Correio da Cidadania

Alta dos combustíveis: "Petrobrás deve retomar seus objetivos históricos"

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Pela décima terceira vez desde janeiro de 2021, o preço dos combustíveis subiu no Brasil, acompanhado de uma inflação recorde que encerra março. Os mercados rugiram com a especulação de que o governo poderia intervir na Petrobrás e sua política de preços de paridade internacional, mas logo silenciaram após Bolsonaro criticar a empresa, culpá-la pela degringolada econômica e dizer que se dele dependesse a estatal seria completamente privatizada. Nesta entrevista, Felipe Coutinho, engenheiro da Petrobrás, explica as razões dos aumentos e defende a reversão de todo o escopo de decisões do setor nos últimos anos.

Somada à guerra entre Rússia e Ucrânia, tal política de preços aumentará ainda mais a vulnerabilidade da economia brasileira. “Podemos esperar muita volatilidade nos preços, instabilidade econômica, ambiente inseguro para investimentos públicos e privados, com as consequentes dificuldades para o crescimento econômico e a geração de empregos”.

Na entrevista, explica tecnicamente os motivos pelos quais a orientação das últimas direções da Petrobrás atendem somente aos interesses do grande capital privado, sob falsas premissas amplamente divulgadas na mídia empresarial, enquanto observamos remessas de lucros praticamente sem paralelo no mundo.

“No período nos quais praticou preços relativamente baixos (2011-2014), (a Petrobrás) manteve enormes reservas em caixa, entre 13,5 e US$ 25 bilhões, em valores nominais, superiores às multinacionais estrangeiras. A capacidade de honrar compromissos de curto prazo sempre foi evidenciada pelo índice de liquidez corrente superior a 1,5”.

Como forma de dissimular o viés ideológico privatista, parte do debate sobre o aumento dos preços se desviou para supostas preocupações ambientais e o uso de energia fóssil. Incapaz de pagar para circular e ganhar a vida dentro de todo um modelo socioeconômico estabelecido, o brasileiro poderia se orgulhar de “não poluir”. “O entreguismo instrumentaliza diferentes narrativas e também se pinta de verde para justificar a entrega dos nossos melhores recursos”, resume Coutinho.

Em sua análise, toda a política do setor de petróleo e gás precisa ser revertida, inclusive para permitir a criação de condições reais de gerar uma transição energética. De acordo com o Coutinho, a Petrobras deveria “limitar a exportação de petróleo cru ao mínimo necessário para garantir que seja agregado valor no Brasil, com a produção de combustíveis, petroquímicos, químicos e fármacos. Investir nas energias potencialmente renováveis, entendendo seu caráter complementar às fósseis, com menor custo possível para a sociedade. Assim como alterar a política de preços (PPI) e retomar o objetivo histórico da Petrobrás de abastecer o mercado brasileiro aos menores custos possíveis”.

A entrevista completa pode ser lida a seguir.

AEPET
Divulgação

Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, o que é, em termos técnicos, a política dos Preços Paritários de Importação e o que pensa dos argumentos de seus defensores?

Felipe Coutinho: Desde outubro de 2016 as direções da Petrobrás decidiram inovar e adotar a política dos Preços Paritários de Importação (PPI). Arbitram os preços nas refinarias da Petrobrás como se os combustíveis tivessem sido importados. Estimam o preço pago ao refinador estrangeiro (a maioria da Bacia do Golfo nos EUA), somam o custo do transporte, as taxas portuárias, seguros, margem de risco, com os lucros de toda a cadeia de importação e definem que este Preço Paritário de Importação (PPI) deve ser cobrado para os combustíveis vendidos nas refinarias da estatal.

Os argumentos utilizados para justificar ou defender o PPI são falaciosos, no artigo “Cinco Falácias sobre o Preço Paritário de Importação (PPI) praticado pela direção da Petrobrás” (leia aqui) detalho o porquê.

Correio da Cidadania: Quais as consequências para a economia nacional e o cidadão/consumidor médio? Por que tal política aumenta a ociosidade das refinarias nacionais?

Felipe Coutinho: Com preços altos em relação aos custos de importação, os combustíveis da Petrobrás perdem competitividade e até 30% do mercado brasileiro é transferido para os importadores. A ociosidade das refinarias aumenta também em até 30%, há redução do processamento de petróleo e da produção de combustíveis no Brasil. Outra consequência da política de preços é a desnecessária e perniciosa elevação da exportação de petróleo cru.

