Correio da Cidadania

Pan não deixará legado algum ao Rio de Janeiro

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Em meio às recorrentes denúncias relacionadas à realização dos Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro, o Correio da Cidadania entrevista o vereador carioca Eliomar Coelho (PSOL/RJ), responsável pela criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que iniciará, em agosto, a investigação sobre eventuais superfaturamentos e corrupções na organização do Pan 2007.


Além de esclarecer as suas motivações para o pedido de CPI, o vereador debate o legado que o Pan deixará ao Rio de Janeiro e as recentes ações da polícia carioca no complexo do Alemão, denominadas pela criminologista Vera Malaguti em recente entrevista ao Correio como "a chacina do Pan".

 

 

Correio da Cidadania: Quais são os principais indícios de irregularidades existentes na realização dos Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro?


Eliomar Coelho: Minhas percepções vêm de duas fontes: primeiro, o alerta que está sendo emitido quase que constantemente pelo Tribunal de Contas da União. Segundo, tudo aquilo que está sendo divulgado pela mídia, que está mostrando claramente as divergências entre o que foi orçado incialmente e o valor gasto até agora. Essa diferença é brutal, astronômica; o orçamento inicial, que foi apresentado à ODEPA (Organização Desportiva Pan-Americana), estava em torno de 404 milhões de reais e, provavelmente, já se gastou dez vezes mais, cerca de R$ 4 bilhões.


CC: Quais justificativas a organização dos Jogos dá para tamanha ultrapassagem dos valores orçados inicialmente?


EC: Estão dizendo que a oportunidade foi aproveitada e equipamentos foram comprados para viabilizar a candidatura do Rio como sede futura das Olimpíadas. No entanto, isso não é bem verdade, pois coisas deixaram de ser feitas e há a dispensa de licitações, datada de dois ou três meses, por conta da urgência das obras; essa última não é uma justificativa plausível, pois a cidade já sabia que iria ser sede dos Jogos Panamericanos há cinco anos.


O Estádio João Havelange, conhecido popularmente como o Engenhão, tinha um orçamento inicial de R$ 60 milhões. Após um ano de início das obras, havia sido gasto mais de R$ 160 milhões e, quando concluída, a obra consumiu mais de R$ 400 milhões, tendo mais de 20 aditivos ao projeto original.


CC: Há indícios de superfaturamento das obras?


EC: A CPI que estamos viabilizando vem justamente para averiguar isso. O Pan do Rio de Janeiro é considerado o mais caro de toda a história dos Jogos; o que foi gasto nos últimos cinco Panamericanos chega em R$ 2,5 bilhões de reais, enquanto apenas o do Rio já gastou R$ 4 bilhões.


CC: Como está o andamento da CPI?


EC: Já consegui as 17 assinaturas necessárias para apresentar a proposta, que foi apresentada e deferida. Os outros membros da comissão também já foram indicados. A instalação da CPI está prevista para o dia 14 de agosto.


De acordo com o estatuto da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, o vereador que apresenta a proposta é quem irá presidir a CPI. O único problema que pode haver é no sentido de alguma movimentação para que se crie uma fuga à essa regra.


CC: Houve alguma tentativa de brecar a realização da CPI?


EC: Fiz tudo com muito cuidado para que não houvesse estardalhaço, eu mesmo pedi para os vereadores assinarem o pedido; quando chegou a dezessete o número de assinaturas, que era o necessário, apresentei a proposta.


CC: Qual legado você acredita que o Pan deixará para o Rio de Janeiro?


EC: O legado é outro problema, pois tudo o que foi anunciado está sendo "desanunciado". Por exemplo, agora dizem que vão passar a arena multi-uso, o Parque Aquático Maria Lenk, o velódromo e o Engenhão para a iniciativa privada. Mesmo os equipamentos, que poderiam ficar para a cidade, também deverão ter o mesmo destino.


A agenda social que antes havia foi muito pouco cumprida. Se falava antes na despoluição da lagoa Rodrigo de Freitas, na duplicação de avenidas, e nada disso aconteceu. O Pan não deixará legado algum.


CC: Você acredita que a ação no complexo do Alemão, classificada por diversos criminologistas como uma "limpeza social" e realizada no período imediatamente anterior à realização dos Jogos, foi um experimento que dará a tônica para futuras ações da polícia fluminense?


EC: Pode ser, mas também é possível que as ações futuras não tomem tal rumo. A cidade, devido ao Pan, está vivendo uma relativa "lua de mel" em relação a isso. Terminados os Jogos, voltamos à realidade nua e crua, e ninguém sabe o que poderá acontecer.


A violência, que tem como um dos seus componentes mais expressivos a questão da desigualdade social, algo brutal no Rio de Janeiro, certamente não irá desaparecer.

 

Leia também a matéria de Rafael Fortes sobre os Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro.

 

 

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