Correio da Cidadania

E o ETA se dissolveu no povo

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Legenda: Pichação que apareceu, entre muitas, após a dissolução do ETA. “Muito obrigado ETA, ‘hasta la victoria siempre’”, em euskera (idioma basco).
Créditos: Álvaro Hilário

No último dia 3 de maio, David Harland, presidente do Centro de Diálogo Humanitário Henri Dunant – radicado em Genebra (Suíça) e sede das conversações mantidas entre o ETA (Euskadi Ta Askatasuna ou Pátria Basca e Liberdade) e o governo espanhol de José Luiz Rodríguez Zapatero –, deu leitura ao último comunicado do ETA, comunicado no qual a organização armada confirmava a “dissolução de todas as suas estruturas”.

‘O ETA nasceu no povo e nele se dissolve’. O anúncio punha fim a uma trajetória de 60 anos começada durante a ditadura franquista e, em certo modo, também na transição política, processo pelo qual o regime ditatorial se converteu em uma democracia parlamentar. A existência de quase 300 presos da ETA em prisões francesas e espanholas e o permanente debate sobre a soberania basca são dois temas cujas soluções ainda seguem pendentes, quando neste momento de dissolução deveriam ser facilitadas.

Não em vão, durante os últimos 25 anos, todos os governos que passaram pela Espanha apontaram que sem armas, e sem o ETA, seria possível negociar sobre qualquer tema. A dureza da luta antiterrorista e na política penitenciária em relação aos presos políticos bascos em geral e do ETA em especial são, contudo, importantes bases eleitorais com as quais todos os partidos políticos espanhóis jogam, levando em conta as nulas diferenças existentes em suas respectivas políticas socioeconômicas a que, óbvio, nenhum deles pensa em renunciar.

Não menos importante é o “como” contar a História para as gerações vindouras, o que desde o establishment (instituições, partidos, sindicatos e meios de comunicação) se denomina como o “relato” e que, por outro lado, forma parte de uma mais extensa releitura da história do Estado Espanhol, destinada a legitimar o atual estado das coisas, ou seja, legitimar o regime de 1978 e a transição. Tomar a trajetória do ETA como uma, monolítica e alheia às diferentes conjunturas pelas quais transcorreu, não registrar diferenças entre a ditadura, os anos 80 e o século 21, são apenas a ponta do iceberg do tal “relato”. Viva o Estado de Direito!


Legenda: as sete províncias bascas reivindicadas pelos independentistas

O Governo Rajoy, acossado pelos casos de corrupção envolvendo o seu partido (PP) e a competência eleitoral do partido Ciudadanos (emergente partido de direita) e mais preocupado em conseguir a fotografia da rendição do ETA – foto esta que o ETA soube evitar mediante um processo de desarmamento e dissolução inspirado nos modelos colombiano e irlandês e no qual o protagonismo foi entregue à sociedade civil – do que iniciar algum tipo de negociação, já expressou sua opinião, em 29 de abril, através do seu ministro de interior, Juan Ignácio Zoido: “o ETA está terminado, está derrotado. A única coisa que espero do próximo dia 4 de maio, se as coisas acontecerem como se espera que aconteçam, é que as forças de segurança do Estado verifiquem e se certifiquem de que o ETA realmente desapareceu. A partir desse dia a Polícia e a Guarda Civil vão seguir fazendo o que fizeram até agora: perseguir terroristas”.

Estabanado, o ministro Zoido quiçá deveria dizer que às forças de segurança do Estado, seu partido e seu governo, entre outros agentes, não lhes interessa verificar o fim do ETA. À vista das últimas atuações políticas e judiciais acontecidas no passado mês de maio poderíamos dizer que nunca deixarão de agitar os termômetros do ETA e do terrorismo.

A evolução do ETA: marcos e conjunturas

O Euskadi Ta Askatasuna (Povo Basco e Liberdade, em tradução livre) nasceu no final dos anos 50 a partir de um grupo de jovens nacionalistas que discordavam das táticas e estratégias do então hegemônico e democrata-cristão PNV (Partido Nacionalista Vasco), nascido em 1895.

