Correio da Cidadania

COP27 Egito e commodities ambientais: o paradigma organicista como contraponto à privatização e financeirização da natureza

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As commodities ambientais e a métrica do carbono | Revista Missões
As commodities ambientais são o oposto das commodities convencionais por fazerem contraponto aos critérios de padronização e comercialização, ao questioná-los tecnicamente confrontando os números e estatísticas das grandes escalas de produção. As commodities ambientais não são créditos de carbono e seus derivativos (REDD, REDD+, Pagamentos por Serviços Ambientais, Créditos de Compensação, Créditos de Efluentes, Pagamentos por Serviços Ecossistêmicos, entre outras pirotecnias financeiras). Pelo contrário, este relatório rebate as falsas soluções dos que se apresentam como “lobos vestidos em pele de cordeiro” .

O que são Commodities Ambientais?

Primeiramente, é preciso compreender o que são “commodities” para depois definirmos o que são “commodities ambientais”. Commodities são mercadorias padronizadas para compra e venda que adotam critérios internacionais de comercialização em mercados organizados (bursáteis, ou seja, de Bolsas de Mercadorias e de Futuros). Hoje classificamos as produções convencionais em commodities agropecuárias (soja, milho, café, boi, cana, cacau, açúcar etc.) e commodities minerais (petróleo, gás, ouro, prata, cobre, ferro etc.).

As commodities ambientais são o oposto das commodities convencionais por fazerem contraponto aos critérios de padronização e comercialização, ao questioná-los tecnicamente confrontando os números e estatísticas das grandes escalas de produção, incluindo as variáveis sociais e ambientais e principalmente as reivindicações dos que são os legítimos representantes de sua “eminência parda, O Mercado”, ou seja, os produtores e consumidores que somos todos e todas nós, pagadores de impostos e taxas, além de pagarmos também as exorbitantes taxas de juros praticadas no Brasil quando recorremos a empréstimos e financiamentos.

Assim sendo as “commodities ambientais” são mercadorias originárias de recursos naturais, produzidas em condições sustentáveis, e constituem os insumos vitais para a indústria e a agricultura. Estes recursos naturais se dividem em sete matrizes: 1. água; 2. energia, 3. biodiversidade; 4. floresta; 5. minério; 6. reciclagem; 7. redução de emissões poluentes (no solo, na água e no ar). As commodities ambientais estão sempre conjugadas a serviços socioambientais – ecoturismo, turismo integrado, cultura e saberes, educação, informação, comunicação, saúde, ciência, pesquisa e história, entre outras variáveis que não são consideradas nas commodities convencionais.

Enquanto as commodities convencionais (agropecuárias e minerais) se concentram em alguns poucos produtos da pauta de exportação com escalas de produção, com alta competitividade e tecnologia de ponta (transgenia, nanotecnologia, biologia sintética, geoengenharia etc.), nas commodities ambientais desenvolvemos critérios de produção alternativa como a agroecologia, a agricultura orgânica, a permacultura, a biodinâmica, a agricultura de subsistência consorciada com pesquisa de fauna e flora, como as plantas medicinais, exóticas e em extinção. Exemplificamos a pesquisa com o banco de germoplasma do bioma macaronésia (misto de bioma amazônico com mata atlântica).

É o caso da semente de linho e das tinturas resgatadas pelo banco de germoplasma para bordados tradicionais da Ilha da Madeira, em Portugal, que foram clonados pelos chineses e industrializados. O mercado foi inundado por falsificação chinesa dos bordados da Ilha da Madeira. Resultado: as bordadeiras já não querem mais ensinar a suas filhas o ofício por serem exploradas pela industrialização e por empresários que exportam seus bordados para boutiques e pagam uma miséria para as bordadeiras.

Outra contradição: enquanto na Amazônia combatemos a biopirataria, nos países do norte pesquisam-se sementes e espécies para recuperar o que degradaram e desmataram. São essas contradições, seus paradoxos e reflexões entre problemas e soluções que estamos debatendo e analisando ao construir coletivamente o conceito “commodities ambientais”. As commodities ambientais são como um espelho diante da face do sistema financeiro para que possamos enxergar em tempos de trevas alguma luz no fim do túnel, propondo um modelo de transição à economia de mercado em sua fase neoliberal (neo = novo; liberal = livre mercado).

Ora, se vivemos em uma economia onde quem comanda é o livre mercado, por que somente os detentores de capital podem decidir sobre o que, como e de que forma devemos produzir e consumir? Se é livre para os capitalizados, por que deles somos reféns e estamos “presos”? Devemos ser eternamente “escravos do livre mercado”?

Se somos os que produzem, os que consomem, os que pagam impostos, taxas e os juros, por que temos que nos subordinar às regras de padronização e comercialização internacionais, fora de nossa realidade e ainda aceitar passivamente que esse mercado se “autorregule”?

No Brasil, sabemos que o legislador é questionável e muitas vezes injusto; é quando a lei beneficia o réu (o degradador) e penaliza a vítima (o ambiente). E, quando é conveniente para bancos e corporações, prevalece o negociado sobre o legislado.
Separação a se fazer do joio do trigo

As matrizes das commodities ambientais são recursos naturais e processos renováveis e não renováveis: a água, a energia, a biodiversidade, a floresta, o minério, a reciclagem, a redução de emissões de poluentes (no solo, na água e no ar). Não são mercadorias, não podem ser “comoditizadas” por se tratarem de bens difusos, de uso comum do povo.

