Correio da Cidadania

Sob críticas e pessimismo, Rio+20 tem início com metas indefinidas

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Para ambientalistas, nova conferência poderá levar as políticas ambientais até mesmo a um retrocesso.



Imerso em uma aguda crise econômica, o mundo volta seus olhos para o Rio de Janeiro a partir desta quarta-feira (13/06). Após vinte anos, a cidade brasileira torna-se novamente palco de um encontro que pretende traçar novos rumos para a sociedade global através do meio ambiente. No entanto, a escolha do caminho a ser percorrido pode representar um duro retrocesso nas conquistas ambientais obtidas nas últimas duas décadas.



Sem grande expectativa de obter resultados significativos, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20 tentará assegurar um novo compromisso internacional para estimular práticas menos danosas ao meio ambiente através do meio de produção econômico atual.



Ao seu término, no dia 23 de junho, a ONU (Organização das Nações Unidas) pretende apresentar um documento final que definirá as diretrizes das políticas ambientais internacionais a serem seguidas nos próximos anos, intitulado “O Futuro que Queremos”. No entanto, a criação e aplicação de novos tratados, mesmo que com ambições mais modestas do que no passado, só deve ocorrer mesmo a partir de 2016. O novo documento terá o papel de substituir os Objetivos do Milênio, que se encerram em 2015 – ou seja, contará um prazo de três anos para definir mais claramente seus objetivos.



De acordo com analistas ouvidos por Opera Mundi, a Rio+20 caminha a passos largos para se tornar um grande fracasso, e por culpa de seus próprios conceitos. “O problema é que a solução que procuram está dentro de uma visão de mundo completamente exaurida. Pensar em crescimento econômico pela lógica da acumulação do capital, com a exploração exaustiva dos recursos naturais é contraditório, exatamente por ser um modelo insustentável”, afirma a antropóloga e ambientalista Iara Pietricovsky.


“Que ela será um fracasso não é novidade. A Rio+20 não trará nada de novo, mas isso está longe de ser uma decepção, pois já não havia mais nada a se esperar dela”, diz a socióloga Marijane Vieira Lisboa, da PUC de São Paulo. "Reivindicar uma mudança de sistema econômico pode significar muita coisa. Mas o que é realmente incompatível e deve ser evitada é a lógica baseada na acumulação através do aumento da produção, que é apenas um dos aspectos do capitalismo. Simplesmente porque ela está além dos limites físicos do planeta", completa.



Entre as poucas modificações de relevo que parecem caminhar para um consenso está a ampliação dos poderes do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Também é possível que o encontro chegue a uma alternativa para a substituição do PIB (Produto Interno Bruto) como critério de prosperidade.



Ponto de partida


O próprio evento se exime de maiores responsabilidades na obtenção de resultados relevantes. “A Rio+20 é uma conferência de partida, não de chegada. A partir dela, vamos reformular toda a discussão e forma de trabalhar o desenvolvimento sustentável”, afirmou o porta-voz da ONU, Giancarlo Summa, no início do mês, durante a cerimônia em que as Nações Unidas passaram a controlar o Riocentro, local onde será realizado o evento, na Barra da Tijuca. Esse conceito, no entanto, despertou críticas de todos os lados: tanto entre os opositores da Cúpula quanto os que defendem seus princípios.



“Acho isso uma desculpa elegante para a falta de objetivos. É certo, e não poderia ser diferente, que a crise financeira mundial está atrapalhando a Conferência da ONU, assim como, em 1992, certo boom econômico a ajudou”, afirma o agrônomo e ex-secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Xico Graziano.

“Conhece aquela fábula do La Fontaine sobre a raposa e as uvas? Pois é. É o reconhecimento de que haverá um insucesso. As preparações para o evento tiveram início há dois anos. Dá até a impressão de que os problemas ambientais começaram agora, sendo que, na verdade, datam desde a Revolução Industrial”, ironiza o físico e ex-ministro do Meio Ambiente José Goldenberg, que, há vinte anos, participou ativamente das articulações da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92 ou Rio 92 - que, embora com menor estrutura, abrigou mais de cem chefes de Estado e governo (este ano estão previstos 90).

