Correio da Cidadania

Juristas querem criação da Comissão da Verdade na USP

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Objetivo é esclarecer violações de direitos humanos e qual foi o papel da universidade durante a ditadura

 

Foi realizado na última quinta, 24, no Pátio das Arcadas da Faculdade de Direito, o Ato dos Juristas pela instauração da Comissão da Verdade da USP. De acordo com nota oficial divulgada pelo Fórum Aberto pela Democratização da USP, que organizou o evento, a Comissão da Verdade Uspiana deve ser “dotada de autonomia e independência, destinada a examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar, entre 31 de março de 1964 e 15 de março de 1985”.

 

O representante do Fórum Aberto pela Democratização da USP, Renan Quinalha, esclareceu que essa comissão deverá ser composta “por membros eleitos democraticamente pelas três categorias da universidade e poderá receber testemunhos e informações, convocar pessoas a prestarem depoimento, além de requisitar documentos de todos os órgãos da Universidade, ainda que classificados como sigilosos”. Renan disse ainda que a luta pela Comissão da Verdade é um marco na história recente da USP, já que se articula com uma pauta nacional.

 

Segundo o Fórum da Esquerda, que também organizou o ato, a Comissão da Verdade da USP deverá passar a limpo aposentadorias compulsórias de docentes na ditadura, nomeações de professores e diretores, e as tentativas de desarticular aqueles uspianos que se posicionaram contra o regime militar. Além de diferenciar quem de fato resistiu ao regime militar daqueles que se omitiram, ou até mesmo colaboraram com a ditadura.

 

Para José Damião de Lima Trindade, ex-aluno e Procurador de Justiça do Estado de São Paulo, a participação da juventude na luta pelo esclarecimento dos crimes cometidos na ditadura tem sido fundamental. “A novidade é que a terra começa a tremer sobre os pés dos torturadores. E esse tremor vem da juventude, exemplificada pelo Levante Popular da Juventude. Se os torturadores nos julgavam mortos ou acovardados, enganam-se, estamos vivos e mais fortes. Juntos com essa juventude combativa”, frisou Trindade.

 

Aqueles que se recusam a relembrar o passado são condenados a repeti-lo

 

Além do passado nefasto da ditadura, a Comissão também pretende debater os resquícios do regime militar que ainda restam na USP, como o regimento interno, datado de 1972, que prevê a expulsão de alunos pelo envolvimento em manifestações político-partidárias e por ofensa à “moral” e aos “bons costumes”. Durante o ato, todos os professores e representantes da comunidade acadêmica criticaram o atual regimento da universidade e a estrutura de poder da mesma, que culminaram no uso da força policial para desocupar a reitoria da USP no ano passado, na expulsão de alunos e no convênio entre a universidade e a polícia militar.

 

Durante sua fala, o jurista Fábio Konder Comparato afirmou que “é preciso abrir a caixa de surpresas da Universidade de São Paulo durante o regime empresarial militar”. Já o diretor da Faculdade de Direito, Antonio Magalhães Gomes, contrastou a postura da USP durante a ditadura com a da atual reitoria. “Vivemos na USP a repetição do passado, a reprodução deste passado. Na ditadura, o diretor da faculdade foi à porta negociar com o Coronel Erasmo Dias para que a polícia não entrasse na faculdade, e, há pouco tempo, vivemos uma situação totalmente diferente. O próprio reitor fez com que a polícia entrasse na universidade. Então, meus caros estudantes, o que nós temos que fazer é desvendar esse passado para que não se continue a repetir aqueles momentos tristes que vivemos no país e na USP”. Magalhães disse ainda que “é necessário reestruturar a universidade em termos democráticos”, e que “nenhum poder deve ser absoluto, principalmente no âmbito de uma universidade, que deve ser caracterizada pela pluralidade de idéias e pela participação de todos nas decisões”.

 

A professora Deisy Ventura afirmou que “é muito importante entender o ambiente daquele tempo para reconhecê-lo em episódios que vivemos hoje. Esse sentimento é importante ser resgatado para saber o quanto de fascismo ainda existe no nosso convívio. Num lugar que deveria ser de efervescência, sempre de questionamento, sempre de crítica, e isso deveria ser acolhido e incentivado pela autoridade universitária”. A professora ainda comentou a importância do ato. “Estar aqui adquiriu outro sentido, que é evidentemente o nosso compromisso inalienável com a mudança da sociedade, a começar pela estrutura de poder da nossa própria universidade”, frisou.

 

Sérgio Salomão Shecaira ressaltou a postura autoritária do reitor da USP, João Grandino Rodas. “Talvez o magnífico reitor (João Grandino Rodas), que tem uma identidade com a polícia que nos causa apreensão, tenha se esquecido que neste território da Faculdade de Direito, do Pátio das Arcadas, que é um território libertário, ainda existem pessoas que tem memória e que vão lutar por esta memória”. Shecaira também questionou punições impostas aos estudantes, atualmente, com base em decretos datados do regime militar. “Porque o decreto 477, ainda em vigor, permite que os detentores do poder na USP processem e punam alunos da nossa faculdade. Se não conhecermos a história, não entenderemos o atual momento de retrocesso na nossa universidade. Ainda que para nós, o magnífico reitor seja sempre persona non grata”.

 

Organizado pelo Fórum da Esquerda e pelo Fórum Aberto pela Democratização da USP, o ato contou com a presença do diretor da Faculdade de Direito, Antonio Magalhães Gomes, do jurista e professor emérito aposentado Fábio Konder Comparato, da professora de Direito Internacional Deisy Ventura, do jurista e professor livre docente de Direito do Trabalho Brasileiro Jorge Luiz Souto Maior, do professor Sérgio Shecaira, do professor titular de Direito Econômico e Economia Política Gilberto Bercovici, e do ex-aluno e Procurador de Justiça de São Paulo José Damião de Lima Trindade, além de representantes do DCE e de diversos centros acadêmicos da USP. Também estiveram presentes membros das três entidades representativas da USP: a Associação dos Docentes da USP (Adusp); o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e o Diretório Central dos Estudantes da USP (DCE livre da USP).

 

Por Felipe Rousselet, SpressoSP.

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