carlos Ribeiro (UFPA) e Fernado Antonio de Sá (UFPA).

 

Dia 16/08, tarde:

 

Construção do fascículo "Trabalhadores atingidos pela mineração nas regiões Sul e Sudeste do Pará", com base na metodologia da Cartografia Social.

 

Animadores: Maria Elvira rocha (UFPA) e Sandra Helena Ribeiro Cruz (UFPA).

 

DIA 17/08, manhã:

 

Continuação do trabalho da Cartografia Social e encerramento.

 

Informações:

 

CPT de Xinguara

 

Telefones: 94-3426 1790 ou 3426 1395.

 

E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

Entrevista: Charles Trocate

 

Charles Trocate, militante do MST no Pará, em entrevista para o site da rede Fórum Carajás, esclarece a atual dinâmica do sul e sudeste do estado. As regiões passam por um momento de fortes modificações que abrange aspectos da economia, da política e da sociedade. A partir do massacre de Eldorado dos Carajás registra-se um reconhecimento massivo de projetos de assentamento da reforma agrária, o que resultou no controle de mais de 50% do território das regiões. Mas o reconhecimento social e político do camponês não significa o fim de tensões entre os camponeses e as empresas de mineração, o latifúndio e o judiciário. Trocate, integrante da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Pará fala sobre o atual momento da região e da luta do movimento contra o grande capital e o latifúndio, no instante político em que famílias sem terra ocupam uma área conhecida como Maria Bonita, no município de Eldorado do Carajás, que é controlada pela empresa Agropecuária Santa Bárbara Xinguara. A empresa integra o portfólio do banqueiro Daniel Dantas, preso pela Polícia Federal, e que se tornou o rei do gado no Pará, numa região marcada por robustos conflitos pela terra.

Fórum Carajás (FC): Fale um pouco do contexto atual do sul e sudeste do Pará hoje

 

Charles Trocate (CT): O sul e sudeste do Pará são uma fronteira agro-mineral que tem vivenciado uma intensa disputa pelo território dos grandes grupos econômicos e políticos. A disputa hoje aqui é extraordinária em busca da riqueza natural da floresta e dos minérios. De um lado há os grandes grupos do Brasil tido como mais desenvolvido e as populações locais da fronteira, os pobres. Avalio que o que está ao centro da disputa seja a renda da terra. Parte das populações locais tenta politizar a luta agrária, agrícola, mineral e ambiental, valendo-se de suas organizações, suas pautas e reivindicações; e por outro lado o Estado instituindo um padrão de dominação e riqueza.

 

Os trabalhadores ao enfrentarem com suas pautas e agendas de lutas a disputa pela renda da terra afrontam interesses do Estado e do grande capital. Não há nada de novo nisso. O que ocorre é o aumento da exploração dos recursos naturais e dos trabalhadores. Creio que temos três momentos nítidos: a luta pela hegemonia do uso da terra e dos recursos dela advindos, o grupo dos ricos instituindo um novo arcabouço jurídico sobre a questão e a cooptação ou a tentativa de supressão dos que detém o poder sobre a parcela marginal da sociedade.

 

FC: Quais seriam os principais agentes do capital nesse contexto?

 

CT: Costumo refletir que todas as ruas do mundo dão no sul e sudeste do Pará. O grau de espoliação vivido aqui integra a lógica da hegemonia do capital mundial. Todas as contradições do capitalismo mundial aqui estão estabelecidas. Aqui a lógica do capital não tem o aspecto civilizatório. Aqui temos uma selvageria. O capitalismo aqui é de cem anos atrás.

 

FC: A região tem a Vale como o principal agente econômico e político. Além dela, que outra empresa tem influência na região?

 

CT: A Vale predomina na região. É mundialmente conhecida e controla uma série de outras pernas desse quadro. A Vale não faz oposição ao grupo Santa Bárbara, as empresas de produção de cimento e as empresas do pólo de produção de gusa. Elas se interligam na busca do lucro.

 

FC: E quanto ao papel do Grupo Santa Bárbara, que num curto período de três anos passou a controlar grandes latifúndios da região, qual a avaliação do movimento?

 

CT - Há uma nova concentração de terras na Amazônia. Estamos num momento de impasse na política de reforma agrária na região. Estamos na região do Projeto Grande Carajás, que nos anos 60 e 80 teve diagnosticado um grande potencial de extrativismo mineral. Aqui há 17 mil lotes de minério no subsolo. Lotes que vão de 50 a 10 mil hectares. Todo subsolo é controlado pela Vale ou por empresa a ela ligada. Terras que foram projetos de assentamento da reforma estão sendo compradas pela Vale, algumas com disputa no judiciário.

 

FC: Por exemplo?

 

CT: O projeto de assentamento no sul do estado, em Tucumã. Aqui em Parauapebas há registros de compra de terras. O dilema é que o subsolo é controlado pela Vale que agora deseja o solo. Quando a gente consegue efetivar um projeto isso significa uma pedra no caminho de expansão da Vale. A apropriação de grandes extensões de terras pelo grupo Santa Bárbara do Daniel Dantas pode representar o desejo de implantação do próprio projeto de mineração do Daniel Dantas.

 

FC: Como o MST avalia a ocupação da área Maria Bonita, qual o significado político?

 

CT – O MST aqui na região não é contra o latifúndio atrasado. Ele não existe mais. Ele se transformou em área moderna do agronegócio. A nossa avaliação é que para se enfrentar o latifúndio é preciso enfrentar o capital financeiro e industrial que se estabelece aqui. O grupo Santa Bárbara representa isso. E é um adversário mais complexo. Nos últimos 10 anos ocupamos quase todas as áreas da família Mutran. Isso foi um compromisso quando a gente se estabeleceu aqui. Ocupamos as fazendas Cabaceiras, Peruano, Mutamba, articulamos posseiros na ocupação da Baguá e Santa Maria e fomentamos esforços contra a família de usineiros paulista Quagliato, na ocupação da fazenda Rio Vermelho, no município de Sapucaia. E estamos no enfrentamento contra o moderno latifúndio, contra o grupo Santa Bárbara. Agora vamos para o campo do enfrentamento no judiciário.

 

FC: E quanto a criminalização do movimento na esfera jurídica aqui na região?

 

CT: A situação é delicada. Não temos conseguido avançar. Até porque a reforma agrária no governo Lula foi direcionada para o agronegócio em busca do superávit primário. Ideologicamente perdemos. Nesse sentido, atua o judiciário na condenação das lutas populares. Creio o elemento que deve ser considerado é que nos últimos anos tem sido os camponeses a categoria de grande mobilização do país e da América Latina. A nossa mobilização escancara as contradições, coloca a nu o papel do Estado na gerência do interesse do capital. Andamos no fio da navalha, entre a cooptação pelo Estado e ações de desobediência civil na denúncia da espoliação dos trabalhadores.

 

Rogério Almeida é colaborador da rede http://www.forumcarajas.org.br/ e articulista do IBASE e Ecodebate.

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