As lutas de libertação nacional do pós-guerra marcariam o giro esquerdista do ETA, sendo as experiências da Frente de Liberação da Argélia e o MLN Tupamaros os modelos a serem imitados. Consequentemente, com os tempos, o ETA (já vanguarda armada do Movimento de Liberação Nacional Basco, MLNV) sofreria diversas cisões com base em questões ideológicas e na diversidade de modelos socialistas a seguir. Algumas gerariam partidos políticos de alcance estatal de caráter trotskista ou maoísta, relegando a luta armada, mas ainda não a sua legitimidade. Outra, manteria a existência de duas organizações, ETA político-militar (1974-1982) e ETA militar (a organização recém-dissolvida), com seus correspondentes partidos e movimentos de massas.

A prática da luta armada foi, a princípio, de caráter seletivo. Assim, o primeiro atentado premeditado, em 1968, foi dirigido contra o chefe da Brigada Político-Social de Gipuzkoa (polícia da ditadura na província cuja capital é Donostia – San Sebastian, e faz fronteira com províncias bascas localizadas dentro do Estado Francês). O inspetor Melitón Manzanas, confesso fascista e outrora colaborador da Gestapo, tinha especial gosto por torturar qualquer opositor do regime que passasse na sua frente.

A atuação do ETA foi ainda mais amplificada com a explosão que pôs fim, em 1973, à vida do Almirante Carrero Blanco, presidente do Governo e braço-direito de Franco. Era o segundo homem do regime, possível cabeça de um franquismo sem Franco.

As simpatias e adesões que o ETA gerava entre as pessoas eram máximas e não se limitavam ao País Basco e ao Estado Espanhol, como demonstraram em 1970 e 1971 as numerosas manifestações celebradas em toda a Europa em solidariedade aos 16 membros do ETA julgados pelo Processo de Burgos – acusados de três mortes, sendo uma delas a de Manzanas – e que conseguiram deter seis penas de morte. A imagem do primeiro-ministro sueco Olof Palme solidarizando-se com os condenados bascos rodou o mundo todo.

A morte de Franco e a transição não detiveram a luta armada no Estado espanhol, desenvolvida por diferentes organizações autônomas, dos dois ramos do ETA e pelo grupo marxista-leninista GRAPO (Grupos Revolucionários Antifascistas Primeiro de Outubro). A ampla base social com a que contavam as organizações bascas e as reivindicações independentistas permitiram a persistência das mesmas e o paulatino descaso com todas as demais. Assim, a legitimidade da democracia parlamentar desenhada pelo franquismo e o monopólio da força seguiam sendo questionados.

O final da década de 80 marcaria o princípio do fim do ETA. Naqueles convulsos anos, diferentes movimentos sociais antiautoritários questionavam a supremacia do MLNV no seio da esquerda basca. Este, por sua parte, ditava sua estratégia ao objetivo supremo da negociação, algo contestado pelas demais forças de esquerda.

Em 19 de junho de 1987, um artefato explosivo colocado pelo ETA no shopping Hipercor de Barcelona causou a morte de 21 pessoas e deixou 45 feridos. A organização se decantava pelas práticas terroristas: era a chegada da “socialização da dor”, do carro-bomba: a luta, para conseguir seus objetivos (negociação entre ETA e o Estado) causaria danos colaterais na sociedade.

O cerco político, judicial e midiático contra o ETA e toda pessoa ou organização considerada próxima, ‘etarra’, ou que compartilhasse algum objetivo, foi endurecendo pouco a pouco. Os aparelhos do Estado, nunca depurados após a morte de Franco, foram empregados a todo vapor. A tortura sistemática, o aumento das condenações por delitos com a caricatura de “terrorismo”, a dispersão dos presos em prisões situadas a centenas de quilômetros (*1) do País Basco foram abordadas, já nos anos 90, pela doutrina do “Tudo é ETA” ditada pelo juiz Baltasar Garzón (*2) e que teve como consequência o fechamento de jornais revistas, rádios e a criminalização de todo tipo de estrutura do MLNV, destacando a proibição do partido político Batasuna (Unidade), em 2003 (*3).


Torcida do Athletic Bilbao apoia a causa basca com mosaico em partida icônica pela final da Copa do Rey contra o Barcelona em 2015

O fim da luta do ETA começava a ser vislumbrado, sem esquecer, nesse sentido, as diferentes negociações que o ETA manteve com os governos de José Maria Aznar (PP) e José Luiz Rodríguez Zapatero (PSOE), durante os anos 90 e princípios do novo século, respectivamente, e que não chegaram a um final ‘feliz’.

