Correio da Cidadania

Carta de João Sette Whitaker Ferreira à Veja São Paulo

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A revista "Veja São Paulo" desta semana (http://vejasaopaulo.abril.com.br/revista/vejasp/sumario2007.html) fez uma dupla de reportagens sobre "jovens arquitetos que estão mudando a cara da cidade" e sobre a ocupação dos mananciais que é o retrato de como as classes dominantes enxergam (ou não-enxergam) a cidade.

 

Para rebater o descompromisso com a realidade da revista, o urbanista e professor João Sette Whitaker Ferreira escreveu uma carta para a redação da revista, que reproduzimos abaixo.

 
"Prezados editores da Veja SP,

Ao colocar lado a lado, numa mesma edição, reportagem sobre jovens arquitetos - todos brilhantes, sem a menor dúvida - que estão "começando a mudar a cara da cidade", e outra sobre o desmatamento e a ocupação dos mananciais (Veja São Paulo Ano 40, nº18, 9 de maio de 2007), a revista, de forma provavelmente inconsciente, mas muito sintomática, acaba escancarando o absoluto descompasso existente entre a forma como as elites brasileiras vêem e entendem a situação urbana do nosso país, acreditando que a "cidade" é só uma, justamente aquela privilegiada pelos investimentos públicos e pelo mercado imobiliário, e que pode ter sua "cara" moldada e renovada apenas pelos traços competentes de arquitetos de sucesso em projetos de casas, lojas e edifícios.

Infelizmente, a cidade não é só essa, a dos belos projetos arquitetônicos. E os milhões de paulistanos (quase metade da cidade!) que vivem em situação precária ou na informalidade urbana, inclusive nos mananciais, também fazem parte dela, mesmo que sejam esquecidos e desdenhados pela cidade "que vale", a não ser quando lhe servem como domésticas, pedreiros, seguranças, caixas de supermercado.

Se é verdade que os grileiros cometem crime ao promover a ocupação ilegal dos mananciais, não é por isso que se pode chamar aqueles que buscam moradia nessas regiões por absoluta falta de alternativas oferecidas nem pelo Estado e nem pelo mercado, de um "mundaréu de gente usando as represas de maneira irresponsável". Se parece incomodar a ameaça que essa ocupação constitui para a reserva de água potável da cidade, deveria incomodar mais o fato de que não somos capazes de construir uma sociedade que ofereça moradia a todos e com isso preserve não apenas a natureza e nossos recursos naturais, mas sobretudo a dignidade de seus cidadãos.

Para a revista, os "bons exemplos de ocupação" da represa ocorrem apenas nos raros bairros de alta classe como o Riviera Paulista ou nos privilegiados clubes como o Yatch Club Santo Amaro. O que a revista não percebe é que a degradação urbana e ambiental - que se vê na ocupação de mananciais, mas também, por exemplo, na manutenção irresponsável de prédios vazios em áreas centrais com infra-estrutura - é de responsabilidade de todos nós, que produzimos uma sociedade desigual e intolerante, que prefere simplesmente ignorar que a "cidade" não é formada apenas pelos bairros "que funcionam", cuja "cara" é mudada pelos arquitetos de sucesso.

É preciso juntar as coisas e aceitar que a profissão dos arquitetos-urbanistas ainda tem enormes desafios pela frente, para promover uma cidade menos desigual e com moradia digna para todos, sem o que, ao contrário do que pressupõe o primeiro artigo, deverá dobrar-se à constatação de seu profundo fracasso em seu papel social de promover a habitação para toda a sociedade. Esse é, aliás, o objetivo mais original da profissão, para o qual se dedicam também muitos arquitetos. Se o atingir um dia, quem sabe então mereça não só uma capa da Veja SP, mas o respeito de toda a sociedade. E, em especial, dos excluídos.

Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira


Professor de Planejamento Urbano, de graduação e pós-graduação, das Faculdades de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e da Universidade Presbiteriana Mackenzie".

 

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