Pan não deixará legado algum ao Rio de Janeiro
- Detalhes
- Mateus Alves
- 19/07/2007
Em meio às recorrentes denúncias relacionadas à realização dos Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro, o Correio da Cidadania entrevista o vereador carioca Eliomar Coelho (PSOL/RJ), responsável pela criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que iniciará, em agosto, a investigação sobre eventuais superfaturamentos e corrupções na organização do Pan 2007.
Além de esclarecer as suas motivações para o pedido de CPI, o vereador
debate o legado que o Pan deixará ao Rio de Janeiro e as recentes ações
da polícia carioca no complexo do Alemão, denominadas pela
criminologista Vera Malaguti em recente entrevista ao Correio como "a
chacina do Pan".
Correio da Cidadania: Quais são os principais indícios de irregularidades existentes na realização dos Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro?
Eliomar Coelho: Minhas percepções vêm de duas fontes: primeiro, o
alerta que está sendo emitido quase que constantemente pelo Tribunal de
Contas da União. Segundo, tudo aquilo que está sendo divulgado pela
mídia, que está mostrando claramente as divergências entre o que
foi orçado incialmente e o valor gasto até agora. Essa diferença é
brutal, astronômica; o orçamento inicial, que foi apresentado à ODEPA (Organização Desportiva Pan-Americana), estava em torno de 404 milhões de reais e, provavelmente, já se gastou dez vezes mais, cerca de R$ 4 bilhões.
CC: Quais justificativas a organização dos Jogos dá para tamanha ultrapassagem dos valores orçados inicialmente?
EC: Estão dizendo que a oportunidade foi aproveitada e equipamentos
foram comprados para viabilizar a candidatura do Rio como sede futura
das Olimpíadas. No entanto, isso não é bem verdade, pois coisas
deixaram de ser feitas e há a dispensa de licitações, datada de dois ou
três meses, por conta da urgência das obras; essa última não é
uma justificativa plausível, pois a cidade já sabia que iria ser sede
dos Jogos Panamericanos há cinco anos.
O Estádio João Havelange, conhecido popularmente como o Engenhão, tinha
um orçamento inicial de R$ 60 milhões. Após um ano de início das obras,
havia sido gasto mais de R$ 160 milhões e, quando concluída, a obra
consumiu mais de R$ 400 milhões, tendo mais de 20 aditivos ao projeto
original.
CC: Há indícios de superfaturamento das obras?
EC: A CPI que estamos viabilizando vem justamente para averiguar isso.
O Pan do Rio de Janeiro é considerado o mais caro de toda a história
dos Jogos; o que foi gasto nos últimos cinco Panamericanos chega em R$
2,5 bilhões de reais, enquanto apenas o do Rio já gastou R$ 4 bilhões.
CC: Como está o andamento da CPI?
EC: Já consegui as 17 assinaturas necessárias para apresentar a
proposta, que foi apresentada e deferida. Os outros membros da comissão
também já foram indicados. A instalação da CPI está prevista para o dia
14 de agosto.
De acordo com o estatuto da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, o vereador
que apresenta a proposta é quem irá presidir a CPI. O único problema
que pode haver é no sentido de alguma movimentação para que se crie uma
fuga à essa regra.
CC: Houve alguma tentativa de brecar a realização da CPI?
EC: Fiz tudo com muito cuidado para que não houvesse estardalhaço, eu
mesmo pedi para os vereadores assinarem o pedido; quando chegou a
dezessete o número de assinaturas, que era o necessário, apresentei a
proposta.
CC: Qual legado você acredita que o Pan deixará para o Rio de Janeiro?
EC: O legado é outro problema, pois tudo o que foi anunciado está sendo
"desanunciado". Por exemplo, agora dizem que vão passar a arena
multi-uso, o Parque Aquático Maria Lenk, o velódromo e o Engenhão para
a iniciativa privada. Mesmo os equipamentos, que poderiam ficar para a
cidade, também deverão ter o mesmo destino.
A
agenda social que antes havia foi muito pouco cumprida. Se falava antes
na despoluição da lagoa Rodrigo de Freitas, na duplicação de avenidas,
e nada disso aconteceu. O Pan não deixará legado algum.
CC: Você acredita que a ação no complexo do Alemão, classificada por
diversos criminologistas como uma "limpeza social" e realizada no
período imediatamente anterior à realização dos Jogos, foi um
experimento que dará a tônica para futuras ações da polícia fluminense?
EC:
Pode ser, mas também é possível que as ações futuras não tomem tal
rumo. A cidade, devido ao Pan, está vivendo uma relativa "lua de mel"
em relação a isso. Terminados os Jogos, voltamos à realidade nua e
crua, e ninguém sabe o que poderá acontecer.
A violência, que
tem como um dos seus componentes mais expressivos a questão da
desigualdade social, algo brutal no Rio de Janeiro, certamente não irá
desaparecer.
Leia também a matéria de Rafael Fortes sobre os Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro.
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