As commodities ambientais são as mercadorias que se originam destas matrizes, por exemplo, o doce de goiaba da produtora de doces de Campos dos Goytacazes (RJ). A goiabeira é matriz. A goiaba é matéria prima, o fruto. A mercadoria é o doce de goiaba. A prestadora de serviços é a mulher doceira de Campos dos Goytacazes que aprendeu com a índia Goytacá a receita tradicional para fazer goiabada cascão. A mulher doceira se organiza em associação e cooperativa. A água e a energia como commodity ambiental, neste caso, é o insumo usado pela mulher doceira para produzir o doce de goiaba. Torna-se commodity ambiental quando essa mulher doceira cuida da bacia hidrográfica e trabalha com energia renovável e/ou maximizando o uso da água e da energia para poder produzir seu doce. É quando água e energia são captadas da natureza e passam para a cadeia produtiva.

Foi justamente com o objetivo de questionar como se dão esses “critérios” de padronização e seu modus operandi que passamos a estudar o binômio “água e energia”.

Nas commodities ambientais trabalhamos as sete matrizes integradas ao aprendermos como funciona um ecossistema. Na natureza não há separação entre as matrizes porque a natureza está integrada. Se separamos em sete matrizes é para poder estudar e analisar os impactos socioeconômicos de seu uso justamente para não permitir a exploração desenfreada e nem o extrativismo industrializado, como ocorreu no desastre ambiental com a mineração em Mariana e Brumadinho, Minas Gerais.

Estamos falando de commodity, ou seja, de mercado organizado, e não de extrativismo pura e simplesmente (sem organização social). Commodity não se dá na informalidade e nem é possível dizer que qualquer coisa vira commodity na ilegalidade e sem critério de padronização. Observe-se, no entanto, que mercadoria pode ser lícita tanto quanto ilícita. A lista de coisas ilícitas que se tornam mercadorias é enorme, dá pano pra burca!
Na economia verde chamam os processos de serviços ecossistêmicos e ambientais. Ocorre que também não são “serviços”, já que a natureza não está a serviço dos humanos, não cobra por seus trabalhos. No conceito “commodities ambientais” estamos falando de “benefícios providenciais” e não de serviços ambientais.

Se alguém presta algum serviço nessa equação, é a bordadeira da Ilha da Madeira, a costureira, o extrativista, a quebradeira de coco de babaçu, o ribeirinho que pesca o peixe, a doceira que retira a goiaba mantendo a goiabeira em pé e plantando uma muda de goiabeira ao lado da árvore que extraiu o fruto, os povos indígenas e tradicionais que protegem e guardam as florestas e as águas. Estes, sim, prestam serviços e deveriam ser devidamente remunerados por manter os “benefícios providenciais” que a natureza nos proporciona. Eles e elas trabalham para que tenhamos água em quantidade e qualidade, assim como o ar, a terra e o mar.

A academia e as grandes ONGs têm por hábito criar novas expressões e palavras-chaves para desviar a atenção do principal. Isto se dá tanto entre os que defendem o neoliberalismo quanto os que o criticam. É muita tergiversação política, distorção e enviesamento das bandeiras e causas justas que defendemos e discutimos no mundo real. Mas o povo não é bobo. É bom, mas não é bobo. Como disse uma liderança Jaminawá: “Capivara é capivara, paca é paca, cobra é cobra, e nem vem com esses nomes complicados que a gente não sabe o que é. Pra gente as coisas são simples.”

Se usamos a palavra-expressão “commodities” é porque dominamos o assunto e estamos rebatendo argumentos frouxos e inconsistentes, derrubando mitos que se apresentam como verdades absolutas e inquestionáveis. Quem nos ouve e nos lê com atenção entende perfeitamente o que estamos falando.

Também nunca soubemos de um investidor que colocasse dinheiro em algo que não entendesse, pelo contrário, se o fazem sem entender é porque estão sendo enganados. Enganar pessoas é estelionato (abuso da boa fé do indivíduo) e, se tiver papéis com palavras-expressões enroladas, certificadores duvidosos, auditores incompetentes (na melhor das hipóteses), é fraude. Se tiver juros impraticáveis e escorchantes, é agiotagem. Daí a coisa sai da esfera, do campo técnico e ideológico, e passa à condição de jurídico-econômico. Nesta última hipótese, é crime.

Portanto, estamos entrando no território do direito penal, mais especificamente no direito ambiental e no direito humano, sem perder de vista que estamos tratando também com direito econômico, tributário e fiscal. É matéria multidisciplinar e não dá para um(a) único(a) mortal se rogar de doutor(a) no tema. Nós não nos atreveríamos a tanta prepotência!

Senão vejamos, quando privatizaram a Vale do Rio Doce, o que venderam? Uma empresa estatal? Não, venderam as riquezas do subsolo, o bem público, o minério explorado pela Vale do Rio Doce que passou a ter acionistas estrangeiros e se submeter às regras de mercado (ou a falta delas!). Aqui estamos falando de mercado financeiro e não do mercado como um todo, que somos todos nós, produtores e consumidores de bens e serviços.

Quando leiloaram o pré-sal, entregaram para exploração de outros países em território brasileiro o bem comum do povo, o petróleo. Nós respondemos uma pergunta com outra pergunta: é viável?

Tomemos como fato a recente greve dos caminhoneiros. Ao indexarem os preços dos combustíveis ao preço praticado nas bolsas internacionais, as bombas de gasolina e álcool nos postos passaram à condição de corretores e cambistas, com reajustes de preços diários e inesperados.

