Demissão de metroviários é retaliação ao sucesso na mobilização contra Emenda 3
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- Mateus Alves
- 25/04/2007
À luz da acusação feita pelo governo de José Serra (PSDB) de que metroviários e condutores de ônibus de São Paulo realizaram uma greve com fins apenas políticos, com o intuito de beneficiar apenas seus sindicatos, na segunda-feira, dia 23/04, o Correio da Cidadania entrevistou o vice-presidente do Sindicato dos Metroviários da capital paulista, Paulo Pasin.
Pasin comenta a ofensiva tucana e as recentes demissões de sindicalistas do Metrô de São Paulo causadas pela greve, cujo intuito principal foi o de alertar a população sobre a ameaça da Emenda 3 da Super-Receita, que legaliza a realização de contratos de trabalhos por meio de pessoas jurídicas, abortando a CLT.
O vice-presidente do sindicato critica ainda o processo de retomada nas obras do metrô e os contratos de Parceria Público-Privada para a sua condução.
Correio da Cidadania: Quais foram os resultados que a greve do dia 23 trouxe?
Paulo Pasin: Em primeiro lugar, a greve dos metroviários e de condutores de São Paulo cumpriu exatamente o que tínhamos combinado com todas as assembléias sindicais do país, que foi colocar à população o debate sobre a Emenda 3.
A Emenda 3 é uma forma de flexibilizar as leis trabalhistas do país, possibilitando que sejam realizados contratos trabalhistas por meio de uma pessoa jurídica, uma empresa aberta pelo funcionário. Ela foi vetada pelo presidente da República, mas há uma pressão muito grande de diversos setores, particularmente da mídia, pois jornais, TVs e outros veículos são alguns dos que mais se utilizam desse tipo de contratos. Isso iria ser votado no Congresso sem que a população brasileira soubesse.
Nossa paralisação apresentou o tema à sociedade. Esse foi o objetivo da greve, sendo cumprido plenamente – algo positivo que ela trouxe.
O aspecto negativo da greve foi que, exatamente em função de termos conseguido o que desejávamos, o governo Serra iniciou uma reação, aproveitando-se de um debate sobre a restrição do direito de greve em setores essenciais que começou com o ataque feito pelo governo federal aos controladores de vôo. Exatamente o mesmo tipo de argumento e mecanismo foi utilizado para demitir os dirigentes sindicais em São Paulo após a greve.
O governo não podia admitir que, apesar de todo o esquema de guerra que montou para combater a greve – e, em 16 anos que trabalho no Metrô, nunca vi nada igual -, não havia conseguido desmobilizar a categoria. Os metroviários estavam plenamente conscientes de que, caso a Emenda 3 seja aprovada, muitos deles serão “convidados” a sair do emprego, registrar a sua pessoa jurídica e fazer um novo contrato com a empresa.
E qual foi a explicação que o governo quis dar para a sociedade? Que, na verdade, tudo foi um movimento isolado de sindicalistas e que, por isso, houve a retaliação.
CC: Outras categorias que participaram da greve também sofreram algum tipo de retaliação?
PP: Até agora, não há nenhuma notícia de retaliação. Isso está acontecendo apenas com os funcionários do Metrô, pois a mobilização conflita com a questão da proibição da greve em serviços essenciais. Em relação a isso, os metroviários sofrem uma pressão muito grande por parte da elite paulista.
Além disso, tivemos no ano passado um papel de denunciar a parceria público-privada que está sendo feita pelo governo paulista nas obras do Metrô. Fizemos uma greve de 24 horas que teve o apoio da população, pois já havia um debate claro sobre a questão da privatização e todos respeitam muito o trabalho dos funcionários do Metrô e sabem que, se o mesmo fosse privatizado, não funcionaria como hoje funciona.
O que denunciamos naquele período acabou, infelizmente, vindo a público de maneira mais evidente com o desabamento das obras na Linha 4. Nosso sindicato teve um papel intenso de denunciar o envolvimento do governo do estado e das empreiteiras no acidente.
