Correio da Cidadania

Homenagem a corporação “criada para matar” é rejeitada na periferia

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Rota tem forte rejeição nos bairros periféricos. Familiares de vítimas não veem nada de “heróico”. Métodos abusivos foram registrados em livro meticuloso e denunciados por grupo de Rap da zona leste paulistana.

 

A homenagem concedida pela Câmara Municipal de São Paulo às Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) não agrada àqueles que conhecem a atuação da corporação nas periferias. A chamada Salva de Prata conferida à tropa de elite da Polícia Militar ignora as sucessivas denúncias e depoimentos que ao longo dos anos questionam os métodos repressivos utilizados cotidianamente.

 

Débora Maria, coordenadora do movimento Mães de Maio, que organiza familiares de jovens mortos por policiais, repudia a honraria concedida a corporação.

 

“A Rota não foi feita para proteger nós cidadãos periféricos, negros e pobres, mas ela nos vê como inimigo maior para qual eles foram treinados. Então, eles foram treinados para a guerra e essa guerra é para punir, é para fazer uma faxina da pobreza nas nossas periferias. Então, é motivo de repúdio essa homenagem porque nós não temos eles como heróis, mas, sim, como assassinos do povo pobre, negro e periférico”.

 

Sob protestos, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou na terça-feira (3) a outorga da chamada “Salva de Prata” à Rota. A homenagem à corporação recebeu 37 votos favoráveis, 15 contra e uma abstenção.

 

O projeto de decreto legislativo do vereador Coronel Telhada (PSDB) foi aprovado em sessão tumultuada. Organizações sociais, em especial movimentos ligados à periferia, protestaram durante a sessão. Imagens exibidas por emissoras de televisão mostraram manifestantes sendo expulsos com truculência do plenário.

 

Também estiveram presentes grupos que apoiavam a homenagem a Rota. Pelo Facebook, Telhada havia convidado PMs, familiares de policiais e simpatizantes para comparecerem à sessão.

 

Débora, que teve seu filho morto na Baixada Santista por policiais durante os chamados Crimes de Maio de 2006, defende a desmilitarização da polícia. Ela ainda avalia o peso político de se ter policiais da Rota como representantes públicos.

 

“A gente tem um corpo político que diz que representa a sociedade, mas é um corpo político que vem oprimir muito mais a sociedade. Ao invés deles trabalharem para o cidadão e honrar os votos que eles recebem do cidadão, eles vão honrar o capitalismo e a burguesia”.

 

Durante a votação, os parlamentares da chamada “bancada da bala” defenderam a tropa de elite, apesar dos gritos de “assassinos”.

 

Telhada foi indagado diversas vezes pelos assassinatos cometidos pela Rota. Sobre a questão, o ex-coronel do agrupamento disse que o livro Rota 66, do jornalista Caco Barcellos, “é uma mentira”.

 

“Rota 66 - A história da polícia que mata” é uma investigação rigorosa sobre a atuação da Polícia Militar de São Paulo entre as décadas de 1970 e 1990. No livro, Caco Barcellos denúncia a Rota como um verdadeiro aparelho estatal de extermínio, responsável pela morte de milhares de pessoas. A maioria das vítimas era inocente.

 

Nos anos 1990, o grupo de rap Consciência Humana, através da música, também denunciou a violência do Estado nas periferias. Um dos trabalhos do grupo é a canção Tá na Hora, que retrata os assassinatos cometidos por policiais da Rota.

 

Construída com base na vivência dos rappers no bairro onde cresceram, a letra narra fatos reais e menciona nomes de policiais militares. Entre eles, o Cabo Bruno, que participava do chamado “Esquadrão da Morte” e foi apontado como responsável por pelo menos 50 homicídios.

 

Quem também aparece na música é o ex-comandante da Rota e atual vereador Conte Lopes. Para ele, a corporação é “a melhor polícia do mundo”.

 

No mês de abril, em entrevista ao repórter José Francisco Neto, do jornal Brasil de Fato, Preto Aplick, integrante do grupo, relatou a atuação da Rota no bairro de São Mateus, zona leste da capital paulista, lugar de origem dos rappers.

 

“Nós vivíamos correndo deles. Aí escrevi a primeira música que se chama Terror em São Paulo. A partir dessa daí já tava trazendo as ideias de quem convivia com esses caras na madrugada. Passei parte da minha vida na rua. Então eu bati de frente com eles. Então viemos escrevendo essa história. No meio dessa música pra lá, eu encontrei o Conte Lopes. Ele invadia os barracos, deu tiro na boca do meu tio. Foi aí que veio essa música Tá na hora”.

 

Com a música Tá na Hora tocando nas rádios, o Consciência Humana foi entrevistado pelo jornal Notícias Populares. Aplick revela que a partir de então o grupo passou a ser perseguido e ameaçado.

 

“No jornal Notícias Populares ele pediu pra que a gente parasse de cantar essa música nos shows, porque a gente ia ter problema. Aí a gente continuou cantando essa música. Não paramos. Aí a Rota começou a encostar nos shows. Chegava nos shows os caras falavam ‘vocês não vão cantar essa música’. Eles ficavam na frente do palco e não queriam que a gente cantasse. A gente puxava o refrão os caras já subiam (no palco), quebrava tudo, parava tudo”.

 

Para Débora, diante das atuações de violência da Rota, a homenagem à corporação representa uma afronta aos familiares de vítimas da violência do Estado.

 

“Quem deveria receber homenagem eram os familiares das vítimas da própria Rota. Isso é um absurdo. A gente até hoje não recebeu um ‘sinto muito’ do governador pelas mortes dos nossos filhos, e o que a gente vê é essa barbárie implantada dentro da política”.

 

Débora lembra que a Rota foi criada durante a ditadura civil-militar. Ela cobra que as entidades ligadas à investigação das violações dos direitos humanos naquela época e órgãos governamentais se posicionem reprovando a homenagem.

 

Por Daniele Silveira, Radioagência NP.

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