É impossível conviver com uma situação dessas quando nem os caminhoneiros conseguem saber o que estão pagando para continuarem na estrada; quando nem seus salários estão garantidos e ainda correm riscos de vida com assaltos e péssimas condições de trabalho com a frota sucateada, sem saber como irão pagar as prestações dos caminhões novos que compraram.

Quando propomos “as commodities ambientais”, estamos falando de alternativas de geração de emprego e renda para os que vivem da mineração, da exploração desenfreada do bem comum, pois o argumento das mineradoras e do agronegócio é de que tal atividade extrativista gera emprego e renda, traz divisas (dinheiro de investidores estrangeiros) para o país. Mas sabemos que as empresas multi e transnacionais que se estabelecem no Brasil vêm aqui em busca de insumos (água e energia), de matéria-prima (minério e produtos agropecuários) e mão de obra barata ou mesmo de graça e escravizada. Eles trazem seus funcionários bem pagos do exterior, altamente capacitados, falando duas ou mais línguas, com mestrados e doutorados, não contratam mão de obra regional, exploram o ambiente local com a cumplicidade de políticos. Assim privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos.

A água, a energia e o alimento são ou não são mercadorias? Eis a questão!

Pois dizemos que é bem o contrário dessas campanhas que vêm de fora para dentro, cunhadas por ONGs internacionais, quando a palavra commodities traduzida ao pé da letra significa mercadoria. Querendo “padronizar as campanhas” para que sejam usadas em todos os continentes, as ONGs cometem um equívoco e alimentam mais ainda a confusão entre produção e finanças.

Somos críticos sobre os limites do discurso socioambientalista majoritário, pois em sua visão coloca motes de fácil assimilação – como “água não é mercadoria” – acima da análise do modelo de produção e consumo no qual estamos todos inseridos. Do outro lado, trata de precisar as diferenças entre mercados financeirizados e oligopolizados daqueles que envolvem produtores e consumidores de pequena escala, em nome de quem sempre se estimulam os instrumentos de economia sustentável, mitigação de danos, compensações ambientais, entre outros.

Eles fazem a mesma coisa que os colonizadores que tanto criticam fizeram: nos submetem a sua voz de comando sem nos perguntar se essas expressões nos servem para dizer o que gostaríamos de dizer.

Explicamos: commodities é palavra-expressão utilizada em finanças e podem ser bem mais que simples mercadorias, dependendo de como é usada e em que contexto está sendo empregada, como no caso do agronegócio, em suas propagandas, quando afirma que o Brasil se tornou o maior exportador de soja com o boom das commodities, tendo os chineses comprando nossa produção, ou quando dizem que “tudo vai virar commodity”, sem explicar como é possível essa metamorfose. Isso sem levar em conta que ainda temos em vigor o artigo 225 da Constituição Federal, além do direito econômico, tributário e fiscal.

Eis a síntese do texto: o bem ambiental é definido pela Constituição como sendo "de uso comum do povo", ou seja, não é bem de propriedade pública, mas sim de natureza difusa, razão pela qual ninguém pode adotar medidas que impliquem gozar, dispor, fruir do bem ambiental ou destruí-lo. Ao contrário, ao bem ambiental é somente conferido o direito de usá-lo, garantindo o direito das presentes e futuras gerações.

Estão usando a palavra-expressão commodities de forma enviesada, distorcida e descontextualizada ou simplesmente jogando a palavra-expressão de um lado para outro sem aprofundar o debate que está em curso há décadas, desta forma desviando a atenção do principal e na maioria das vezes invertendo o sentido de nossas afirmações, demonstrando que não sabem do que estão falando e que desconhecem os gargalos das cadeias produtivas de bens e serviços.

O eco-historiador e ambientalista Arthur Soffiati, que nos acompanha há mais de duas décadas, é fiel testemunha do tamanho deste imbróglio:

“Os ecologistas foram atacados pelos capitalistas, pelos marxistas, pelos anarquistas e pelos cristãos. Pelo menos, as fotografias eram em branco e preto naquela época, permitindo saber quem era quem. Hoje, os cinquenta tons de cinza confundem as posições e a compreensão dos conceitos. Mesmo assim, é possível reconhecer dois paradigmas: o mecanicista e o organicista. O primeiro continua acreditando que o planeta e as pessoas são recursos a serem explorados em caráter ilimitado para ganhar dinheiro. O segundo propõe uma mudança radical, criticando tanto a direita quanto a esquerda por suas posições retrógradas.

A geoengenharia, a transgenia, a biologia sintética são novas roupagens para velhas propostas que se reúnem hoje sob o rótulo geral de economia verde. Elas se vinculam ao surrado paradigma mecanicista que alimenta o capitalismo e o socialismo (que nunca representou um projeto radical de revolução). Já o projeto “commodities ambientais” se alinha com o novo paradigma organicista que condena veementemente o objetivo de transformar todas as manifestações da natureza em mercadoria. 

Talvez a palavra commodities leve os incautos a pensar que ela expressa a economia de mercado. Sendo assim, sugiro que, antes de atacarem a economista Amyra El Khalili e de colocarem suas assinaturas em documentos cujo teor não dominam suficientemente, seus críticos e os pesquisadores estudem mais o seu trabalho. E o que é mais curioso: quem chega na luta atrasado quer condenar os ativistas antigos que sabem muito bem distinguir alhos de bugalhos“.

Mercantilização da Natureza?

