Correio da Cidadania

Professor Adriano: um preso político do Governo Tarcísio de Freitas

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Foto: O professor Adriano Gomes da Silva. Arquivo Pessoal

Na próxima terça-feira, dia 5 de novembro, o Theatro Municipal de São Paulo será palco, a partir das 17 horas, da segunda manifestação em favor da libertação de Adriano Gomes da Silva, 45 anos, professor de história do ensino público paulista que está preso desde 16 de setembro de forma injusta. A primeira manifestação, organizada por um comitê que luta pela sua liberdade* formado por professores e militantes sociais, ocorreu também na capital paulista em 16 de outubro passado, dia seguinte às comemorações do Dia do Professor.

Com longa trajetória de luta que será melhor contada adiante, o Professor Adriano – como é conhecido – foi condenado a 10 meses de prisão em regime semiaberto por desacato e desobediência relatados por policiais militares durante uma operação de reintegração de posse em ocupação localizada na zona sul de São Paulo no ano de 2018. Sua defesa alega que ele jamais foi comunicado acerca da pena, o que fez com que uma mera parada em blitz policial resultasse na sua detenção.

Nesse contexto, é importante mencionar que os delitos de desacato e desobediência não costumam ser punidos com prisão, mas com medidas alternativas, o que faz com que a defesa de Adriano e pessoas a ele próximas qualifiquem a prisão como uma ‘prisão política’ e a considerem exagerada. Igor Silva, seu advogado, explica que o Estado de São Paulo o mantém preso na Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de Franco da Rocha de maneira arbitrária e por crime que não cometeu. “Algo que acontece muito, principalmente contra quem é militante”, explica.

“Houve a reintegração de posse naquele dia de 2018 e esses policiais foram lá cumprir o mandado. É comum que nessas circunstâncias, de uma reintegração de posse, os policiais provoquem o movimento social etc., mas até a conclusão da operação nada tinha acontecido. Passaram algumas horas, era quase noite e havia ali um caso de violência doméstica. O Adriano, junto com outro companheiro, se dirigiu ao local para interferir e separar as partes; mas ao mesmo tempo haviam chamado a polícia. Não tinha nada a ver com a operação anterior, era um caso interno às famílias e a viatura que chegou para atender aquela ocorrência era a mesma da reintegração de posse mais cedo. Os policiais lembraram deles e começaram a provocar o casal. Começou uma discussão e o Adriano questionou os agentes. ‘Foram vocês que nos tiraram das nossas casas’, disse. Acabou preso e levado para a delegacia”, conta o advogado.

Em depoimento à Polícia Civil, ainda naquele 2018 de ascensão eleitoral do bolsonarismo, o professor Adriano diz que ouviu dos PMs provocações acerca de Jair Bolsonaro ganhar as eleições vindouras, e que por isso estariam “fodidos” enquanto membros de movimento social. Também relatou ser agredido com tapas na cara após essas provocações e afirmou que os agentes fizeram saudações semelhantes às nazistas. A reportagem obteve uma cópia do depoimento.

“No registro de ocorrência”, prossegue o advogado, “os policiais alegam que foram xingados por Adriano. Dizem ter sido chamados de fascistas, de nordestinos, enfim, inventaram várias outras coisas também. O Adriano foi liberado naquele dia porque era um delito de menor potencial ofensivo. Chegou a ir ao fórum para saber como estava a situação, e o processo continuou rolando sem ele. O oficial de Justiça tentou intimá-lo, mas como ele morava em ocupação não o encontrou. Ou ainda, não fizeram o esforço necessário para intimá-lo. Assim, a condenação se deu muito em função do que disseram os PMs envolvidos e foi dada essa sentença de 10 meses em regime semiaberto que, pelo tipo de crime, achamos exagerada”.

Adriano não participou das audiências, não conseguiu fazer sua defesa e foi sentenciado. Assim, um mandado de prisão foi emitido e nunca cumprido, uma vez que ele não foi encontrado. Mas em 16 de setembro, quando dirigia ao lado dos filhos e da atual companheira, foi parado numa blitz e, uma vez constatado o mandado de prisão, acabou detido ali mesmo. “Só depois ele descobriu que tinha um mandado contra si”, diz Igor Silva.

O cárcere

Débora, sua atual companheira, com quem divide a vida desde 2023, conta à reportagem que no dia da prisão eles estavam indo buscar dois dos filhos de Adriano em Perus, na zona Oeste de São Paulo. As crianças de três e seis anos são filhos biológico e adotivo do professor, e tinham ido passar uns dias com a mãe.

