Correio da Cidadania

“Estado e Campesinato na Amazônia: o debate sobre o Distrito Florestal de Carajás"

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Nós, de diversos movimentos sociais e instituições da região do Bico do Papagaio (Pará, Maranhão e Tocantins), reunidos em Marabá no seminário “Estado e Campesinato na Amazônia: o debate sobre o Distrito Florestal de Carajás” declaramos à sociedade brasileira nosso posicionamento diante da proposta do Serviço Florestal Brasileiro, órgão do Ministério do Meio Ambiente, de implantação do chamado Distrito Florestal de Carajás.

 

Com a proposição desse Distrito, conformado por uma área de 200 Km de raio a partir de Marabá e de Açailândia, o governo federal pretendia canalizar recursos para o plantio de 1 milhão de hectares de monocultura de árvores, gerando 5 milhões de m3 de toras para a indústria madeireira e 17 milhões de m3 de toras para carvão. Negando que a decisão sobre essa proposta devesse dar-se em uma velocidade acelerada e com pouca reflexão, como desejava o governo federal, os movimentos sociais do Sul e Sudeste do Pará não participaram das reuniões oficiais e decidiram construir um seminário para o debate e a reflexão independente sobre o tema.

 

O primeiro passo dessa reflexão concretizou-se no seminário “Estado e Campesinato na Amazônia: o debate sobre o Distrito Florestal de Carajás”, realizado em Marabá, nos dias 30 e 31 de agosto e 01 de setembro de 2007, com a participação de 200 pessoas de diversas entidades e movimentos sociais que atuam na região do Bico do Papagaio (Pará, Maranhão e Tocantins) e de professores e pesquisadores de universidades e instituições de pesquisa como a UFPA, UFF, FASE –AMAZÔNIA, FASE – ESPIRITO SANTO e TERRA DE DIREITOS. O seminário buscou traçar um panorama da expansão do agronegócio e da siderurgia na Amazônia, no Brasil e na América Latina e seus impactos para o campesinato, para o desenvolvimento sustentável e para a soberania alimentar, bem como a resistência e as conquistas dos movimentos sociais na Amazônia, Brasil e América Latina contra essa situação.

 

A proposta do Governo Federal parte de dois pressupostos equivocados:

 

- Primeiro, considera equivocadamente que monoculturas de árvores são florestas. Florestas, em regiões tropicais, são caracterizadas pela biodiversidade e pela sócio-diversidade, que não existem nesses plantios homogêneos. Por isso, o plano do governo federal configura-se como um Distrito Pseudo-Florestal.

 

- Segundo, considera equivocadamente que esta é uma região degradada e que só uma agricultura em bases capitalistas seria capaz de se instalar aqui. Não se pode desconsiderar os impactos ambientais e sociais que essa região sofreu desde a década de 1970, com a expansão da atividade mineral e siderúrgica e da grande pecuária extensiva, cujos maiores exemplos são os desmatamentos, as queimadas, a miséria, a violência e o trabalho escravo. Esses impactos precisam, de fato, ser revertidos, mas o plantio de monoculturas de árvores não atende a essa necessidade.

 

Todo o processo de expansão capitalista nesta região gerou, simultaneamente, uma resistência camponesa que garantiu a conquista de centenas de projetos de assentamentos com milhares de famílias assentadas. É neste universo que se encontra o caminho empírico e conceitual da recuperação ambiental, com base nas inúmeras experiências camponesas sustentáveis e bem sucedidas de produção, a partir de manejos extrativistas e agroflorestais, de roças diversificadas e da criação de pequenos e médios animais. É essa produção diversificada que sempre garantiu o abastecimento do campo e, sobretudo, das cidades desta região.

 

Além desses pressupostos equivocados, a proposta do Distrito Pseudo-Florestal, em si, também tem problemas graves. A questão central é que ela se coloca como uma ação voltada para atender aos interesses do setor siderúrgico e madeireiro, não apenas garantindo suprimento de matérias-primas a baixo custo, como concretizando uma transferência direta de recursos públicos para essas indústrias, através de financiamentos e incentivos. Dessa forma, reforça o mesmo projeto de desenvolvimento que predominou nos últimos 30 anos na região, prolongando a insustentabilidade social e ambiental que o caracterizou e bloqueando o desenvolvimento local, posto que as atividades mínero-siderúrgicas e madeireira são atividades de exportação que pouco internalizam resultados econômicos, empregos locais e qualidade de vida.

 

Uma preocupação adicional à proposta do Distrito Pseudo-Florestal refere-se à insustentabilidade sócio-ambiental que representa a expansão de monoculturas de árvores. O caso do Espírito Santo, com grandes áreas transformando-se em um “deserto verde”, ilustra nossa preocupação. Seja o plantio de espécies madeireiras, seja o de qualquer outra espécie de insumo para a produção de combustíveis, tem mostrado uma nova fase de expansão do agronegócio, que gera cada vez mais danos ao ambiente, concentra terras e renda e compromete a existência de áreas para a produção alimentar. Dessa forma, o Distrito Pseudo-Florestal de Carajás insere-se numa fase de expansão da produção de combustíveis, desenvolvida para prolongar um modo de vida capitalista altamente demandante de energia, que privilegia os automóveis, negando a soberania alimentar dos povos. Portanto, essa proposta atrelaria cada vez mais essa região a um processo insustentável de expansão do agronegócio no Brasil, subordinando os camponeses diretamente à siderurgia, reproduzindo uma lógica perversa da integração dos trabalhadores às indústrias, tão conhecida em outras regiões, que compromete a soberania alimentar do campo e da cidade e a autonomia dos camponeses.