Sem armas podemos falar de tudo

No começo de 1998, meses antes do início das negociações com o ETA, o presidente Aznar manifestou que “se os terroristas decidem deixar as armas, saberei ser generoso”, referindo-se a hipotéticas medidas de agrado aos presos, suas voltas a prisões bascas, incluindo a possibilidade de revisar o autogoverno basco e suas competências.

Este mantra, “sem armas podemos falar de tudo”, se repetiria até a saciedade nos discursos de todos os partidos políticos do arco parlamentar basco e espanhol, sendo a trilha sonora do isolamento ao qual se submeteu todo o independentismo basco de esquerda e que, de maneira geral, conduziu à dissolução do ETA.

Como se pode comprovar na resposta que o Estado deu ao independentismo catalão, é evidente que, ainda sem armas, temas como a unidade da Espanha ou a propriedade privada são intocáveis e não são suscetíveis a negociação ou modificação do seu status. Na Constituição Espanhola de 1978 não se toca.

Daí em diante, em 2006, começam os contatos e negociações entre representantes de diferentes partidos políticos (como Arnaldo Otegi, líder do independentismo de esquerda, e Rafael Egiguren, do PSOE, então a mando do governo espanhol) com o objetivo de fechar uma etapa que incluía o fim do ETA e assentamento de bases para uma convivência e uma luta política normalizadas. O civil substituía o militar pela primeira vez.


Manifestação em Bilbao pela soltura e anistia dos presos políticos bascos. 2017.

Créditos: Insurgente.org

O tema dos quase 300 presos em cárceres espanhóis e franceses, a desaparição das medidas de exceção judiciais e de cumprimento de condenação às quais são submetidos é um dos mais importantes. Até esta data, não houve nenhuma modificação. Se em princípio a existência da luta armada impossibilitava qualquer diálogo, uma vez declarado o cessar fogo do ETA em 2011, a exigência passou para o desaparecimento da organização. Uma vez que esta deu “tchau”, agora é imperativo que o ETA peça perdão às vítimas, renegue seu passado afirmando que sua luta nunca foi legítima, mas um erro, e a que os reclusos se convertam em arrependidos e colaborem com a justiça.

De fato, no final de abril, conhecido o anúncio da dissolução do ETA, a resposta do governo através do ministro Zoido afundou seu habitual imobilismo: nem um só gesto em favor do ETA, nenhuma concessão nem na luta antiterrorista e nem na política penitenciária.

De fato, em 17 de maio, a política espanhola desatou uma operação contra 57 ex-presos do ETA com o objetivo de lhes embargar as contas bancárias e outras propriedades para satisfazer indenizações econômicas às vítimas dos seus atentados com os quais foram condenados às penas de prisão.
 
Estas indenizações correm por conta do Estado e agora pretendem reunir 8 milhões de euros embargando uns poucos autos e uns poucos nomes. Ou seja, o ETA tem de continuar proporcionando benefícios para o Estado espanhol mesmo após dissolvido.

Como apontávamos acima, o termômetro do terrorismo e da luta antiterrorista, todo banhado por chamamentos a defender a unidade da Espanha, a democracia e o Estado de Direito, segue sendo agitado pelo PP, o PSOE e o Ciudadanos como efetiva forma de seguir ganhando votos ao mesmo tempo em que desvia a atenção da cidadania sobre os casos de corrupção que estão envolvidos, o desemprego, a ausência de trabalho genuíno, os cortes de gastos sociais, em educação, saúde, ou a diminuição dos direitos políticos.

Esse maquinário judicial e policial do Estado espanhol, nunca devidamente revisto, recordemos, foi sendo construído sobre a luta antiterrorista, com a desculpa do terrorismo. Uma refinada máquina repressiva legal própria de democracias autoritárias como a Turquia e que, hoje em dia, se utiliza contra todo tipo de dissidência mais além dos limites do País Basco.

Dois juízos centram a atenção do povo basco nestas semanas: uma dezena de jovens bascos está sendo julgada na Audiência Nacional (tribunal de exceção espanhol) acusados de diversos delitos de “terrorismo” e com exageradas petições de prisão por parte do ministério público (fiscalía), por conta de uma briga com agentes da Guarda Civil e por participarem de uma marcha em que houve pedradas.

