Para os povos indígenas, “PAC” significa ameaça
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- Mateus Alves
- 06/06/2007
Criada em abril pelo presidente Lula, a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) realizou no início de junho sua primeira reunião. Para debater a criação desse importante canal de diálogo do movimento indígena e indigenista, o Correio da Cidadania conversa com Saulo Feitosa, vice-presidente do CIMI, o Conselho Indigenista Missionário, e representante da entidade na Comissão.
Feitosa comenta a possibilidade de liberação da mineração em reservas indígenas e discorre ainda sobre o impacto que as grandes obras de infra-estrutura, principalmente em função do Programa de Aceleração do Crescimento do governo Lula, poderão ter sobre as terras e populações indígenas.
Correio da Cidadania: Como foi o processo de criação da Comissão Nacional de Política Indigenista?
Saulo Feitosa: Foi um processo bastante longo. O movimento indigenista, na última década, vem reivindicando a constituição de uma instância dentro do governo federal para tratar a questão dos povos indígenas - e uma instância de governo que tenha poderes. Hoje, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) é a entidade responsável pela política indigenista no Brasil, mas a questão da elaboração e da promoção de tais políticas é muito complicada, pois são vários ministérios do governo que tratam da questão. É algo muito pulverizado.
Por isso, há a necessidade de um espaço onde possa ser construída uma política de uma maneira articulada, ordenada. A idéia que tínhamos era a criação de um conselho; o governo Lula acabou criando uma comissão provisória com competência, inclusive, de apresentar um projeto de lei visando à constituição de um conselho.
A comissão, então, resulta de diversos anos de luta e, como a provisoriedade da comissão está vinculada à constituição do conselho que desejamos, não sabemos quanto tempo irá durar.
CC: No dia 4 de junho, foi realizada a primeira reunião da comissão. O que foi discutido nela?
SF: O que fizemos foi estabelecer que até outubro será aprovada a proposta de projeto de lei que crie o conselho que desejamos. Além disso, pretendemos criar algumas subcomissões e iremos trabalhar temas específicos. Discutimos também o regimento interno da comissão e quais as tarefas que realizará.
Houve uma proposta do presidente da FUNAI de realizar uma reunião extraordinária, pois na proposta inicial da reunião tínhamos a intenção de discutir a questão da mineração, mas ficou decidido que é impossível discutir o tema sem levantar questões sobre o estatuto dos povos indígenas pois, a nosso ver, a mineração está inclusa em um de seus capítulos.
Esta reunião deverá ser feita em julho, e essa deverá ser a tônica do encontro, além de debatermos sobre a saúde e a violência entre os povos indígenas; esperamos também que o Ministério das Minas e Energia apresente um quadro sobre as hidrelétricas do Brasil e quais afetam aldeias e populações indígenas.
CC: Em que extensão os programas de infra-estrutura promovidos pelo governo brasileiro estão afetando os povos indígenas do país?
SF: "PAC" (N. do Ed. sigla do governo para "Programa de Aceleração do Crescimento"), para os povos indígenas, significa "ameaça", pois afeta imensamente as populações indígenas. Isto será um dos temas que a comissão irá aprofundar, a partir da manifestação do Ministério das Minas e Energia.
CC: Quais localidades podem ser mais afetadas pelo PAC?
SF: Principalmente a região amazônica do estado de Rondônia, em Tocantins e no Pará, onde estão se iniciando os projetos como a construção das hidrelétricas do rio Madeira e a usina de Belo Monte. Apesar de as ameaças se concentrarem nessa região, isso não quer dizer que indígenas de outras regiões do país, como no sul e no nordeste, também não possam ser afetados.
CC: Durante o primeiro mandato, o governo Lula se mostrou incapaz de criar uma política indigenista efetiva para o Brasil. Isso mudou com a reeleição do presidente?
SF: A política indigenista continua a mesma, ou seja, não existe. Esperamos que a CNPI consiga criar diretrizes para uma política eficaz, que evite a pulverização das ações como hoje ocorre e que represente efetivamente as demandas dos povos indígenas no Brasil.
CC: Recentemente, houve diversas críticas da militância indigenista a Mércio Pereira Gomes, então presidente da FUNAI, por suas declarações e pela falta de diálogo com a entidade governamental. Isso mudou hoje em dia?
SF: Durante a presidência de Mércio Pereira, passamos realmente por tempos difíceis. O ex-presidente da FUNAI não estabelecia diálogos com os movimentos. Hoje, Márcio Augusto Freitas de Meira, atual presidente da entidade, de fato tenta ser um indigenista e se coloca aberto ao diálogo com indígenas e indigenistas. Há uma postura de aprofundamento das relações pela parte da entidade, e Freitas de Meira se mostra acessível e sensível às demandas dos povos indígenas do Brasil.
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