 

Ele lembra que, restando pouco tempo para o início daquele encontro, também havia um cenário de indefinição. “Ainda assim, conseguimos concluir a Convenção do Clima (que deu origem ao Protocolo de Quioto), a da Biodiversidade e a Agenda 21 (que serviu de embrião para os Objetivos do Milênio)”, lembra.



“Trata-se uma saída de marketing que inventaram para não sair mal na foto, uma desculpa pelos fracassos óbvios. Se é uma partida, está muito atrasada”, diz Marijane, que afirma que os acordos da Rio 92 foram modestos e muito mal implementados. Não à toa, os resultados nos últimos anos de todos os medidores ambientais só demonstraram piora.

No entanto, além dos tratados estabelecidos, a Eco-92 teve como outros dois grandes méritos levar, pela primeira vez, o meio ambiente para o centro da pauta política nacional e internacional; e também colocar na conta dos países desenvolvidos a maior parcela de responsabilidade pelos danos ambientais. Tratou-se, até então, de uma inédita vitória política dos países em desenvolvimento enquanto bloco multilateral organizado, em um contexto, segundo Iara, completamente desfavorável.

“A Rio 92 ocorreu no auge do neoliberalismo, quando idéias como a privatização e o Estado mínimo eram hegemônicas. Mesmo nesse cenário conseguimos emplacar uma agenda de transformação, que acabou, anos depois, sendo reduzida e pouco implementada”, lembra Iara. No cenário atual, segundo ela, os Estados estão em crise não apenas econômica, mas de governança, “cooptados e submetidos às grandes corporações, que de fato comandam e se colocam lado a lado das soberanias nacionais”.

Não à toa, o roteiro estabelecido pela conferência, foi focado em dois temas centrais: a “economia verde no âmbito do desenvolvimento sustentável e na erradicação da pobreza” e o “marco institucional para o desenvolvimento sustentável”, que prevê novas dinâmicas de governança, entendido por Iara Pietricovsky como uma maior participação privada nas ações e tomadas de decisão.

Para Iara, os princípios da economia verde são isoladamente benéficos, até mesmo “uma obrigação” por parte da iniciativa privada. No entanto, no conceito do documento final que está sendo elaborado pela ONU, ela entende que o erro está no fato de “o setor privado virar parceiro através das Parcerias Público-Provadas. Tem algo estranho no ar. Pois os mesmos grupo que produzem essa crise gerencial, econômica, política, ambiental e de valores no mundo agora são aliados. Um pequeno esverdeamento via tecnologia limpa vai apenas promover os velhos padrões de modo de desenvolvimento”. Entre essas instituições que Iara critica estão incluídos, além dos grandes conglomerados empresariais, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e principalmente o Global Compact.


Os três pilares



Como seu próprio logo oficial sugere, a Rio+20 afirma se sustentar nos três componentes que integram a versão da ONU de desenvolvimento sustentável: a proteção ambiental, o crescimento econômico e a justiça social.



No entanto, para Marijane, o “pilar social” é usado como uma armadilha para desviar o foco e enfraquecer as reivindicações ambientais. “É evidente que o meio ambiente também é uma questão social. A política ambiental trabalha pelo bem dos povos e implica na melhoria da qualidade de vida. Desde Johanesburgo (na Cúpula Mundial Rio+10) que vieram com essa astúcia em desviar a questão ambiental da social, fragmentando-a como se não tivessem relação entre si”, afirma.



O que Marijane critica desse conceito é que, na prática, muitos países tentam explicar sua não adesão a um acordo ou a uma meta ao justificar que o foco prioritário de sua política ambiental deve ser concentrado em temas ligados à erradicação da pobreza, por exemplo.

 

João Novaes, Ópera Mundi.

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