Crise aérea só será resolvida com investimentos e desmilitarização
- Detalhes
- Mateus Alves
- 26/06/2007
As declarações recentes do ministro Guido Mantega de que a crise aérea
que vivemos no Brasil desde dezembro do ano passado resulta da
estabilidade econômica e do crescimento do país não são falaciosas,
apesar de que muitos tenham criticado o titular da pasta da Fazenda
como criador de outra tentativa de ludibriar a opinião pública.
Mantega,
no entanto, esqueceu-se de dizer que, apesar dos momentos favoráveis
vividos pela economia tupiniquim, os investimentos em infra-estrutura
aeroportuária e no controle de tráfego aéreo no Brasil não acompanharam
o crescimento do país na última década, ficando muito aquém do
necessário para cobrir a demanda de assentos em vôos domésticos e
internacionais.
Em 2006, o número de
embarques e desembarques no país foi de pouco mais de 102 milhões,
enquanto em 2003 o número era de 71 milhões - ou seja, um aumento de
43,7%, digno de tornar Guido Mantega um ministro orgulhoso.
Hoje em dia, está claro o resultado desta
ausência de investimentos. Atrasos nos pousos e decolagens tornaram-se
freqüentes nos aeroportos do Brasil. Observando as enormes filas de
check-in nos saguões dos aeroportos, fica evidente a irritação dos
passageiros com o sistema aéreo do país - e passageiros não só
provenientes da elite brasileira, como Roberto Malvezzi destaca em seu
artigo publicado neste mesmo Correio.
A crise, outrora pouco
perceptível para a população, tornou-se evidente
com o acidente do vôo 1907 da Gol, ocorrido em dezembro do ano passado. Desde então,
os controladores de vôo responsáveis pelo monitoramento do tráfego aéreo brasileiro passaram a adotar uma postura de cautela, prontamente taxada de "operação padrão" pela mídia.
Em seu depoimento à CPI do Apagão Aéreo, Jorge Carlos Botelho,
presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores na Proteção ao Vôo,
declarou que tal postora resultava da decisão de se estabelecer um padrão mínimo de cautela no controle aéreo brasileiro.
"Controlávamos 22, 23, vôos; agora, no máximo 14",
diz Botelho. Para ele e outros controladores, a "operação padrão" trata-se
apenas da garantia de um mínimo de segurança para os passageiros e
aeroviários.
Vilões?
Após a adoção de tal postura e sua subseqüente rotulação, não tardou
que a sociedade classificasse os controladores de vôo como os grandes
vilões responsáveis pelos atrasos nos aeroportos do país.
Botelho, no entanto, discorda da colocação e vê como grande causa da
crise o controle militar do tráfego aéreo brasileiro. "Além dos
problemas estruturais, o problema principal é a gestão militar do
controle", diz.
Uma desmilitarização completa do setor e a ampliação do diálogo
existente entre os setores envolvidos na aviação civil brasileira é o
que outros sindicalistas vêem como solução factível para a crise.
Uébio José da Silva, do Sindicato dos Aeroviários de São Paulo,
cobra tal postura do governo e acredita que as recentes punições a controladores de vôo militares,
acusados de quebrar a rígida hierarquia das Forças Armadas, não
resolvem nada.
"O governo federal deveria sentar e conversar com todos
os setores para
resolver a crise ao invés de colocar a corda no pescoço de alguns
controladores como está fazendo", completa o sindicalista.
Reflexos da Varig
O período turbulento atravessado pela Varig em
2006, resultante da má administração de suas finanças e do acúmulo de
dívidas que quase levaram a mais antiga empresa brasileira de aviação à
bancarrota, causou um enorme prejuízo à aviação brasileira que até hoje
se reflete e se soma à falta de investimento.
A diminuição das rotas oferecidas pela empresa - que outrora chegava a
110 cidades brasileiras e 27 do exterior - deixou vazios na malha aérea
brasileira que ainda não foram preenchidos.
O aeroporto internacional Antônio Carlos Jobim, no Rio de Janeiro, foi um dos principais afetados, tendo uma redução grande no número de passageiros que recebe, principalmente provenientes de destinos internacionais.
Devido às desordens na malha aérea e no controle de vôo, os principais hubs - centros de distribuição de vôos - do Brasil, o aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e o aeroporto de Brasília, ficaram sobrecarregados com o número de decolagens e pousos, potencializando o caos aéreo visível à população.
"Desde os anos 90, a aviação cresce no país acima do PIB, e os
investimentos não acontecem; o governo diz que está tudo bem, mas o que
vemos por aí é uma falta sistêmica de pessoal resultante exatamente
dessa falta de investimentos", diz Uébio da Silva.
Espera-se que a CPI do Apagão Aéreo, após seus esforços concentrados na
investigação do acidente entre o jatinho Legacy e o Boeing da Gol, seja
capaz de indicar ao governo Lula rumos corretos a se tomar - ou que, ao
menos, faça o Planalto demonstrar a sua preocupação com a crise que
inferniza a vida de milhares de brasileiros diariamente.
Para comentar este artigo, clique {ln:comente 'aqui}.