Correio da Cidadania

Globo e Record têm concessões renovadas sem debate público

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As concessões de TV de quatro emissoras da Rede Globo e duas da Record foram oficialmente renovadas na última quinta-feira (10) pelo Congresso Nacional. Assim, as duas empresas ganham permissão para transmitir suas programações por mais 15 anos.

 

No caso da Globo, esse prazo vai até 2022; da Record, até 2013. Assim como acontece com os outros processos de renovação de outorga na radiodifusão, não houve a participação dos mais interessados no assunto: o público.

 

As renovações em questão ganham ainda mais importância por se tratarem de emissoras próprias das duas empresas, que respondem hoje por mais de 60% da audiência de TV no país. Além disso, nos dois casos as outorgas renovadas são para as chamadas "cabeça-de-rede", que centralizam maior parte da produção que é transmitida pelas afiliadas espalhadas pelo país. As emissoras da Rede Globo cujas concessões foram renovadas ficam em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Já as da Record estão situadas no Rio e em Itajaí (SC).

 

A análise dos processos, que passam por dois ministérios – o das Comunicações e a Casa Civil – e pelo Congresso Nacional, durou pouco mais de dois anos. Este prazo contrasta com a morosidade registrada para os demais processos de renovação. Há casos de emissoras funcionando com licença vencida há mais de 10 anos.

 

O fato de essas emissoras influenciarem quase toda a população brasileira parece não ter sido motivo suficiente para uma análise menos burocrática e mais transparente de seus pedidos de renovação das outorgas. Na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara Federal - uma das principais instâncias que analisam esses casos -, por exemplo, a aprovação das renovações foi unânime. A participação da sociedade no processo se restringiu a uma Audiência Pública na Câmara, em novembro de 2008, que tratou da renovação de um conjunto de várias licenças, entre elas as da Globo e Record.

 

Embora esta audiência tenha sido um marco no histórico de nenhuma transparência com que são tratados os processos de outorga e renovação de licenças de rádio e TV, a avaliação é de que, individualmente, os processos não foram devidamente publicizados. "Não houve um processo de discussão pública", enfatiza a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), integrante da CCTCI.

 

Sem fiscalização

 

O processo também é alvo de críticas pela falta de fiscalização sobre o cotidiano das empresas. Para João Brant, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, essas renovações recém oficializadas referendam um processo que começou errado. "A Casa Civil pediu para que essas emissoras comprovassem o cumprimento dos requisitos mínimos previstos em lei e elas disseram que era função do governo fiscalizá-los", relata.

 

Ou seja: nem a obediência a critérios constitucionais, como a regionalização da produção e o cumprimento do limite de publicidade em suas programações, foram avaliados porque o Ministério das Comunicações não faz a fiscalização adequada no decorrer do período de utilização do canal pelo concessionário.

 

Os conteúdos produzidos pelas emissoras de rádio e TV também são pouco ou nada avaliados pelos congressistas e pelo governo no momento de análise de um pedido de renovação de outorga. Para Augustino Veit, integrante da Coordenação Executiva da Campanha ‘Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania’, isso é um equívoco. "Se há denúncias fundamentadas em relação à programação, constitui motivo para não renovar", defende ele.

 

A campanha elabora anualmente um ranking de programas televisivos que recebem mais denúncias por parte dos telespectadores. Recentemente, os reality shows da Globo, por exemplo, têm sofrido várias reclamações da população. É o caso do Big Brother e do No Limite. "Eles ferem a dignidade dos telespectadores, que se vêem ultrajados", relata Augustino.

 

A Record, por sua vez, tem sido acusada por discriminação racial. As denúncias que chegam à campanha indicam que alguns programas exibidos na emissora associam a população negra e suas manifestações religiosas ao mal.

 

Campanha

 

Apesar de o processo de renovação das concessões destas emissoras ter passado despercebido para a maioria da população, serviu de motivo para que a sociedade organizasse uma campanha para debater o tema. Em 5 de outubro de 2007, data em que venceram as concessões de grandes empresas de radiodifusão (incluindo as da Globo agora renovadas), foram realizados atos por todo o Brasil pedindo democracia e transparência nas concessões de rádio e TV.

