Novos aumentos no transporte coletivo sustentam interesses escusos e reforçam projetos segregacionistas de cidade
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- Gabriel Brito, da Redação
- 24/01/2025
O ano começou e mais uma vez as prefeituras aplicam um aumento na tarifa da rede de transportes públicos. Sistematicamente precarizado e privatizado em prol do lucro de empresários que não se utilizam destes modais de transporte, a atitude dos prefeitos chega a configurar estelionato eleitoral, uma vez que negam aumentos em campanhas eleitorais para depois usarem surradas desculpas fiscalistas como justificativa dos reajustes.
No caso da capital paulista, o prefeito Ricardo Nunes, envolto em diversas denúncias de corrupção, chegou-a até a garantir tarifa zero aos domingos, mas dentro de um processo de redução da frota e linhas que garantem o direito à mobilidade da população. Ao Correio, Geo Santana, do Movimento Passe Livre, contou como foram as manifestações contra o aumento na capital paulista, enquanto outras importantes cidades também registram protestos, e porque a pauta da tarifa zero é cada vez mais necessária.
“Sabemos que a cada vez que a tarifa aumenta, mais e mais pessoas são excluídas do direito de circular pela cidade. Para se ter uma ideia, numa ida e volta simples de ônibus pela cidade de São Paulo, temos um gasto de 10 reais, valor superior a 1 quilo de feijão, 1 litro de óleo etc. Nesse sentido, seguir protestando contra os aumentos e pela tarifa zero significa denunciar um projeto de cidade em curso, que exclui os mais pobres, numa lógica higienista e racista”, resume.
Além das denúncias de favorecimento ao crime organizado na concessão de fatias do transporte por ônibus na cidade – um cartel que reparte a cidade por regiões -, a queda na frota é responsável por uma piora da mobilidade, com maiores tempos de deslocamento e retorno a uma ideia atrasada de uso do carro para o deslocamento, o que por tabela contribui para aumentar as emissões de gases de efeito estufa de uma cidade que já abusou do direito de poluir.
“Não é novidade que a gestão Nunes tem precarizado cada vez mais o transporte público. Reportagens recentes indicam que há uma ligação com crime organizado, ônibus com mais de 10 anos de uso, corredores de ônibus atrasados, ônibus sem completar o número de viagens previstos nos contratos, corte de linhas e frotas, dentre outros problemas que, diariamente, são pagos pelo sufoco e pelo dinheiro da população e dos trabalhadores do transporte. Sem contar a recente extinção da SPtrans!”, atacou a ativista do MPL.
Confira a entrevista com Geo Santana na íntegra.
Correio da Cidadania: Como foi a série de manifestações contra o novo aumento da tarifa dos ônibus e metrôs de São Paulo, tanto capital como metrópole?
Geo Santana: Os atos contaram com a participação de grupos e coletivos autônomos, partidos, unidades e organizações estudantis, mandatos parlamentares e centenas de pessoas que, de forma geral, consideram os aumentos no transporte público um absurdo. Aproximadamente 2 mil pessoas saíram nas ruas para denunciar que “5 reais ou 5, 20 é um assalto” (conforme cantamos nas ruas) e que a tarifa zero é o que queremos.
Seguimos em um calendário de lutas, com atos ocorridos nos dias 14 e 16, entre outros pelo Brasil, com perfil mais estudantil. Também estão acontecendo várias mobilizações e atividades na região metropolitana, que podem ser acompanhadas na página do Comitê Regional Unificado Contra o Aumento das Passagens no ABCDMRR (sigla que representa as sete cidades do chamado ABC Paulista), como se pode ver em https://www.instagram.com/unificadocomiteregional/.
Correio da Cidadania: O que pode descrever da composição dos atos do MPL e da tarifa zero, até hoje objeto de cismas e rejeições dentro do campo das esquerdas, em tese aliadas de pautas contrárias à mercantilização de um serviço público?
Geo Santana: O Movimento Passe Livre (MPL) é um movimento autônomo e horizontal, que luta por transporte público desde 2005 em diversas cidades brasileiras. Organizamo-nos a partir da pauta da tarifa zero, considerando-a uma possibilidade de exercer o direito à cidade – ou seja, lutamos para viver, circular e construir a cidade da forma que queremos, sem ter de escolher entre se locomover ou se alimentar, por exemplo.
Costumamos dizer nas ruas que “só vai mudar quando o povo controlar [o sistema de transporte]”, o que significa ser preciso pensar um sistema de transporte verdadeiramente popular. Defendemos repensar as formas de remuneração das empresas, a participação da população na decisão de linhas e trajetos (afinal, é a população que pega transporte todos os dias, não os governantes ou empresários). E também pensar uma tarifa zero para geral, todo dia e sem cortes ou esperas enormes - como acontece na atual gestão oportunista de Nunes, que utilizou a tarifa zero como pauta de campanha, mas que nas primeiras semanas de seu novo mandato decreta o maior aumento dos últimos 10 anos!