Correio da Cidadania: O que imaginar para o restante do ano com a continuidade da guerra entre Rússia e Ucrânia e a manutenção da atual política?

Felipe Coutinho: Podemos esperar muita volatilidade nos preços, instabilidade econômica, ambiente inseguro para investimentos públicos e privados, com as consequentes dificuldades para o crescimento econômico e a geração de empregos.

Correio da Cidadania: As últimas gestões também se desfizeram de ativos como a Transpetro e a BR Distribuidora, deixaram a Fábrica de Fertilizantes do Nordeste (FAFEN) inativa por dois anos, entre outras decisões da chamada “política de desinvestimentos”. Trata-se somente da PPI ou outras decisões tomadas nos últimos anos explicam a situação de alta frequente dos preços?

Felipe Coutinho: É um conjunto de políticas antinacionais. O Brasil tem capacidade de produzir e refinar o seu petróleo no país. Mas a política de preços tem promovido a importação de combustíveis e a exportação de petróleo cru. Cerca de 50% do petróleo cru produzido no Brasil têm sido exportados, em grande medida por multinacionais estrangeiras. Enquanto isso, até 30% do mercado de combustíveis têm sido ocupados por importados, na maior parte dos Estados Unidos, com ociosidade proporcional do parque de refino brasileiro.

Trata-se de um ciclo do tipo colonial, extrativo e primário-exportador do petróleo cru do Brasil. Nenhum país se desenvolveu exportando petróleo cru por multinacionais estrangeiras e importando combustíveis e derivados de maior valor agregado. Com o Brasil não será diferente.

Preços desnecessariamente altos, exportação crescente de petróleo cru e importação de derivados são consequências da política de preços inédita e arbitrariamente adotada pela direção da Petrobrás; privatização de ativos rentáveis e lucrativos, desintegração vertical e nacional da Petrobrás, com consequente dependência cada vez maior dos preços do petróleo cru no mercado internacional; redução drástica dos investimentos e do conteúdo nacional. São decisões de responsabilidade do Presidente da República que podem e devem ser urgentemente revertidas para o bem do Brasil.

Correio da Cidadania: Como lidar com a narrativa midiática dominante da grande imprensa sobre a suposta incapacidade do Estado brasileiro e da administração da empresa em fazer algo diferente em favor do consumidor brasileiro enquanto a empresa gera lucros exorbitantes para seus acionistas?

Felipe Coutinho: Cabe a nós revelar a verdade, denunciar a narrativa falaciosa e o papel antinacional da mídia controlada pelo capital concentrado, nacional e internacional.

A Petrobrás praticou preços inferiores aos de importação na maior parte de sua história, inclusive entre 2011 e 2014. No entanto, a Petrobrás nunca deixou de gerar bons resultados empresariais por causa disso.

A estatal é uma grande geradora de caixa. Em 2011, foram US$ 43 bilhões, entre 2012 e 2017, a geração se manteve estável entre 25 e US$ 33 bilhões por ano. Da mesma forma, entre 2018 e 2020, variou entre 28 e US$ 33 bilhões, em valores atualizados.

Também neste período nos quais praticou preços relativamente baixos (2011-2014) manteve enormes reservas em caixa, entre 13,5 e US$ 25 bilhões, em valores nominais, superiores às multinacionais estrangeiras. A capacidade de honrar compromissos de curto prazo sempre foi evidenciada pelo índice de liquidez corrente superior a 1,5.

Correio da Cidadania: Como encarar o discurso dessa mesma mídia que tenta transmitir o momento como oportunidade para “transição dos combustíveis fósseis” em nossa sociedade?

Felipe Coutinho: É preciso demonstrar a importância dos combustíveis de origem fóssil e a relevância do papel da Petrobrás na produção de fontes primárias potencialmente renováveis e complementares aos fósseis.

As energias potencialmente renováveis dependem das fontes primárias de energia de origem fóssil – carvão, petróleo e gás natural - para serem produzidas, distribuídas, mantidas e complementadas para que o abastecimento energético seja confiável. Não deveria haver surpresa, praticamente tudo neste mundo depende das energias fósseis.

O eufemismo do “acordo climático” trata-se de uma, entre tantas iniciativas globais, conduzidas a partir dos países centrais que podem assim instrumentalizar temas caros à boa parcela da opinião pública para viabilizar seus interesses geoestratégicos. Trata-se de “chutar a escada” do desenvolvimento dos países da periferia do sistema, que consumiram e ainda consomem pouca energia, dispõem de recursos naturais, controlam as maiores petrolíferas do mundo (que são estatais) e têm grande potencial de desenvolvimento econômico e social, desde que aumentem seus consumos de energia com prioridade para as mais baratas de se produzir e mais eficientes possíveis.