Atirar pedras em uma marcha é um delito que dependendo do signo da marcha pode ser qualificado como terrorismo, resultando em 7 anos de prisão.

O mesmo pode ser dito dos catalães processados por “delitos de ódio”, pelo fato de escracharem os alojamentos da polícia espanhola na Catalunha durante a repressão do 1 de outubro; ou os que são acusados de terrorismo por participarem de piquetes; os rappers presos por conta de suas rimas constituintes de “apologia ao terrorismo”. A realidade é que não se pode falar de quase nada: a liberdade de expressão está sendo cerceada sob o pretexto da luta antiterrorista e, como estamos vendo, para o Estado e os poderes constituídos, “terrorismo é tudo aquilo que possa lhes tirar o sono”, como cantava Evaristo, do grupo La Polla Records, importante grupo de rock basco que gravava músicas críticas sobre a realidade local.

Desaparição do ETA

Em torno de 2008, o independentismo de esquerda (ou melhor, a izquierda abertzale, IA, como chamada no país basco) começa, em plena proibição, um processo de reflexão com o objetivo de adaptar-se, em todos os sentidos, aos novos tempos. De fundo, os contatos entre o governo, presidido pelo socialista Zapatero, com o ETA e a IA: em 12 e 13 de maio de 2005, durante o debate do estado da nação, o presidente Zapatero anunciou sua intenção de acabar com o ETA mediante um diálogo final ainda em sua gestão, mas sem pagar um preço político por isso. Mariano Rajoy, líder do Partido Popular, na oposição, acusou Zapatero no mesmo debate de “trair os mortos”.

Após o atentado de 30 de dezembro de 2006 no aeroporto de Barajas, em Madrid (apesar do ETA ter anunciado cessar fogo anos antes e este pronunciamento seguir vigente), o presidente Zapatero anunciou na mesma tarde que havia ordenado a suspensão de todas as iniciativas para desenvolver o diálogo com o ETA, que considerava ‘estragado’ o processo de paz de forma imediata. Segundo Zapatero, a violência é incompatível com o diálogo e, portanto, um acordo de paz não poderia ser desenvolvido enquanto o bando terrorista não cumprisse as condições que o governo exigiu para o início do processo.

O PP acusou o PSOE durante este processo, atento uma vez mais à obtenção de créditos políticos e não a uma resolução efetiva do conflito. De fato, e graças às denúncias da direitista Associação de Vítimas do Terrorismo (AVT), diferentes políticos foram processados pelo fato de terem mantido contato com o partido Batasuna – criminalizado já em virtude da doutrina Garzón de que ‘tudo é o ETA’ (*4) – isto é, com uma organização terrorista.

Em 2007, o ETA dá por terminado seu cessar fogo. A chegada do PP ao poder dá por finalizadas todas as tentativas de negociação com o ETA e com a IA. A repressão e o cerco político e midiático somavam-se à reflexão no seio da IA, favorável ao começo de uma nova etapa caracterizada por optar unicamente por meios políticos. Em 2010, o ETA anunciava um novo cessar fogo e, um ano depois, o abandono definitivo da luta armada.

Ainda em 2011 é legalizada a nova organização, o novo partido político da IA, o Sortu (nascer, criar; em euskera), sucessor do Batasuna e do Herri Batasuna (Unidade Popular). Um partido vertical, hierarquizado, comprometido com o respeito à legalidade vigente e de orientação socialdemocrata. O fim do ETA estava já próximo, e não cabia marcha à ré.

Sucessivamente a tarefa se centrou em como desaparecer sem que isso parecesse uma derrota, sem presentear o governo com a imagem da rendição, essa imagem que, desde 1978, todos os governos espanhóis quiseram para si.

Do cessar fogo tornado público por um vídeo enviado à BBC, todos os passos para a dissolução do ETA estiveram inspirados nas conferências e processos de paz da Colômbia e da Irlanda. A diferença dos casos mencionados é que nessa encenação da dissolução do ETA, neste arremedo de conferência de paz, não houve membros do governo espanhol, coerente com seu discurso de que o ETA já havia sido derrotado pelo Estado de Direito, pela atuação da polícia e da Justiça.

