Correio da Cidadania

Justa homenagem

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O ITESP (Instituto São Paulo de Estudos Superiores, curso de teologia e pós-graduação em Missiologia), promoveu a Semana Teológica entre os dias 15 e 17 de setembro, com a temática "Bíblia – Memória, Encontro e Interpelação". Entre os assessores, estavam Frei Carlos Mesters, Cônego Celso Pedro e Richard Horsley. Aproveitando este ensejo, na manhã do dia 15/09/, o ITESP outorgou o diploma "doutor honóris causa" às seguintes personalidades: professor Milton Schwantes, Frei Carlos Mesters, Ir. Maria Alberta Girardi e povo sem terra – MST e Via Campesina.

 

Homenagear Frei Carlos Mesters e o professor Milton Schwantes foi muito mais do que conceder-lhes mais um título. Foi um gesto de agradecimento por tudo o que estes dois seres humanos singulares têm feito no campo da pesquisa bíblica, contribuindo para a formação de uma consciência crítica a partir da Bíblia. A virtude destes dois biblistas foi devolver a Bíblia, antes reservada somente ao clero, para o povo através de uma linguagem popular, além de resgatar a história de vida, de luta e de resistência do próprio povo, sem, contudo, desmerecer a pesquisa bíblica ou abrir mão do rigor científico.

 

Mas a homenagem a Frei Carlos e ao professor Milton não se limitam somente aos trabalhos literários, acadêmicos e as pesquisas no campo bíblico. Seus exemplos de vida vão além. Buscando Deus na Bíblia, Frei Carlos Mesters e o professor Milton Schwantes acabaram encontrando-o pobre, marginalizado, excluído, encarnado num povo sofredor. Este Deus-pobre-marginalizado-excluído-sofredor tem se tornado a fonte destes dois renomados biblistas. As pérolas que provém deste encontro nós podemos presenciar em cada livro, artigo, palestra etc. O povo-pobre tem sido merecedor da atenção tanto de Frei Carlos quanto do professor Milton e é para a sua libertação que eles têm trabalhado incansavelmente, merecendo a admiração, a gratidão e as sinceras homenagens outorgadas pelo ITESP neste dia.

 

Outra presença singular e significativa, que muito nos emocionou nesta manhã, foi a vida e o exemplo de Ir. Alberta. Quem já não se encontrou com esta mulher pelos campos de luta? Quem nunca a viu caminhando apressadamente para junto de seu povo? Povo sem terra, moradores de rua, encarcerados. Qual foi a autoridade que já não teve que se deparar com a indignação desta mulher guerreira que não arreda pé enquanto não vê atendida a solicitação de seu povo?

 

Com 86 anos de idade, Ir. Alberta é um exemplo de que a vida é para ser vivida a cada momento sem se preocupar com o seu fim. A vida de Ir. Alberta é a vida de seu povo, a luta do seu povo é a sua luta. Na CPT (Comissão Pastoral da Terra) desde 1979, trabalhou ao lado de Pe. Josimo até o momento em que ele foi assassinado a mando de cinco fazendeiros. Sua vida é exemplo de uma Igreja que não quer somente assistir a opressão de seu povo, mas quer entrar na luta, ouvir o clamor dos pobres e descer, botar os pés no chão para libertá-los.

 

Seus trabalhos parecem uma extensa ramagem que se espalha por todos os lugares. Hospitais, formação de catequistas, pastoral da família, dos doentes, da juventude, conselho tutelar, em todos estes lugares, Ir. Alberta já foi presença. Sendo que ultimamente tem atuado na luta pela terra, juntamente com o povo sem terra e a Via Campesina, e junto aos moradores de rua e aos encarcerados. Com a humildade própria de quem não anda a cata de títulos, Ir. Alberta não gosta de ser homenageada. Mas nós fizemos questão de que ela aceitasse este nosso reconhecimento. Seu testemunho vem de encontro a tudo o que o ITESP, através de seu corpo docente, tem nos ensinado em todos estes anos.

 

Concluindo esta manhã tão especial, não poderia faltar a presença de um povo. Afinal, os biblistas, os profetas e as profetisas, de ontem e de hoje, somente o são em função de um povo. E o povo veio. Chegou simbolizando uma trajetória de luta de 24 anos de existência do MST e de 15 anos da Via Campesina. Fizemos questão que este povo se fizesse presente para receber do ITESP a expressão de nossa gratidão. Muitos se admiraram ao verem o povo camponês, simples e humilde, adentrar um recinto acadêmico, dividindo o mesmo espaço com mestres e doutores. Outros sentiram arder em seu coração à mesma chama de 20, 30 anos atrás, de uma igreja profética, com uma teologia libertadora, voltada para os pobres, denunciadora das injustiças e anunciadora da justiça do Reino de Deus na Terra, sintetizada nas palavras de Milton Schwantes: "Nós não somos dinossauros, nós estamos vivos".

 

A reconhecida e justa homenagem ao povo sem terra é um agradecimento por tudo que a sua luta e sua caminhada têm nos ensinado. Certamente temos aprendido a ver outro Brasil, a reler a história a partir da realidade do povo que sofre, marginalizado e excluído. Uma realidade que as elites deste país fazem questão de ocultar.

 

É justamente esta outra história que este povo quer contar. Por onde tem passado, ocupando latifúndios improdutivos, montando acampamentos, constituindo assentamentos, plantando escolas, democratizando a saúde, a moradia e a educação, o povo sem terra tem dado provas de seu amor pela terra, pelo ambiente e pelo ser humano. Em lugares onde antes se plantavam eucaliptos agora se cultivam alimentos; em espaços onde antes se abrigavam carcaças de carros roubados, desova de cadáveres e estupradores, agora reinam a paz e a tranqüilidade, como é caso da Comuna da Terra Ir. Alberta, que o governo de São Paulo quer transformar num lixão.

 

É debaixo dos barracos de lona-preta, enfrentando as piores condições – chuva, frio, falta de recursos do governo federal, perseguições e tentativas criminosas de dissoluções, caso do Rio Grande do Sul –, humilhações, descaso de quem não os conhece, mentiras e difamações da mídia, e tantos martírios outros, que o povo sem terra - brasileiro, latino-americano e de outros continentes - tem rasgado o véu das injustiças que imperam em nosso país e no mundo, dando provas de que "outro mundo é possível". Por toda esta demonstração de coragem e de construção de um mundo justo e fraterno é que podemos dizer que este povo, retirante desde a Bíblia, é um povo profético, palavra cara para nós teólogos e teólogas.

 

Assim, o ITESP, em sua trajetória de mais de 30 anos, continua reafirmando a sua contribuição para a formação de homens e mulheres comprometidos(as) com os(as) excluídos(as) de nosso país e do mundo. Outorgar o diploma "doutor honóris causa" foi à forma que o ITESP encontrou para expressar o seu agradecimento e a sua gratidão por tudo o que o professor Milton Schwantes, Frei Carlos Mesters, Ir. Alberta, MST e Via Campesina têm feito para a construção de "outro mundo possível", o Reino de Deus na Terra.

 

Wilson Aparecido Lopes é missionário.

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