Brasil necessita de 'ambiente de constituinte' para restabelecer ética na política
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- Mateus Alves
- 22/06/2007
Enquanto o Congresso brasileiro lentamente dá início à formulação de uma reforma política para o país, o Correio da Cidadania conversa exclusivamente com o deputado federal Chico Alencar (PSOL/RJ), líder de seu partido na Câmara, que fala sobre o posicionamento do PSOL em relação aos pontos que serão votados e sobre a falta de sintonia em Brasília.
Correio da Cidadania: Qual o estágio atual da votação do projeto de reforma política na Câmara Federal?
Chico Alencar: Nada foi votado ainda. A reforma política é como uma corrida de cavalos onde, após ser dada a largada, houve atropelos, jóqueis foram derrubados, alguns saíram correndo na direção oposta. Foi uma grande confusão nas duas vezes em que tentaram iniciá-la. Menos mal que não havia ninguém assitindo à corrida nas arquibancadas e pouca gente fazendo apostas.
CC: É realidade o fato de haver uma falta de interesse na sociedade em relação à reforma?
CA: Além de carecer desse interesse popular maior, de um acúmulo maior na sociedade em relação a algumas propostas que são boas, como o financiamento público e o voto partidário, há uma falta de consenso absoluta aqui, já que os maiores partidos da Casa estão em crise. O PT ganhou o poder mas perdeu o rumo, o PSDB perdeu o poder e o rumo, o PMDB só conhece o rumo do poder na pequena política e o PFL mudou de nome mas não de prática.
O problema da Câmara é que as maiorias não conseguem ser exercidas e nem explicitadas. Os líderes não lideram, não bancam as suas bancadas. Combina-se uma coisa entre os líderes e, quando se chega na Casa, as coisas desandam - até porque há uma metade de deputados que estão em seus primeiros mandatos e não aceitam votar em algo orientado pelo líder.
Por outro lado, a reforma política é uma necessidade urgente, mesmo que esteja começando por mudanças no sistema eleitoral.
CC: Quais são as posições do PSOL em relação aos pontos que estão para ser votados?
CA: Defendemos o fim da privatização do processo político e da financeirização das campanhas. Isso só o financiamento público pode providenciar.
Também nos posicionamos a favor do voto partidário, na doutrina, no programa e nas idéias, não em personalidades. Admitimos, inclusive, a lista flexível, onde o eleitor poderá indicar seu candidato favorito, e este, se for muito mencionado, irá para o topo da lista do partido.
A fidelidade partidária deverá ser programática, que comprometa as cúpulas partidárias, para que elas não imponham a seus militantes e a seus parlamentares o constrangimento de votar em algo que contrarie o programa do partido.
CC: Seria o caso da dissidência petista que resultou na formação do PSOL um exemplo dessa fidelidade programática?
CA: Sim, podemos citar esse caso. A cúpula do PT, nesse ponto de vista, praticou a infidelidade partidária programática. A saída dos dissidentes do PT para montar o PSOL foi um ato de fidelidade ideológica, já que o programa do Partido dos Trabalhadores havia sido abandonado pelos dirigentes petistas.
CC: Qual a opinião do partido sobre a cláusula de barreiras?
CA: Não aceitamos nenhuma cláusula de exclusão. Elas já existem, hoje, para se formar um partido. Isso hoje é algo muito mais difícil do que em outras épocas.
Naturalmente, ocorre uma decantação de partidos de aluguel e de legendas que abrigam interesses personalistas. Esses tendem a desaparecer, como ocorreu com o PRONA.
CC: Existem outros pontos que também vêm em boa hora para o país?
CA: Há também o fim das coligações desproporcionais, algo muito bom, e a instituição de federações partidárias, ou seja, coligações que durem boa parte do mandato. Porém, o que por enquanto está sendo votado são apenas mudanças infraconstitucionais.
CC: E há no horizonte alguma outra proposta que transcenda esses pontos de reforma do sistema eleitoral?
CA: Poderiam ser contempladas mudanças como a regulamentação de plebiscitos, fim de reeleição no Executivo, limites de mandatos no Legislativo, repensar a proporção federativa - hoje, o eleitor do Acre tem o voto 15 vezes mais valioso do que o de São Paulo. Há um conjunto de outros elementos que seriam úteis a uma devida reforma política.
CC: Quais seriam as diretrizes para uma reforma política efetiva que, inclusive, pudesse dificultar os desvios de ética, a apropriação indevida de recursos públicos e o fisiologismo, fatos hoje corriqueiros na vida política brasileira?
CA: O primeiro ponto era haver mais mobilização social, um "ambiente de constituinte" como observamos em 1988, quando 15 milhões de cidadãos assinaram emendas populares para a elaboração da Constituição.
Outra questão seria estabelecer a possibilidade de um referendo sobre todas as modificações mais profundas que vierem a ocorrer agora, pois aí se cria um interesse da população e o que quer que seja feito contra a população ou que seja insuficiente aos seus olhos seria vetado.
Por fim, poderia ser estabelecido o fim do foro privilegiado, mais agilidade nos processos judiciais, o aumento das punições, inclusive com o ressarcimento dos bens que foram subtraídos da nação.
Colaborou Valéria Nader.
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