Plebiscito sobre a privatização da Vale do Rio Doce
- Detalhes
- 31/08/2007
Consulta começa em 1º de setembro e questiona venda da empresa; juristas apontam irregularidades no processo de leilão.
Mais de 60
entidades da sociedade civil, pastorais da igreja, juristas e
movimentos sociais promovem um plebiscito popular sobre a anulação do leilão de
privatização da Vale do Rio Doce, realizada em maio de 1997, durante o governo
Fernando Henrique Cardoso, com base na avaliação de ações de
contestação ainda em julgamento na Justiça brasileira.
A consulta popular, que acontece entre 1° e 9 de setembro, reúne um amplo leque
de organizações populares, como MST (Movimento Sem Terra), CUT (Central Única
dos Trabalhadores), Conlutas, UNE (União Nacional dos Estudantes), Assembléia
Popular e Marcha Mundial das Mulheres, entre outros.
Em dezembro de 2005, o plenário do Tribunal Regional da Justiça Federal,
em Brasília, definiu que as 60 ações em tramitação que contestam a
venda devem ser julgados. A Vale questionou a decisão em
reclamação ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), onde o processo está
atualmente em
julgamento. A possibilidade legal de declaração de nulidade
do leilão abre uma porta aos movimentos que propõem a consulta.
"O
plebiscito promove o exercício legítimo e legal de decisão sobre temas
importantes, como o uso e destino de nossas reservas minerais, e pode ser um
indicativo para que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário respeitem
também a vontade do povo", afirma João Paulo Rodrigues, integrante da
coordenação nacional do MST.
À época da privatização, a Vale do Rio Doce tinha um patrimônio avaliado pelo
seu comitê financeiro de US$ 40 bilhões. Entretanto, a venda das ações do
governo para as mãos do capital privado ficou em R$ 3,3 bilhões de reais.
Atualmente, a companhia é avaliada em R$ 100 bilhões. No primeiro semestre
deste ano, o lucro líquido da empresa ficou em R$ 10,937 bilhões.
“A venda da Vale do Rio Doce foi uma grande ilegalidade e um verdadeiro
atentado ao patrimônio nacional. Um ato desses não pode ficar impune, sem
conseqüências. É preciso que o povo tome consciência disso e deixe de ser
marginalizado, como sempre foi na história do Brasil, e pressione a Justiça
para julgar as ações populares contra a privatização”, explica o jurista e
professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Fábio Konder
Comparato.
O advogada Eloá Cruz, que acompanha o caso, ingressou com uma das ações
contra a venda da empresa. “O Bradesco, um dos responsáveis pela avaliação da
empresa, transformou-se em um dos acionistas, o que é proibido”, alega.
O membro da comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o bispo de Jales D.
Demétrio Valentini, chama a atenção para apropriação privada de recursos
naturais. “A Vale hoje transfere como lucro para alguns o que é patrimônio de
todos”, diz ele.
Para Comparato, a questão vai além do próprio processo de privatização e tem
relação com a natureza do poder no país. “O Estado brasileiro não era dono
da Vale do Rio Doce, que é um patrimônio que pertence ao povo brasileiro.
O Estado era mero gestor e nenhum mandatário poderia vender um bem que
pertence ao proprietário sem o consentimento dele”, defende Comparato.
Sem motivos
As justificativas para a privatização da Vale na época eram a hipotética
incapacidade do Estado em gerir a empresa e a necessidade de gerar caixa para
pagar a dívida. “Vendemos empresas, perdemos um patrimônio e a dívida aumentou.
Hoje a dívida interna ultrapassa R$ 1 trilhão e a dívida externa é de mais de
200 milhões de dólares”, aponta a auditora fiscal da Receita Federal, Maria
Lucia Fatorelli, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da
Receita Federal (Unafisco Nacional).
Fundada em 1942 durante o governo de Getúlio Vargas, a Vale do Rio Doce sempre
foi uma empresa lucrativa e contribuiu para o crescimento nacional. “Como o
Estado não tinha condições de gerir, se sob a direção do Estado se tornou a
maior exportadora de minério de ferro do mundo?”, questiona Comparato. Um
exemplo da capacidade de administração do Estado
é a Petrobras, atualmente a maior empresa da América Latina.
Procedimentos
A votação ocorrerá em todos os estados do país mediante apresentação de
documento de identidade, e o resultado final será divulgado no dia 25 de
setembro, quando os movimentos deverão entregar uma cópia do registro do
processo e da apuração aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
A iniciativa do plebiscito popular já foi usada para promover o debate sobre
outros temas, como a implementação da Área de Livre Comércio para as Américas
(Alca). Nessa consulta, realizada em 2002, participaram 10 milhões de votantes,
com o envolvimento de 140 mil militantes na organização.
Segundo pesquisa nacional realizada em junho pelo Instituto GPP, a pedido do DEM (ex-PFL), 50,3% da população se colocou a favor da retomada da Vale pelo Estado brasileiro, enquanto 28,2% foram contrários e 21,5% não souberam responder.
Neste ano, o plebiscito popular e informal pergunta se a Vale deve continuar
nas mãos do capital privado. O plebiscito também consultará a população sobre a
dívida pública, a gestão da energia elétrica e a reforma da previdência.
A Campanha "A Vale é nossa" produziu um documentário sobre o processo
de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, que está dividido em três partes
e disponível na internet nos seguintes endereços:
http://br.youtube.com/watch?v=LM6oph1muCI/
http://br.youtube.com/watch?v=qBEK1Wup0dw/
http://br.youtube.com/watch?v=GfwlYZeVjF4/