“Eles são irmãos e a distância é longa, pois moramos em Parelheiros, no extremo Sul de São Paulo”, explica Débora. “Têm vários pedágios e o carro tinha uma pequena irregularidade no licenciamento. Já estávamos voltando, com as crianças no carro, quando o veículo foi parado num pedágio. Os policiais recolheram a documentação e decidiram segurar o carro. Mas demoraram muito analisando os documentos, e ficamos impacientes pois eram 11 horas da noite e as crianças precisavam dormir. Ele então resolveu sair e acabamos parados mais adiante. Chegando na delegacia puxaram o mandado de prisão e ele ficou por lá mesmo”, narra a companheira.

Tanto Débora como Igor Silva afirmam que Adriano está bem, na medida do possível, dentro do cárcere. O principal problema que enfrenta é relacionado ao acesso a itens básicos de higiene que o sistema penitenciário não fornece e precisam ser levados pela família. A burocracia para registrar os familiares como visitantes é outro entrave.

“Os Estado fornece só alimentação e uma roupa. Ele passa por alguns apuros na prisão por conta da burocracia necessária para que receba outros mantimentos. Ele precisa colocar o nome da companheira numa lista de visita e fornecer diversos documentos para que receba itens de higiene pessoal, roupas e outros itens básicos por meio dela. Os outros presos o ajudam, dividem roupas, emprestam produtos, mas é uma situação bem insalubre e complicada, que caracteriza a realidade das prisões no Brasil”, explica o advogado.

Débora completa: “Todos sabem que durante uns dez dias a pessoa fica incomunicável, não pode receber visitas e fica mais isolada. Mas a essa altura ele pôde colocar meu nome no hall de visitas para fazer a carteirinha e estar levando o Jumbo [sacola com os itens de higiene, alimentação e cigarros]. Mas até agora eu não consegui fazer essa carteirinha porque a burocracia é muito grande. Tem números para a gente poder falar, entrar em contato com eles lá, mas nunca atendem, né?”.

A companheira explica que não passa maiores apuros econômicos porque o emprego de Adriano na rede municipal de ensino será mantido durante o período e ela terá acesso aos seus rendimentos. Ela fará o repasse de pensões alimentícias do companheiro, pagará as contas de casa e ainda vai tentar auxiliá-lo enquanto estiver preso. “Está dando para manejar e também tem a ajuda dos familiares e companheiros de luta dele, todos estão muito unidos”.

Com previsão para ter a pena cumprida em julho de 2025, Igor Silva conta que entrou com um Habeas Corpus na tentativa de anular a sentença. “A gente alega que têm vícios e erros na sentença, mas ainda assim é uma situação bem complicada. Quando há o trânsito em julgado, dificilmente muda uma sentença. Mas a gente está tentando”, explica.

O plano B é a progressão de regime. Condenado a regime semiaberto, assim que cumprir dois meses e cinco dias de prisão será possível pedir a progressão para o regime aberto, que é quando se cumpre a pena fora do sistema prisional. Nesse caso, ele precisa ter bom comportamento no cárcere e, uma vez posto em liberdade, terá de atender a uma série de medidas impostas pelo juiz, como apresentar-se ao fórum ou permanecer dentro de casa durante determinados horários.

Pai de família

“Eu o conheci através do meu filho e da minha nora, que foram estudantes na escola onde ele dava aula”, lembra Débora. “Meu filho tinha uma grande admiração por ele, então ele fez essa ponte para nós nos conhecermos. E essa admiração era porque Adriano sempre esteve envolvido com esses projetos de defesa dos povos, dos indígenas, do povo negro, do povo quilombola, das classes baixas, das comunidades, das favelas. Ele se condói muito pelas pessoas, se põe muito no lugar dos outros. E como pai, ele é maravilhoso, foi isso que me chamou muito a atenção nele também, um pai de família, uma pessoa amorosa, carinhosa, uma pessoa que sempre gosta de ajudar o próximo”.

Débora conta que Adriano tem 3 filhos biológicos e outros 2 de criação. Todos muito apegados ao pai. “Sempre muito cuidadoso, amoroso, também com os colegas de trabalho, de profissão, sempre prestativo, uma pessoa do bem, sempre do bem. O problema é só esse mesmo, que quando ele vê um abuso de autoridade não consegue se conter”, completa a companheira.