Tudo isso, então, se somou. Serra e seu governo estão querendo retaliar nas proporções que vimos esta semana, demitindo cinco lideranças sindicais.
CC: E vocês esperavam essas retaliações?
PP: Nós não esperávamos algo de tamanha proporção. No entanto, temos uma noção da realidade, e depois do episódio dos controladores de vôo sabemos que a categoria será sempre um alvo em potencial de represálias – até porque, infelizmente, restringir o direito de greve dos setores essenciais é a posição do governo federal.
Há uma grande unidade nesse aspecto: o governo federal, o Poder Judiciário, os governos estaduais, de qualquer partido que sejam, e as elites do país são favoráveis às restrições de greve. Somos, então, conscientes de que teremos que enfrentar cada vez mais um endurecimento do governo.
CC: Após as denúncias em relação à parceria público-privada nas obras do Metrô, houve alguma mudança ou tudo continua como antes?
PP: Na verdade, o governo Serra e as empreiteiras iniciaram uma verdadeira “operação abafa” depois que o desabamento ocorreu. Não só nosso sindicato mas também diversas entidades da sociedade civil reivindicavam uma investigação independente do ocorrido. Temos todo o respeito pelos funcionários do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do estado de São Paulo), mas este órgão está subordinado ao governo, e está tendo um esvaziamento nos últimos tempos.
Evidentemente, o governo não só não permitiu uma investigação independente como também impediu qualquer tipo de investigação na Assembléia Legislativa, barrando a possibilidade de instalação de uma CPI. A comissão de investigação que lá instalaram, por não ser uma CPI, não tinha nenhuma força jurídica; para se ter uma noção, nem o ex-governador Geraldo Alckmin e nem o ex-secretário de Transportes Metropolitanos Jurandir Fernandes, que foi o responsável pelo contrato turn-key (modalidade de contratos em que, basicamente, o contratado não assume riscos) da Linha 4, foram chamados para depor.
Estão querendo que o tema caia no esquecimento, estão inclusive retomando alguns trechos da obra sem que haja alguma garantia de que as coisas foram corrigidas.
CC: Então as obras podem estar sujeitas a novos incidentes como o ocorrido no ano passado?
PP: Eu não posso em hipótese alguma garantir que as obras foram retomadas em segurança, pois não há transparência no projeto.
CC: Há algo específico na agenda do sindicato que deverá ser tratado em breve? Alguma reivindicação que deve ser mobilizada, por exemplo?
PP: Fizemos recentemente uma assembléia que provou a indignação da categoria com a Emenda 3. Em breve, iremos decidir sobre qual agenda seguir internamente.
Fora isso, também estamos atuando junto a diversos setores. Acertamos que todas as centrais sindicais do país – absolutamente todas, algo não visto nos últimos tempos – assumam a responsabilidade pelo movimento contrário à Emenda 3. Trata-se de uma ação conjunta para defender os direitos dos trabalhadores do país.
Entramos em contato também com o ministro do Trabalho, Carlos Luppi (PDT), que se comprometeu publicamente a dialogar com o Metrô e reverter as demissões arbitrárias que ocorreram.
CC: A entrada de Luppi na pasta deverá fortalecer o diálogo entre os sindicatos e o governo?
PP: Infelizmente, o que sentimos é que o segundo mandato do governo Lula possui uma composição ainda mais conservadora do que durante o primeiro termo – isso é um problema de composição de governo, não do ministro.
Isso já está claro com a postura do governo em relação ao problema dos controladores de vôo, às propostas de reforma da Previdência, o próprio debate dos direitos de greve – o próprio Lula deu a infeliz declaração de que “nada como um ex-sindicalista para poder viabilizar a restrição de greves”. A tensão entre o governo e o movimento sindical combativo, portanto, deverá aumentar.
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