As “mudanças climáticas”, assim como o combate ao terrorismo, ao tráfico de drogas e a corrupção, a defesa de liberdades individuais e da democracia liberal, também a pauta identitária e a dita “guerra entre civilizações” são temas populares que podem ser instrumentalizados para fins geoestratégicos, na disputa entre países imperialistas, ou entre países soberanos e o sistema financeiro internacional.

As crises cíclicas fazem parte do capitalismo, acontecem entre 7 e 11 anos desde o início do século passado. Suas funções são destruir o capital fictício, o capital produtivo menos eficiente e reduzir o custo do trabalho para recuperar a lucratividade perdida. Não há concertação global, cooperação internacional ou, muito menos, acordo climático capaz de evitar a ocorrência cíclica das crises no sistema capitalista.

A causa das crises no sistema capitalista não é o excesso da capacidade industrial, é a redução da lucratividade do capital. O excesso da capacidade é resultado da redução da lucratividade e dos investimentos, com os consequentes desempregos e redução da capacidade de compra dos assalariados, além da elevação do endividamento das famílias, empresas e dos Estados Nacionais.

Com o fim do petróleo adicional barato de se produzir, em termos agregados e mundiais, e com os limites da sociedade – pelo menos enquanto submetida a sistema econômico concentrador – em poder arcar com preços elevados da energia, não há disponibilidade de fontes primárias de energia com baixos custos de produção, confiáveis e de alta qualidade. A inteligência humana é capaz de transformar fontes primárias de energia em trabalho e bens úteis, mas não somos capazes de criar fontes primárias compatíveis com as melhores reservas já esgotadas dos recursos energéticos de origem fóssil.

O Brasil deve optar pelo uso do seu petróleo, agregar valor a ele e não permitir sua exportação em estado cru. Devemos investir no desenvolvimento das energias potencialmente renováveis, conhecendo seus limites e utilizando nossas vantagens naturais e inteligência para produzi-las aos menores custos possíveis.

O entreguismo instrumentaliza diferentes narrativas e também se pinta de verde para justificar a entrega dos nossos melhores recursos.

Correio da Cidadania: Pedro Parente gabou-se, em seu discurso de saída da presidência da empresa, de ter “feito a Petrobrás menor”, enquanto os indicadores socioeconômicos seguem em queda. Não poderíamos resumir toda a política da Petrobrás no pós-2016 como meramente ideológica e voltada a satisfazer interesses particulares não admitidos à sociedade?

Felipe Coutinho: Trata-se do “mau e velho” entreguismo. Trata-se da antiga agenda para atender interesses de uma minoria, em maior medida sediada no Atlântico Norte, cujos lacaios são visíveis por aqui.

Correio da Cidadania: Como analisa a gestão Silva e Luna e as críticas de Bolsonaro à empresa, a afirmar que se dependesse dele tudo seria privatizado de uma vez?

Felipe Coutinho: A Presidência da República e a atual Direção da Petrobrás mantiveram a agenda antinacional com privatização de ativos rentáveis e estratégicos, desintegração vertical e nacional da Petrobrás e a lesiva política de Preços Paritários de Importação (PPI). O importante não é o que se fala, mas o que se faz. A responsabilidade de conduzir a Direção da Petrobrás é do Presidente da República.

Correio da Cidadania: O que deveria ser feito da gestão da maior empresa do país e na cadeia produtiva do setor, no sentido de gerar empregos, renda e integração social dentro do território brasileiro?

Felipe Coutinho: Recuperar os ativos privatizados: as reservas de petróleo, a BR Distribuidora, subsidiárias das malhas de gasodutos, Liquigás, Refinarias etc. Aumentar investimentos com o maior conteúdo nacional possível.

Limitar a exportação de petróleo cru ao mínimo necessário para garantir que seja a ele agregado valor no Brasil, com a produção de combustíveis, petroquímicos, químicos e fármacos. Investir nas energias potencialmente renováveis, entendendo seu caráter complementar às fósseis, com menor custo possível para a sociedade. Assim como alterar a política de preços (PPI) e retomar o objetivo histórico da Petrobrás de abastecer o mercado brasileiro aos menores custos possíveis.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

 

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