Desde que o primeiro colonizador meteu os pés neste continente latino-americano e caribenho, a natureza foi mercantilizada. Estamos em outra fase: a da “militarização da natureza”. Sem dúvida é inquestionável que o objetivo da “militarização” é para seguir mercantilizando tudo e qualquer coisa, da natureza à vida – aliás, seria hipocrisia dizer que esta ainda não foi mercantilizada. Já se vão mais de 500 anos de colonização mercantil e ninguém fez nada. A cada governo, seja de direita ou esquerda, reproduz-se o mesmo modus operandi. Em palestra proferida na sede do BNDES (EL KHALILI, 2000), promovida pelo governo dos EUA, falamos sobre o Plano Colômbia, em que se jogou veneno nas plantações de coca, papoulas, maconha, o que, além de matar a terra, atingiu a população com graves sequelas.

Alguém citou esse pronunciamento nos relatórios? Nada! O que os jornalistas escreveram na “grande imprensa” foi apenas o que interessava ao mercado de carbono, mas não escreveram o que dissemos sobre a necessidade de criar alternativas agroecológicas para os pobres campesinos(as) que plantam coca, maconha e papoulas.

Desta forma somos solidários com as propostas do “Comunicado do Componente da FARC no Programa Nacional Integral de Substituição de Cultivos de Uso Ilícito (PNIS)”. Se queremos paz nas florestas, nos campos, nas montanhas e nas águas, temos de caminhar para as soluções dos problemas e não “problematizar mais e mais, jogando gasolina onde já há incêndio”.

Como é possível explicar para dona Maria, para seu João, que alimento não é mercadoria, se eles têm de comprar na feira, no supermercado, na padaria, no açougue a comida dos filhos? Como é possível explicar para nossas mães que água e energia não são mercadorias, se as contas de água, luz, gás e combustível estão pela hora da morte?

Será que dá para a gente usar esse argumento com as empresas-estados que nos abastecem com água, luz e gás que estes não são mercadorias? Que o

Estado tem de nos prover de serviços que jamais deveriam ser mercantilizados, como saúde, educação, segurança pública, previdência, entre outros que pagamos com impostos e taxas na hora que temos que quitar nossas dívidas? O funcionário que me atende no guichê pode me isentar desses pagamentos apenas com tal argumento?

Pensamos que as afirmações “água, energia e alimento não são mercadoria” não explicam nada para ninguém. Devemos sem dúvida alguma discutir a qualidade do que produzimos e consumimos, se o que comemos nos alimenta ou se o que pagamos tem preço justo, mas devemos evitar confundir mais ainda o que já está confuso e obscuro. Enfim, para quem estamos falando e com quem estamos dialogando? Esta é a pergunta que não quer calar.

Para os simples mortais, galinha é galinha, paca é paca, como diz sabiamente a liderança Jaminawá do Acre.
Em tempos confusos e obscuros, Arthur Soffiati nos situa historicamente e analisa os conflitos sociopolíticos para melhor aclarar nossas ideias:

“Quando comecei minha luta em defesa do meio socioambiental, em 1977, havia três posturas bem distintas em relação à questão socioambiental. A exponencialista, constituída por capitalistas e socialistas, defendia um crescimento exponencial da economia, alegando que ele iria beneficiar o social. Para ela, não existia a crise ambiental. Se, de fato, ela era verdadeira, a tecnologia se incumbiria de resolvê-la no futuro. Capitalistas e socialistas formavam também a segunda postura – a dos compatibilistas – que acreditavam na existência da crise e propunham que ela fosse resolvida com a conciliação de crescimento econômico e de proteção do ambiente.

Os operários, os sindicatos e as igrejas progressistas não se importavam com a crise ambiental. Para eles, só existia o social, pois só o ser humano é o irmão, o próximo, o dominador do mundo. Em resumo: o humanismo transformou-se em antropocentrismo. A terceira corrente era revolucionária e inovadora. Ela se autodenominava de ecologismo. Seus pensadores concluíram que a crise socioambiental resultava de uma concepção de mundo que se restringia à humanidade e seu desenvolvimento e ao acúmulo de riquezas por poucos. O ecologismo defendia a tese de que o planeta não podia sustentar por muito tempo dois sistemas econômicos vorazes em matéria e energia, desatentos dos limites da natureza em receber dejetos do processo produtivo e geradores de guerras e miséria. “

Sua eminência parda: o Mercado

Vamos identificar quem é sua eminência parda: o Mercado. Fazemos essa provocação depois de anos e anos ouvindo o sistema financeiro falar em nosso nome sem nos perguntar o que pensamos ou o que gostaríamos de dizer. Os operadores da Bolsa repetem todos os dias: o mercado subiu, o mercado caiu, o mercado está nervoso, o mercado está parado. E eles nem se dão conta do que estão dizendo de tão condicionados ficaram nesse universo.

O mercado a que nos referimos no e-book “Commodities ambientais em missão de paz”, como dissemos anteriormente, somos todos nós que produzimos e consumimos, e não o mercado financeiro, que absolutamente não produz nada e tem sobrevivido como parasita de rentismo e da especulação. (DOWBOR, 2017)

O atual sistema financeiro é que está determinando o que sua eminência parda, o Mercado, deve produzir e consumir. Por isso mesmo, se sentem à vontade de falar em nome de sua eminência parda, o mercado, de forma generalizada, sem separar mercado financeiro de mercado de trabalho, de mercado alternativo, de mercado de produção, de mercado de bens e serviços. Há mercados e mercados. Distinguir produção de finanças é o primeiro passo para não confundirmos trigo com joio.