 

O fato de o governo federal apresentar uma proposta como a do Distrito Pseudo-Florestal mostra que, apesar de toda a luta de resistência camponesa nessa região e da conquista de muita terra na forma de assentamentos, os movimentos sociais do campo ainda não conquistaram de fato o seu território. A construção desse território que garanta vida digna e soberana não será dada por projetos mais uma vez construídos nos gabinetes de Brasília, tampouco nos escritórios das siderúrgicas da região. Esse território camponês só será construído de fato com o protagonismo dos sujeitos do campo e da cidade, organizados em seus movimentos e participando ativamente da formulação dos projetos aqui implementados. Qualquer projeto dessa natureza só terá sentido se tomar como centralidade o território camponês em construção, sua produção familiar, seus modos de vida, suas identidades, suas culturas. Plantios homogêneos de monoculturas de árvores, decididamente, não fazem parte desse projeto.

 

Frente a essas análises, a proposta do Distrito Pseudo-Florestal de Carajás apresentada pelo governo federal não nos interessa porque representa a expansão do agronegócio na região baseado na monocultura de árvores, que irá subordinar o campesinato, posto que é agronegócio, e violentar a verdadeira floresta e sua gente, posto que é monocultura. Por isso, reafirmamos:

 

1. Somos contra o latifúndio e toda e qualquer monocultura que fere o princípio da biodiversidade, como, por exemplo, as plantações industriais de eucalipto ou de qualquer outra espécie;

 

2. Somos contra qualquer projeto público para a região elaborado sem a participação efetiva da sociedade local, sobretudo das classes populares, referenciados pelos exemplos vividos nos últimos 30 anos que só causaram erosão da biodiversidade e a tentativa de transformação dos camponeses em agregados do grande capital;

 

3. Somos contra o desmatamento da floresta, seja para fins da produção de carvão (componente essencial da indústria siderúrgica), seja para a agricultura capitalista de soja, da pecuária ou de combustíveis, que incida sobre o interesse dos camponeses;

 

4. Somos contra a instalação do Distrito Pseudo-Florestal de Carajás, que representa a perda da autonomia do campesinato, com impactos ambientais irrecuperáveis e miséria;

 

5. Somos contra o trabalho escravo e a exploração trabalhista, que a expansão do agronegócio do carvão através do Distrito Pseudo-Florestal irá incentivar.

 

Diante disso, propomos:

 

1. Avançar na manutenção e conquista de novos territórios, que garantam a soberania das diferentes vertentes do campesinato (indígenas, ribeirinhos, quilombolas, castanheiros, quebradeiras de coco babaçu, agricultores familiares, assentados etc.) sobre a terra, a água e a floresta;

 

2. Orientar a agricultura à produção de alimentos sadios, à diversificação da produção e ao respeito ao meio ambiente e ao ser humano;

 

3. Transformar a luta pela soberania alimentar em uma luta do conjunto da sociedade;

 

4. Lutar por um novo projeto energético, baseado na soberania dos trabalhadores e das trabalhadoras e no respeito à natureza, construindo um desenvolvimento verdadeiramente sustentável;

 

5. Resgatar e fortalecer a identidade e a cultura do campesinato da/na Amazônia;

 

6. Que os governos façam maiores investimentos em educação e ciência & tecnologia nesta região voltados para a produção familiar camponesa, com coerência e compromisso com a realidade do campo;

 

7. Que os governos deixem de celebrar convênios, parcerias e contratos com empresas e proprietários que estejam direta ou indiretamente envolvidos com trabalho escravo e crimes ambientais.

 

Marabá, 01 de setembro de 2007.

 

MST, CPT, MAB, MPA, VIA CAMPESINA-PARÁ, FETAGRI, EFA MARABÁ – FATA, STTR – IMPERATRIZ (MA), AMIQCB, CNS, CIMI, FORUM CARAJÁS, FORUM DE MULHERES DO SUDESTE DO PARÁ, FORUM REGIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO DO SUDESTE DO PARÁ, FAOR – GT TERRA, ÁGUA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, GTA CARAJÁS, RAMA – REDE AGROECOLÓGICA DO MARANHÃO, REDE DESERTO VERDE, PASTORAIS SOCIAIS DE MARABÁ, CENTRU – MA, SDDH, CEPASP, LASAT, FASE AMAZÔNIA, FASE ESPÍRITO SANTO, COOFAMA, COPSERVIÇOS, COOPATIORÔ, CAC UBUNTU, SEAGRI – MARABÁ, C.A. DE CIÊNCIAS SOCIAIS – UFPA/MARABÁ, LEMTO – UFF, COLEGIADOS DE C. AGRÁRIAS E PEDAGOGIA DA UFPA / MARABÁ.

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