Correio da Cidadania

MAB entregará carta ao Papa Francisco

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Durante sua visita ao Brasil para prestigiar a Jornada Mundial da Juventude, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), com o apoio da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), entregará uma carta ao Papa Francisco, na qual relata as constantes violações aos direitos das populações atingidas por barragens.

 

No mês passado, durante reunião entre o MAB e a CNBB em Brasília, o secretário geral da Conferência, Dom Leonardo Steiner, comprometeu-se em entregar uma carta dos atingidos ao Papa, em sua vinda ao país.

 

Para o MAB, a intenção da carta é informar a Igreja da situação dos atingidos e solicitar apoio na intercessão junto às autoridades responsáveis para resolver estes graves problemas.

 

 

Leia a carta na íntegra:

 

Dos Rios do Brasil, julho de 2013.

 

A Vossa Santidade

O Papa Francisco.

 

Santíssimo Padre,

 

Com alegria, saudamos a vossa presença em nosso país e aproveitamos a oportunidade para escrever-lhe esta carta com o objetivo de compartilhar a situação em que vivem as famílias atingidas pelas construções das barragens em nosso país.

 

O modelo de produção de energia no Brasil, baseado na construção de hidrelétricas, tem provocado o deslocamento forçado de milhares de famílias com a violação sistemática dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais em todo o Brasil. Nos últimos 40 anos mais de um milhão de brasileiros foram expulsos de suas terras e tiveram destruídos pelas barragens os territórios que geram o sustento, produzem a vida, a cultura e a religiosidade de moradores de cidades e do campo, indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores e comunidades tradicionais e ribeirinhas.

 

Por serem populações que vivem mais distantes dos grandes centros urbanos, tornam-se mais vulneráveis e vítimas dos grandes projetos.

 

A situação é ainda mais grave com a construção das novas barragens nos próximos anos, a projeção é que mais de 100 mil famílias serão desalojadas. Só em Belo Monte, no Rio Xingu, estado do Pará, obra sendo feita na Amazônia neste momento, serão mais de 40.000 pessoas atingidas.

 

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), há mais de 20 anos, tem procurado organizar os atingidos para lutar pelo direito de permanecer em seus territórios, a lutar pela sobrevivência, reprodução social, buscando assim manter e/ou recuperar a dignidade humana, que é violada com as inundações provocadas pelas barragens.

 

Sabemos que nesse caso a luta em defesa dos direitos humanos dos atingidos contraria os interesses das empresas construtoras, que tem como objetivo o lucro com a produção da energia, à custa de uma política do menor custo social possível na implementação de suas obras.

 

São também penalizados nestes processos os trabalhadores das obras, submetidos, muitas vezes, a condições desumanas de trabalho, como também os moradores das cidades, que pagam caro pela energia elétrica. Com tudo isso, as grandes empresas, principalmente multinacionais, favorecidas pelas políticas do Estado brasileiro, enriquecem cada vez mais e remetem todo o lucro para suas matrizes situadas nos países mais ricos na Europa e Estados Unidos.

 

Após denúncias do MAB junto à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência República, foi instituída uma Comissão Especial que acompanhou in loco as denúncias de violações de direitos humanos, em processos envolvendo o planejamento, licenciamento, implantação e operação de barragens. No relatório final, aprovado em dezembro de 2009, o próprio Estado brasileiro reconheceu a existência de um padrão vigente e recorrente de graves violações de direitos humanos, cujas consequências acentuam as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual.

 

A comissão identificou, em sete casos analisados, dos 74 denunciados, um conjunto de 17 direitos humanos sistematicamente violados.

 

Foram constatadas as violações dos direitos 1) à informação e participação; 2) à liberdade de reunião, associação e expressão; 3) ao trabalho e a um padrão digno de vida; 4) à moradia adequada; 5) à educação e um ambiente saudável; 6) à saúde; 7) à melhoria contínua das condições de vida; 8) à plena reparação das perdas; 9) à justa negociação, tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados; 10) ao direito de ir e vir; 11) às práticas e aos modos de vida tradicionais; 12) ao acesso e preservação de bens culturais, materiais e imateriais; dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais; 13) à proteção especial de grupos vulneráveis; 14) acesso à justiça; 15) à reparação por perdas passadas; 16) de proteção à família; e 17) violação do direito a laços de solidariedade social ou comunitária.

 

O lamentável desta situação é que, mesmo constatado este padrão de violação dos direitos das populações atingidas, o Estado Brasileiro tem um marco regulatório forte no setor elétrico, comandado pelo Ministério de Minas e Energia, para garantir a construção das obras e proteger os interesses das grandes empresas. Mas nunca teve a preocupação de garantir uma política de direitos às populações atingidas. Isso, em nosso entendimento, facilita a permanência da violação de direitos na construção das hidrelétricas.

 

Em gesto que consideramos positivo, em julho de 2009, o então presidente da República, Luíz Inácio Lula da Silva, reconheceu a existência de uma dívida social do Estado brasileiro com os atingidos por barragens, afirmando que durante muito tempo se construiu hidrelétricas no Brasil sem que os atingidos pelas obras recebessem as devidas indenizações e reassentamentos. Naquele momento, assumiu um compromisso que o Estado deveria atender a demanda dos atingidos para sanar a dívida social e, ao mesmo tempo, criar políticas para que novos problemas sociais e ambientais não fossem criados. Porém, até este momento, pouco foi feito.

 

Santíssimo Padre, o trabalho humanitário em prol dos pobres e oprimidos que Vossa Santidade realiza e a sua vinda ao Brasil renovou nossas esperanças de pressionar e cobrar do governo brasileiro e das empresas a criação de um marco legal que garanta os direitos dos atingidos, instituindo uma política nacional de direitos das populações atingidas por barragens. Como também, exigir que sejam criadas as condições (com a instituição de um fundo especial e de um órgão governamental responsável) para resolver a dívida social que o Estado brasileiro tem com as famílias atingidas por barragens e a instituição de programas de recuperação e desenvolvimento das comunidades atingidas.

 

Por isso, aproveitamos a oportunidade e nos dirigimos a Vossa Santidade para lhe pedir que interceda junto aos governantes para que as injustiças não sejam somente reconhecidas, mas que os direitos dos atingidos pelas grandes obras sejam garantidos e respeitados. E, pedimos também, que mantenha viva em sua lembrança e palavras a luta de todos os atingidos/as por barragens do Brasil, da América Latina e do mundo que lutam em defesa do direito a uma vida digna.

 

Queremos a água e energia com Soberania, Distribuição da riqueza e Participação popular.

Agua e energia não são mercadorias.

Com todo o nosso respeito, fé e esperança, desejamos felicidades na sua missão.

 

Abraços fraternos de todos/as atingidos/as por barragens do Brasil.

 

Ivanei Farina Dalla Costa e Joceli Andriolli.

Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens do Brasil.

Acesso ao relatório de violação dos direitos humanos dos atingidos por barragens: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/temas-de-atuacao/populacao-atingida-pelas-barragens/atuacao-do-mpf/relatorio-final-cddph

 

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