Por outro lado, acontece também que a economia que vivemos se estabeleceu (establishment) no paradigma mecanicista, onde tudo tende a ser mercantilizado, com escalas de produção utilitárias e não como produção com valor de uso social. É evidente que qualquer instrumento econômico-financeiro que seja pensado neste mesmo paradigma será usado para concentrar mais ainda o capital rentista (que vive de juros e não de produção) do que realmente ser usado para efetivamente financiar a produção. E consequentemente acaba sendo usado para financeirizar (endividar) os que produzem bens e serviços.

Portanto, as críticas aos instrumentos econômicos da economia verde, como Créditos de Carbono, REDD – Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, Créditos de Efluentes, Créditos de Compensação, Pagamentos por Serviços Ambientais, Pagamentos por Serviços Ecossistêmicos etc. são pertinentes e merecem atenção, principalmente se os órgãos fiscalizadores e reguladores, bem como o Ministério Público, apurarem as denúncias que estão sendo registradas em nossas redes de informação.

No entanto, não podemos generalizar e confundir gente séria e bem intencionada com oportunistas, especuladores e criminosos. Muitos acreditam ingênua e equivocadamente que tais instrumentos financiarão a transição de uma economia marrom para uma economia verde, e não estão compreendendo as armadilhas financeiras e jurídicas engendradas com operações que envolvem questões de ordem geopolítica casadas com terras e recursos naturais estratégicos, regulados e legislados com a cumplicidade de políticos para a implementação destes perigosos contratos financeiros e mercantis. É o pacote que vem da chamada economia verde ou economia de baixo carbono.

Créditos de carbono e de compensação ambiental

O artigo “O que são créditos de carbono?” (EL KHALILI, 1998) explica a diferença entre títulos bursáteis (negociados em bolsas) e commodities (mercadoria padronizada), e esclarece que “créditos de carbono” não podem ser “commodities ambientais”.

Questionamos: se há emissão de um título, para que e para quem ele deveria servir? Se é um crédito seja do que for, como se pode usar-aplicar esse crédito?

Primeiramente, carbono não pode ser considerado mercadoria, se a intenção é reduzir as emissões. Não existe conta para reduzir nada no sistema financeiro, somente para multiplicar. Confundem “sequestro de carbono” com “créditos de carbono”.

Na natureza, o sequestro de carbono é a fotossíntese. As plantas capturam o CO2 para depois eliminar o oxigênio. Em finanças não há como fazer essa equação, ainda mais no mercado de commodities que está desregulamentado. Hoje, a Chicago Board negocia até 100 vezes a mesma saca de soja por ação de especuladores e manipuladores que nada têm a ver com a atividade produtiva. Tais ações distorcem os preços e prejudicam o financiamento das lavouras, condicionando os agricultores a comprarem as tecnologias de ponta que os países do norte patentearam, como sementes, agrotóxicos, químicos, máquinas e equipamentos.

Uma coisa é financiar um projeto de mitigação (redução de emissões), a outra é emitir títulos para as bolsas ou negociar commodities nas bolsas. São coisas diferentes, têm funções diferentes; não deveriam se fundir e muito menos se confundir. Ocorre que, com os instrumentos da economia verde citados anteriormente, estão fundindo e confundindo propositadamente os contratos em uma arquitetura financeira perigosa.

Suspeitamos que o fazem para se apropriarem de terras e recursos naturais estratégicos (bens comuns). Com a crise financeira internacional de 2008, após a quebra do Banco Lehman Brothers, os investimentos que estavam no subprime (hipotecas de residências) migraram para o que chamamos de subprime ambiental (hipotecas de terras).

Como dissemos, nenhum investidor coloca dinheiro naquilo que não conhece e nem assina contratos que não entende. Ainda mais com contabilidades complexas em contratos financeiros e mercantis que necessariamente devem medir a quantidade de carbono sequestrado. Como é feita a medição? Quem audita tal engenharia?

Se na academia há divergências do que pode ou não ser “sequestrado”, se especialistas a todo momento publicam estudos e relatórios que derrubam teses e projetos de carbono, em quem confiar tamanha tarefa para assinar acordos, contratos e projetos que envolvem bilhões e ainda alienam terras por 30, 40, 50 e até 100 anos?

Mitigar não ocorre da noite para o dia, leva anos e anos, e muitos que estão assinando contratos, acordos e projetos nem estarão vivos para saber seus resultados, comprometendo assim o patrimônio ambiental e cultural das presentes e futuras gerações, como é o caso das terras dos povos indígenas e tradicionais.

E não precisamos ir até lá na Amazônia para verificar: aqui mesmo, em território paulista, as terras dos agricultores podem ficar em garantia por tantos anos e alienadas somente para receberem os trocos dos tais “serviços ambientais e ecossistêmicos”, seja de sequestro de carbono ou da gestão das águas de uma represa, cachoeira ou rio que passa dentro de uma propriedade ou fazenda? Será que não estão colocando em risco o patrimônio público (como são as terras indígenas e tradicionais da União) ou privado (como são as terras de nossos avós maternos e paternos) para receberem um valor insignificante quando essas terras valem muito mais, não para serem exploradas à exaustão, mas por nos proporcionarem os “benefícios providenciais” que nos mantêm vivos, como água, ar e solo?

Analisando um contrato que estamos auditando, encontramos a seguinte cifra: contrataram uma consultora individual em capacitação para plantarem hortas comunitárias pela módica quantia de R$ 95.000,00 por 15 (quinze) meses; em contrapartida ofereceram a uma liderança indígena o valor de R$ 180.000,00 (para três aldeias) por ano em troca de assinarem um contrato de REDD+. Veja, a consultora individual recebe pouco mais da metade do valor oferecido para três aldeias. É uma discrepância absurda. Nunca recebemos essa módica quantia para capacitar comunidades nos cursos de commodities ambientais. Como estamos auditando, por segredo de justiça, não vamos revelar nomes.