É importante considerar que o MPL não inicia as lutas por transporte no Brasil. Num breve histórico, temos a Revolta do Vintém e dos Bondes (1879 e 1956, no Rio de Janeiro), Revolta do Buzu (Salvador, 2003) e Revolta das Catracas (Florianópolis, 2005). Ou seja, sempre existiu luta por transporte e manifestações de diversos tipos contra seus aumentos ou precarizações. E foram essas lutas nas ruas que trouxeram conquistas para a população.
Para além das análises totalizantes ou deterministas, é preciso considerar o contexto histórico do movimento e o contexto de 2013, onde mais de 100 cidades revogaram o aumento, sem contar a ampliação do debate público sobre transporte de forma geral, novas estratégias e táticas de lutas e movimentos sociais etc. Algumas pistas podem ser encontradas no mapeamento realizado em escoladeativismo.org.br/2013asredescontamasruas
Desde antes e até hoje seguimos nas ruas de forma autônoma, horizontal e apartidária – o que significa que o movimento em si não é construído por nenhum partido ou instituição, mas suas participações e articulações com o movimento são sempre possíveis nos campos da esquerda. Todos os anos que tiveram aumentos na capital e estado de SP, saímos às ruas para dizer que toda e qualquer tarifa é absurda e abusiva, justamente porque contribui para uma lógica que exclui os corpos mais pobres, marginalizados e pretos. A luta é pelo fim das catracas (sejam elas dos ônibus e trens ou as simbólicas, que nos impedem de acessar nossos direitos) e quem quiser está convidado a somar, a se organizar em seus bairros e territórios etc.
Correio da Cidadania: Por que segue válido protestar contra o preço das passagens dos transportes? Quais seus impactos mais importantes na vida da população?
Geo Santana: Sabemos que a cada vez que a tarifa aumenta, mais e mais pessoas são excluídas do direito de circular pela cidade. Este é um ciclo vicioso, conforme comentamos no vídeo Por que a tarifa aumenta? (https://www.youtube.com/watch?v=Km8CeiP8b34). Para se ter uma ideia, numa ida e volta simples de ônibus pela cidade de São Paulo, temos um gasto de 10 reais, valor superior a 1 quilo de feijão, 1 litro de óleo etc.
Nesse sentido, seguir protestando contra os aumentos e pela tarifa zero significa denunciar um projeto de cidade em curso, que exclui os mais pobres, numa lógica higienista e racista.
Correio da Cidadania: Sobre São Paulo, houve uma considerável redução na frota e nas linhas de ônibus nos últimos anos, em especial na prefeitura do reeleito Ricardo Nunes. O que o MPL pensa disso? Qual a síntese das políticas de mobilidade urbana dos últimos anos?
Geo Santana: Não é novidade que a gestão Nunes tem precarizado cada vez mais o transporte público. Reportagens recentes indicam que há uma ligação com crime organizado, ônibus com mais de 10 anos de uso, corredores de ônibus atrasados, ônibus sem completar o número de viagens previstos nos contratos, corte de linhas e frotas, dentre outros problemas que, diariamente, são pagos pelo sufoco e pelo dinheiro da população e dos trabalhadores do transporte. Sem contar a recente extinção da SPtrans!
Nunes utilizou a pauta da tarifa zero como palanque eleitoral, fez campanha e disse não aumentar a tarifa, além de outras mentiras relacionadas ao transporte. Sabemos que as políticas de mobilidade urbana na cidade seguem a operar por interesses mercadológicos, sem considerar as demandas da população. Por isso, acreditamos ser preciso se mobilizar nas ruas (em atividades, organizações, manifestações. etc) e no dia a dia pular a catraca sempre que possível!
Correio da Cidadania: Qual seria a viabilidade econômica da tarifa zero? O que vocês podem comentar da experiência da tarifa zero nas cidades onde foi adotada
Geo Santana: Existem várias formas de pensar o financiamento da Tarifa Zero e são mais de 119 exemplos pelo Brasil ( https://elmoneto.net/tarifazero/ ).
Lucio Gregori, ex-Secretário de Transportes da gestão Erundina (1989-1992) já havia proposto uma tarifa zero com aumento do IPTU de forma progressiva; a Empresa pública de transportes em Maricá (RJ) e o Projeto SUM - Sistema Único de Mobilidade (PEC 25/2023 - https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2362526 ) são alguns dos exemplos possíveis.
Experienciar a tarifa zero nos mostra outras possibilidades de viver e imaginar a cidade, inclusive acessando outros direitos. Afinal, o transporte (direito social garantido na constituição) é justamente o que nos leva a outros – como chegar na consulta médica da UBS ou na escola sem transporte? Como visitar nossos laços afetivos ou curtir um rolê, sem transporte?
Correio da Cidadania: O MPL considera que a pauta se relacionada também com a emergência ambiental?
Geo Santana: Com certeza! Um exemplo disso é a Coalizão Triplo Zero, uma rede de organizações e movimentos que tem em comum a pauta da mobilidade urbana com zero tarifas, zero poluentes e zero mortes.
Gabriel Brito é jornalista, repórter do site Outra Saúde e editor do Correio da Cidadania.
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