Histórico de perseguição

Atualmente Adriano trabalha na rede municipal de ensino da capital paulista e segundo seus familiares e colegas de trabalho, se destaca para além das salas de aula como um defensor da educação pública de qualidade junto aos movimentos sociais e entidades representativas da área. Como consequência [quase lógica] dessa postura, esse não é o primeiro processo ou episódio de perseguição direcionado ao professor.

A pedido do Governo de São Paulo, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) moveu a partir de 2014 um Processo Administrativo Disciplinar que resultou na demissão do profissional, em 2020, do cargo que ocupava na Educação Estadual. Atualmente, conforme relatado pela sua companheira, ele segue dando aulas para a Prefeitura de SP. Antes, acumulava ambos os cargos.

“O processo vai recorrer a um episódio passado em que o Adriano estava com uma companheira e foi abordado. Os policiais o abordaram violentamente e depois o acusaram de desacato por meio de boletim de ocorrência. E isso se somou a queixas que o diretor da escola já tinha a respeito dele”, conta o “Camarada John”, professor de sociologia e amigo pessoal do professor Adriano.

“O camarada Adriano também foi vítima, numa das ocupações, cabe colocar aqui, de um atentado, queimaram a casa dele. O barraco onde ele residia foi alvo de um atentado incendiário, queimaram todo o barraco dele, com os objetos dentro, inclusive uma moto que ele tinha. Isso foi numa ocupação na zona sul, em Parelheiros. Ele também chegou a ser preso durante as manifestação de 2013”, conta o amigo com quem divide longa trajetória de militância.

Um professor anarquista

“Um preso político nas mãos do Estado”, é como John define a atual situação do professor Adriano, a quem qualifica, sem rodeios, como um anarquista. “Sempre foi muito firme nessa defesa de direitos humanos, de direitos sociais, em todos os campos que militou, não apenas na luta pela educação, mas também em lutas por moradia e outras”, completou.

Já para o advogado Igor Silva, Adriano se mostra alguém com uma ética inabalável. “Sempre foi um militante aguerrido e colaborou com o movimento social sem nunca querer nada em troca. A gente entende que, nesse sentido, ele é um inimigo do Estado. Tanto é que tem uma gravação da audiência em que a juíza, em conversa paralela - ela não transcreve isso na sentença – pergunta para a promotora se ele é de movimento de moradia. É algo processualmente e juridicamente irrelevante, o que nos permite interpretar pelo viés da perseguição política por parte do próprio Estado”.

O Camarada John é quem conta mais detalhes da vida militante de Adriano. Eles estiveram juntos em diversas lutas, como a histórica greve dos professores em 2015. A partir de 2013 participaram da construção do Movimento Autônomo pela Educação (MAE), que faz oposição à direção da APEOESP e ajuda a organizar a luta dos professores.

“Nos colocamos no campo da antiburocracia sindical e desde que nos conhecemos temos posições muito firmes em relação à necessidade de se enfrentar o capitalismo. Passamos pelas revoltas de 2013 e pelas lutas de 2014 contra a Copa, seus investimentos e despejos. Em 2015, além da greve dos professores, o professor Adriano teve uma atuação contundente no apoio às ocupações secundaristas, em que somamos nossas forças às dos estudantes contra o Governo Alckmin, que prometia fechar centenas de escolas em todo o Estado de São Paulo. O camarada sempre se posicionou por uma sociedade justa e igualitária. E por essas posições firmes é que temos observado a repressão crescer”, explica o amigo.

O amigo termina seu depoimento chamando a atenção para o fato de que Adriano não é o único lutador social perseguido pelo atual governo paulista, encabeçado por Tarcísio de Freitas.

“O que chama atenção é que nos processos do Adriano há uma predominância de policiais com testemunhas acusatórias, então são processos envolvidos diretamente por agentes de Estado contra um cidadão, contra uma pessoa, um civil. Não são levadas em consideração pessoas que se colocam em defesa do professor, sempre a narrativa do Estado prevalece a narrativa e a acusação desses policiais”, conclui.

*Clique aqui e saiba mais sobre o Comitê de Apoio ao Professor Adriano: 
https://www.instagram.com/cadecadriano/profilecard/?igsh=MTA0dGswa282bG5qOA%3D%3D

*Para doar para campanha pela libertação do Professor Adriano, clique aqui.

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