Todos os instrumentos da economia verde obedecem a mesma lógica de outros contratos financeiros e mercantis, seguem a lógica dos empréstimos internacionais que escravizam a nossa economia, tais como os empréstimos do FMI, do Banco Mundial, dos bancos multilaterais para financiamento de obras públicas, de transporte e de saneamento básico. Entre os resultados disso, basta olhar a quantidade de obras paradas cujos investimentos fizeram de estradas, trilhos e trens um monte de sucata.

Economia verde versus economia socioambiental

Participamos de várias frentes que se opõem ao modelo econômico-financeiro chamado “economia verde”. Somos contrários aos projetos de “economia verde” que vêm de cima para baixo e de fora para dentro, como a implementação de uma agenda de venda rápida, com objetivos como legislar, dar números e estatísticas.

Há três principais mercados mundiais ilícitos: o de armas, o do narcotráfico e o da biopirataria. Esse dinheiro passa pelo sistema financeiro – o verdadeiro responsável pelo financiamento do mercado de armas e de todo o aparato gerador de guerras e misérias.

Defendemos projetos socioambientais que, focados na preservação e conservação ambiental, contribuem para a segurança pública, combatem as drogas, a violência contra a mulher, a criminalidade, a discriminação étnica, racial e religiosa, promovem a igualdade de gênero, concorrem para a geração de emprego, ocupação e renda.

Como alternativa, construímos coletivamente a economia socioambiental. Diferentemente da economia verde, a socioambiental passa por um processo de consulta à base popular, de ampla consulta pública e é lenta o suficiente para ser entendida. O processo que adotamos é de baixo para cima e de dentro para fora. É, sobretudo, desvinculado da agenda de eleições. Todo trabalho de consulta e construção coletiva demora anos, dadas as dificuldades de chegar onde poucos conseguem, em regiões afastadas e sem acesso à comunicação, locais caracterizados por uma população que necessita de assistência e orientação sobre impactos socioambientais.

Agimos em duas frentes: primeiro, ao orientar a respeito da produção de um projeto econômico, financeiro e jurídico com a mudança de paradigma; segundo, ao divulgar e publicar relatórios produzidos por formadores de opinião e lideranças que participaram de cursos e oficinas que aplicamos em parceria com universidades, centros de pesquisas e grupos locais, além de divulgar também os relatórios de outras frentes que apoiamos.

Os relatórios indicam o mapa da região, o perfil da população, as características do bioma, identificam as potencialidades alternativas da biodiversidade, entre outras informações relevantes. Dessa forma, podem apresentar os tipos de problemas a eles conectados, como o de água contaminada e o do enfrentamento de violência, de drogas, de degradação ambiental, exclusão e desigualdades sociais, e propor soluções. É assim que se idealizam projetos socioambientais e se buscam maneiras de viabilizá-los.

Antes de idealizar um projeto socioambiental, é necessário que a sociedade seja devidamente informada, em linguagem de fácil compreensão, sobre questões técnico-científicas. Nossa proposta é questionar esse modelo econômico para que os atores sociais se informem melhor sobre as alternativas e riscos ao tomar suas decisões. Afinal, em casos como os dos projetos oriundos do mercado de carbono, recusar dinheiro é um direito, quando não um dever.

Vários casos poderiam ser citados. Por exemplo: com a divulgação do “Dossiê Acre”, demos visibilidade às denúncias feitas com projetos do mercado de carbono e pagamentos por serviços ambientais no Acre. Elaborado em 2012, o estudo não tinha ainda conseguido o merecido espaço na mídia e nos mais diversos fóruns de debate, como também se ignorava seu ponto de vista técnico, operacional, jurídico, socioeconômico, além de essas políticas de cima para baixo interferirem no modo de vida das comunidades indígenas, tradicionais e campesinas da região amazônica.

Temos, atualmente, mais de cinco mil distribuidores, multiplicadores e parceiros na produção e disseminação de informação. São essas parcerias e “nós de comunicação” que formamos a “aliança” que ora completa mais de duas décadas de trabalho voluntário, sem recursos de empresas e de governos. Não somos a mídia. Representamos para a imprensa um contraponto. Apoiamos a mídia alternativa para que também consiga seus financiamentos, posto que nos presta um serviço de utilidade pública da maior relevância.

Há mais de 20 anos trabalhamos nesse projeto de envergadura geopolítica pela cultura de paz, pela autodeterminação e emancipação dos povos com a cultura de resistência, cujo resultado se dará a longo prazo. Não buscamos resultados imediatos, mas duradouros e verdadeiramente sustentáveis, formando “alianças” inquebrantáveis.

Uma abordagem estruturada para a elaboração de projetos econômico-financeiros para o mercado de “Commodities Ambientais” ,
O Direito e a Economia Socioambiental

“O conceito de commodities ambientais no contexto da Economia Socioambiental, novo modelo econômico para a América Latina e o Caribe, prima por sua capacidade de agregar e gerar conhecimento contínuo por intermédio de profissionais atuantes nos mais variados campos da ciência, afastando qualquer forma de benefícios individuais, de subserviência política ou de reserva de mercado por solidariedade corporativista. Por essa razão, é correto afirmar que esta proposta não foi concebida para agradar alguns segmentos e determinados setores da sociedade, pois, em face da sua independência, caracteriza-se pela interpretação sistêmica das necessidades das comunidades carentes e excluídas da economia.