Houve mediadores internacionais, partidos e sindicatos do nacionalismo basco (em representação na sociedade civil), sempre buscando essa imagem de diálogo entre a Espanha e o País Basco. Essa imagem de sociedade civil organizada buscando um novo cenário baseado em uma paz justa. Assim, após o anúncio de cessar fogo definitivo, veio a destruição do arsenal em 2017 e a tão exigida dissolução, condição indispensável para qualquer diálogo, fim da repressão e fim das medidas de exceção para com os presos do ETA. Já se sabe que ‘sem armas se pode falar sobre tudo’ há décadas.

Em sua última entrevista, concedida ao diário Gara, o ETA justifica sua decisão, referendada em um processo de debate por 93% dos seus membros (*5) e ignora o tema da derrota, inerente a uma organização que desaparece sem alcançar os objetivos que a fizeram nascer: “esse caminho continua. O processo que tem como horizonte a criação do Estado Basco prossegue. O ETA foi um ator fundamental para pôr em marcha e dar corpo ao processo de liberação nacional, não há a menor dúvida disso, mas não podemos equiparar o final de ciclo do ETA e o final desse processo de liberação. O que queremos dizer com essa frase é que os objetivos intermediários que previa o ETA (de reconhecimento nacional e direito de autodeterminação) não foram atingidos ainda, mas há opções para consegui-los. De um ponto de vista histórico, comparando a situação de quando o ETA empreendeu seu caminho e a situação quando encerra o seu ciclo, podemos extrair a seguinte conclusão: antes havia um povo condenado a morrer e hoje há um povo que quer ser dono de si próprio”.

Para o PP e o establishment é necessário que predomine a ideia de que o ETA foi derrotado por conta dos créditos políticos dessa narrativa de vitória, cimentada na dureza da ação jurídico-política, no monopólio da violência; na doutrina do inimigo interno. É necessário também que se imponha a exigência de que o ETA e a IA reconheçam seu fracasso e proclamem que a luta armada, ainda em tempos de Franco, nunca teve razão de ser e nunca teve legitimidade.

Os conflitos basco e catalão, como a própria existência do ETA, são elementos que põem em questionamento a legitimidade da transição, do processo de mutação do Estado ditatorial em uma monarquia parlamentarista onde o poder econômico e político continuam nas mãos dos mesmos setores que ganharam a Guerra Civil (1936-39) e continuam protegidos pela imunidade que eles mesmos se concederam. A transição foi dirigida pelos poderes estabelecidos espanhóis com a ajuda da socialdemocracia espanhola (financiada pela Alemanha, especialista em renúncias históricas e que sobretudo administra muito dinheiro). Todos  empenhados em manter uma tranquilidade e evitar intentonas revolucionárias como a sucedida no vizinho Portugal em 1974.

Por isso o especial interesse em estabelecer um relato em torno do ETA, da luta armada e inclusive a função de atuar dos nacionalismos periféricos enfrentados ao nacionalismo espanhol. Por isso o interesse de não diferenciar diferentes etapas do ETA e o interesse em esvaziar seu papel no antifranquismo. É preciso levar em conta que tanto Melitón Manzanas como o almirante Carrero Blanco estão considerados pelo Estado espanhol e sua legalidade como “vítimas de terrorismo”.


Independentzia
Créditos: Agência EFE

Notas:

*1 Depoimento de presos bascos torturados, ver:
a. https://www.youtube.com/watch?v=0WXhr1TIN_4
b. https://www.youtube.com/watch?v=VXxDc4G-Rm4 

*2 https://www.aporrea.org/medios/a36932.html

*3 Curiosamente, o Batasuna foi criminalizado na Espanha sob a acusação de ser uma organização terrorista, mas não na França, onde seguiu desempenhando sem problemas.

*4 Foram 1.077 homens e mulheres que votaram: 997 pelo Sim a colocar fim à organização para impulsionar o processo de libertação, 47 votaram pelo Não, e 33 votaram em branco ou se abstiveram.

*5 Ver link:
https://www.naiz.eus/eu/hemeroteca/gara/editions/2018-05-07/hemeroteca_articles/en-euskal-herria-hay-fuerza-valentia-e-inteligencia-suficientes-por-eso-hemos-disuelto-la-organizacion

Leia também:
Adeus às armas no País Basco: ETA anuncia entrega de arsenal


Álvaro Hilário escreve sobre o País Basco e o Estado espanhol para o Correio da Cidadania e para meios argentinos.
Traduzido por Raphael Sanz, para o Correio da Cidadania.

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