 

As entidades participantes da campanha também produziram documentos exigindo mudanças nos critérios utilizados para concessões e renovações de outorgas. Propuseram, entre outras ações, o estabelecimento de novas licitações ao fim de cada período de concessão, mantendo o direito à atual detentora da outorga de concorrer pela renovação; definição de um contrato específico de concessão de rádio e TV que explicite as obrigações, deveres e direitos do concessionário e a proibição legal de arrendamento, sub-concessão e da transferência direta de outorga (seguindo o artigo 223 da Constituição Federal, que estabelece que toda concessão deve ser aprovada pelo Congresso Nacional).

 

O Congresso não está totalmente indiferente ao tema. Em dezembro de 2008 foi encaminhado ao governo e a outras instituições um relatório produzido por uma subcomissão da CCTCI propondo várias alterações legais sobre o tema. O texto, elaborado pela então deputada federal Maria do Carmo Lara (PT-MG), sugere que os parlamentares aprovem uma Proposta de Emenda Constitucional que "expressamente proíba que parlamentares sejam proprietários, controladores, diretores ou gerentes de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens", vedação também estendida a qualquer ocupante de cargo público.

 

O relatório também pede a revogação dos parágrafos 2º e 4º do Artigo 223 da Constituição. O primeiro estabelece que a não renovação de uma outorga de rádio ou TV ocorra somente com 2/5 dos congressistas negando a nova autorização em votação nominal. O segundo estipula que apenas o Poder Judiciário tem a prerrogativa de cancelar uma outorga de rádio e TV.

 

Para que o relatório saia do papel, porém, a deputada Luiza Erundina acredita que será preciso criar condições políticas para isso. Uma delas é a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Como o tema está contemplado nos eixos temáticos do evento, Erundina espera que a mobilização social ajude a realizar uma revisão do marco legal sobre a gestão do espectro.

 

Também ajudará nesse processo a reativação da subcomissão da CCTCI de onde saiu o relatório. Desativada desde a aprovação do seu relatório em 2008, voltará a funcionar em breve, com a presidência da deputada Erundina e com a relatoria da deputada Iriny Lopes (PT-ES).

 

Outras emissoras pertencentes à Record e também outorgas dos grupos Bandeirantes (Band e Rede 21) e RBS - também vencidas em 2007 -, entre outras, serão algumas das próximas a passarem pelo Congresso. O governo já acatou o pedido de renovação para suas concessões e deve enviar os processos à Câmara nos próximos meses. Elas estão com suas outorgas vencidas desde fevereiro deste ano. Como não há expectativa de mudanças no trâmite a curto prazo, é provável que elas sejam aprovadas assim como vem acontecendo há anos: sem a participação da sociedade.

Saiba mais

* Antes de 1988, o Ministério das Comunicações decidia para quem iriam as concessões. Depois da nova Constituição, os processos têm de passar pelo Congresso. Até 1995, porém, a indicação do Executivo ao Congresso daqueles que deveriam ser os concessionários ainda deixava o processo nas mãos do Executivo. Isso só mudou com o decreto que estabeleceu o processo de licitação para novas concessões. O critério principal para se obter uma emissora de rádio ou TV tornou-se o poder econômico.

 

* A renovação só não acontece se 2/5 do Congresso, em votação nominal, se pronunciar contra.

 

* Durante a vigência da concessão, a outorga só pode ser cancelada por decisão judicial.

 

* Um decreto de 1983 garante às emissoras que, caso expire a concessão sem decisão sobre o processo de renovação, o serviço poderá ser mantido em funcionamento, em caráter precário. Basta apresentar o pedido de renovação. Na renovação, não se abre processo para nova licitação.

 

* O tempo médio de tramitação para as permissões de rádio FM, por exemplo, é de sete anos.

Passo a passo

* A emissora que tem sua concessão em vias de expirar deve manifestar interesse em continuar prestando o serviço de três a seis meses antes da data limite.

 

* O pedido vai para o Ministério das Comunicações. Este analisa e envia para a Casa Civil, que, aprovando o pedido, encaminha ao Congresso.

 

* No Congresso, o processo é analisado pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara. Depois de aprovado pela CCTCI, o processo segue para a Comissão de Justiça e Cidadania (CCJ), que também pertence à Câmara.

 

* Por último, o pedido de renovação da concessão é analisado pelo Senado, por meio de uma comissão interna.

 

* Esse processo, no caso de emissoras de TV, pode durar mais de três anos.

 

Jacson Segundo, Observatório do Direito à Comunicação.

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