É nessa perspectiva holística que as considerações e opiniões propagadas e difundidas pela Aliança RECOs se transformam em elementos essenciais para a edificação e aprimoramento do conceito de commodities ambientais, servindo como base crítica ao modelo socioeconômico atual; objetivamos alcançar em sua plenitude o desenvolvimento social, econômico e ambiental, valorizando a dignidade da pessoa humana e o meio ambiente, tendo como fundamento de articulação a possibilidade de garantir o direito de uso dos bens ambientais dentro dos fundamentos estabelecidos na Constituição Federal“. Conselho Jurídico da Aliança RECOs

Introdução

O presente documento é resultado das discussões e propostas apresentadas pelos participantes dos cursos realizados por entidades representativas de classe dos economistas paulistas, ministrado pela Professora Economista Amyra El Khalili, para a elaboração de um plano de trabalho e roteiro para projetos em “Commodities Ambientais”, desta forma contribuindo com importantes e necessárias mudanças em relação aos usuais conceitos amplamente adotados para análise e desenvolvimento de projetos, bem como para a cadeia produtiva de bens e serviços, distribuição e comercialização.
Os grupos foram compostos por especialistas em economia, direito, geografia, publicidade, administração de empresas, engenharia química, agronomia, biologia, entre outros profissionais multidisciplinares.

Esta é uma abordagem que reflete a preocupação com o resgate social, a produção sustentável, a preservação e conservação das matrizes ambientais (bens comuns), utiliza uma adaptação da linguagem técnica usual para um entendimento mais amplo, define uma escala de produção que seja compatível com o meio ambiente sem degradá-lo, além de defender uma agregação contínua de novos parceiros, o que torna os projetos “Commodities Ambientais” orgânicos. Sendo assim, será necessária a estruturação e monitoramento rígido totalmente participativos e integrados.

O desenvolvimento de um novo modelo macroeconômico sob a plataforma das “Commodities Ambientais”, associado à mudança do paradigma econômico atual, pauta-se pela constituição de vários projetos microeconômicos que se integrarão numa dinâmica de programas e subprojetos complementares, levando em consideração a parametrização e a normatização sob o novo paradigma econômico ambientalmente sustentável de justiça social para a dignidade da pessoa humana.

A unidade está na formação da entidade de coordenação composta por uma equipe multidisciplinar em conjunto com o líder comunitário. A equipe gerenciará as principais fases do projeto respeitando as características de começo e fim, unicidade e porte.

Em termos macro e microeconômicos, os projetos estarão integrados na direção do direito de uso, com inclusão social, das sete matrizes ambientais (água, floresta, minério, biodiversidade, energia, reciclagem e redução de emissão de poluentes, na água, no solo e no ar).

Buscar-se-á reverter o padrão de crescimento e desenvolvimento econômico atual de maneira a valorizar o trabalho humano em novos moldes (permitindo assim a inserção dos excluídos) e a garantir o direito de uso dos recursos naturais, partindo da transformação e harmonização dos comportamentos organizacionais.

Dentre os riscos para o sucesso do desenvolvimento dos projetos em “Commodities Ambientais” estão a intolerância às diversidades culturais, a não permissão ao direito à felicidade de muitos excluídos através do uso da violência ao impor regras e normas sob antigos paradigmas, a manutenção do valor máximo do dinheiro e do poder centralizador como formação do comportamento humano, entre outros.

Deve ser dada atenção à integralidade dos projetos, desde a fase inicial (anteprojeto), considerando o conceito diferencial que rege as “Commodities Ambientais”, ou seja, o benefício da comunidade local, promovendo o desenvolvimento diferenciado, respeitando suas peculiaridades históricas, culturais, antropológicas e socioambientais, além de seus anseios futuros, até sua completa implantação e operacionalização, sendo necessário seu contínuo monitoramento.

O Projeto “Commodities Ambientais” reflete a necessidade de se planejar e estruturar a produção sustentável, onde o ponto de partida volta-se ao respeito à comunidade como valor importante para orientar a educação ambiental, assim cumprindo o seu principal objetivo que é o de inserir a população e comunidade regional no sistema econômico de forma saudável e duradoura, tendo como principal característica o reinvestimento das receitas nas próprias comunidades integrantes no processo.

O que mais nos surpreendeu foi constatar que existem possibilidades reais de se lançar mão de instrumentos alternativos para o desenvolvimento sustentável, com inclusão social, justiça no desenvolvimento econômico, respeito ao meio ambiente e aos valores históricos, culturais e antropológicos, gerando novas oportunidades no mercado de trabalho e maior interação entre profissionais de várias áreas do conhecimento.

Assimilados os conhecimentos vivenciados no curso, não mais se sustentam os pilares da atividade econômica e da “medida de sucesso” que permeiam a sociedade atual. De repente, os atores sociais mudam de lugar: os “excluídos” passam para o topo da pirâmide, retirando o poder de controle do mercado financeiro, que deixa de manipular a economia impondo à indústria e à agricultura, o que produzir, onde, como, a que taxas, prazos e lucros em detrimento do respeito à natureza.

Com o novo modelo econômico das “Commodities Ambientais”, são criadas e fortalecidas as relações entre as pessoas e a produção de bens e serviços através de meios formais e informais, multiplicando benefícios e interesses coletivos agregados.

Dessa forma, evidencia-se que são imprescindíveis novos parâmetros para elaboração de projetos, englobando da seleção cuidadosa dos atores envolvidos, ou seja, profissionais, comunidade, beneficiários, financiadores, mercado, dentre outros, até a justa distribuição dos resultados finais, contemplando sempre os aspectos éticos, de credibilidade, legitimidade, transparência e responsabilidade.

Neste sentido, novos indicadores de seleção, elaboração, avaliação e controle de projetos devem ser incorporados, além daqueles relacionados com os projetos de vidas sustentáveis, em que o bem-estar coletivo e o equilíbrio entre os aspectos econômico, social, ambiental, físico e espiritual possam estar contemplados.

Logicamente que não se excluem os critérios tradicionais – taxa interna de retorno, valor econômico adicionado, retorno (payback), Valor Presente Líquido etc. –, mas se agregam novas formas de interpretá-los:

1. Viabilidade econômica pela perspectiva de quem?
2. Quanto custa deixar de fazer?
3. Quem ganha com o projeto?
4. Qual o ganho e/ou custo social e ambiental?

Políticas públicas e o aspecto socioeconômico

O mercado de commodities ambientais traz conceitos e práticas inovadores que oferecem alternativas viáveis para contrapor-se ao modelo das commodities convencionais, buscando neutralizar os vícios concentradores e predatórios trazidos pelo sistema pelos quais as grandes corporações e poucos países desenvolvidos, detentores exclusivos de capital e tecnologia de ponta, usufruem de inúmeras vantagens (que vão da economia de escala, com amplitude global, à internalização dos lucros), aliadas à socialização dos prejuízos, agravada pelo fato de que este modelo acentua a exclusão. No modelo com ênfase socioambiental, busca-se a inserção dos excluídos na economia, em condições de igualdade com os trabalhadores.

Os projetos, por esta metodologia, potencializam o mercado de trabalho com a formação de equipes multidisciplinares pelo aumento da procura por profissionais especializados com a visão holística de um novo modelo econômico de inclusão das variáveis social e ambiental; preveem comprometimento com promoção do desenvolvimento sustentável; conscientizam sobre a importância da preservação de valores históricos, artísticos, culturais, paisagísticos, antropológicos e socioambientais; promovem a inclusão social com a mudança de paradigmas (inserção dos excluídos, aposentados e minorias em geral numa sociedade digna, ética e participativa).

Analisados os efeitos micro e macroeconômicos, sob a nova perspectiva, propõe-se a transformação das estruturas.

3.1 Efeitos microeconômicos

Propõem-se:

a) viabilizar a geração de ocupação e renda com inclusão social; b) fomentar a geração de novos mercados, produtos e serviços; c) criar novos hábitos de consumo, potencializando-os; d) provocar o desenvolvimento da atividade local com redução da economia informal; e) educar para a conscientização ambiental; f) aumentar a base da integração social com cidadania e qualificação; g) buscar a melhoria da qualidade de vida; h) vislumbrar melhores perspectivas para gerações futuras; i) criar e fortalecer organizações do terceiro setor; j) incentivar a formação de parcerias para micro-organizações autossustentáveis.

3.2 Efeitos macroeconômicos

Propõem-se:

a) criar riquezas com aumento do PIB; b) aumentar a arrecadação fiscal; c) aumentar a mobilidade social; d) melhorar a distribuição de renda; e) incluir o legislativo como regulador, evitando gastos desnecessários; f) melhorar a saúde pública; g) reduzir a violência; f) reduzir os gastos (custo ambiental e social) com políticas públicas compensatórias; h) reorientar a política fiscal, com incentivo à proteção ao meio ambiente; i) reorientar os investimentos públicos para priorizar para saúde; j) promover a educação e preservação ambiental; l) reduzir a carga tributária do país; m) promover a passagem de um país puramente extrativista para um país conservacionista e preservacionista.

Finalmente, commodities ambientais são muito mais do que um modelo alternativo para o desenvolvimento sustentável. São o resgate de princípios e valores universais, em que se busca a inclusão social sem o assistencialismo e a dependência sobejamente conhecidos no modelo tradicional.

Notas:

1. Os relatórios produzidos pela Aliança RECOs resultantes dos cursos de Economia Socioambiental são publicados pela Revista Fórum de Direito Urbano e Ambiental (FDUA). A FDUA é o primeiro periódico brasileiro especializado em Direito Urbano e Ambiental. Os assinantes da FDUA são tribunais de justiça, ministérios públicos, AGU, STF, câmaras de deputados, operadores do direito, entre outros.

2. Palestra proferida por Amyra El Khalili no seminário “O Setor Financeiro e o Meio Ambiente”, realizada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelo Consulado dos EUA, com o tema “O que são Commodities Ambientais?”, na cidade do Rio de Janeiro, em 17 de Agosto de 2000.
Acesse o documento na íntegra: Proposta de “Plano de trabalho e roteiro de projetos econômico-financeiros para o mercado de Commodities Ambientais” AQUI: https://racismoambiental.net.br/2022/05/03/commodities-ambientais-o-paradigma-organicista-como-contraponto-a-privatizacao-e-financeirizacao-da-natureza-por-por-amyra-el-khalili/

REBELIÓN de Madri em espanhol: https://rebelion.org/commodities-ambientales-el-paradigma-organicista-como-contrapunto-a-la-privatizacion-y-la-financierizacion-de-la-naturaleza/

Fonte: EL KHALILI, Amyra. Commodities ambientais: o paradigma organicista como contraponto à privatização e financeirização da natureza. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 21, n. 122, p. 11-41, mar./abr. 2022.

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