Criminalização da greve no Metrô é estratégia de ataque aos direitos trabalhistas
- Detalhes
- Mateus Alves
- 07/08/2007
A greve dos metroviários em São Paulo, imediatamente
criminalizada pela grande mídia devido aos reflexos imensos observados
durante os dois dias em que os trens metropolitanos permaneceram parados
na capital paulista, suscita novas questões sobre o direito de greve em
setores essenciais e sobre a crise de infra-estrutura no Brasil.
Para expôr as causas e conseqüências da greve, o Correio conversa com
Paulo Pasin, vice-presidente do Sindicato dos Metroviários de São
Paulo. Além de esclarecer algumas dúvidas que estavam sendo mascaradas
pela "criminalização" do movimento feita pela imprensa e pelo governo estadual,
Pasin expõe outras mazelas do transporte paulistano e reafirma a
necessidade da união de sindicatos no combate à retirada de direitos
trabalhistas que vem acontecendo no país.
***
Correio da Cidadania: Quais foram os motivos para a paralisação do metrô de São Paulo?
Paulo Pasin: Tradicionalmente,
a categoria metroviária recebe um montante anual pela participação nos
resultados, com uma antecipação deste no primeiro semestre. Essa
participação, também tradicionalmente, é igualitária - ou seja, há um
valor que é dividido igualmente para todos os funcionários. Por
exemplo, pegava-se o valor total de uma folha de pagamento e dividia-se
o valor entre todos os funcionários da companhia.
Este ano, o Metrô inovou e propôs um mecanismo de participação nos
resultados que privilegia aqueles que têm um alto salário. Chefes,
coordenadores, passariam a receber algo em torno de 8 mil reais
anualmente, enquanto condutores, o pessoal da manutenção - aqueles
trabalhadores que carregam nas costas o Metrô dia após dia -
receberiam, no máximo, 2 mil reais.
CC: Como tal proporção foi calculada?
PP: O cálculo foi feito da
seguinte forma: pegou-se a folha de pagamento do Metrô, separaram a
parte destinada aos engenheiros (que possuem um sindicato à parte), que
corresponde a R$ 4 milhões de um total de R$ 24 milhões. Os outros R$
20 milhões que sobram são destinados a todos os outros funcionários,
sendo a divisão feita como uma parcela fixa de mil reais e 60%
proporcional aos salários que recebem.
Se somarmos a parte fixa e a parte proporcional ao salário, temos esse
montante que, em média, é de 8 mil reais para os que têm salários altos
e 2 mil para outros funcionários. A antecipação seria de 800 reais.
CC: Qual a contra-proposta que o sindicato dos metroviários apresentou?
PP: Queremos que o valor total
de participação seja o correspondente a uma folha e meia de pagamento,
sem separação da parte destinada aos engenheiros e dividida igualmente
para todos. Isso daria algo em torno de 5 mil reais anuais para cada
funcionário, com uma antecipação de R$ 2.500.
CC: Quais resultados obtiveram após a realização da greve?
PP: Como houve o julgamento da
greve, onde o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) considerou-a abusiva
e decidiu pelo retorno imediato ao trabalho, a categoria optou por
retornar à normalidade sem nenhuma negociação. Do ponto de vista
econômico, saímos sem nenhum resultado, mas do ponto de vista da
categoria, reforçamos a nossa indignação com o governo, com o
secretário de transporte e com a mídia, que procurou jogar a população
de maneira ostensiva contra a gente.
Fizemos dois dias de greve, obtendo a adesão total dos operadores
de trem e dos funcionários das estações. O metrô só funcionou de
maneira precária pois foi instituído um esquema de colocar pessoas
não-habilitadas, que há muitos anos atrás foram operadores de trem,
para manejar as composições da linha 1 e da linha 2 - colocando
em risco os usuários, inclusive.
CC: Quais são suas percepções sobre a "criminalização" do movimento que tem sido feita pela mídia e pelo governo?
PP: Sistematicamente, desde o
movimento que fizemos em abril, o governo Serra tem feito uma campanha
intensa contra qualquer possibilidade de greve dos metroviários, com o
objetivo claro de acabar com qualquer direito de greve. Inclusive, isso
que criaram agora, que é colocar operadores desabilitados para
controlar os trens, é uma forma de inviabilizar greves em serviços
essenciais. Na verdade, isso é muito parecido com o que o governo
federal está propondo; há essa hipótese de que, no meio da greve, o
ideal é contratar funcionários temporários para reestabelecer os
serviços. O que aconteceu agora não foi exatamente isso, mas dividir
funções de funcionários que não eram mais condutores serviu como tal.
CC: O governador José Serra declarou que haverá demissões no Metrô. Que tipo de retaliações o sindicato espera?
PP: Embora tenhamos cumprido a
decisão do tribunal de retorno imediato - e quando isso acontece, não
se pode demitir grevistas -, é de se esperar retaliações e demissões,
conhecemos o governo Serra. Trabalhamos sempre com a hipótese de
demissões de funcionários ligados à direção da categoria. Inclusive
temos informações de demissões que poderão acontecer durante a semana.
Trata-se de um governo extremamente autoritário quanto ao fim do
direito de greve, e uma retaliação seria simbólica para os projetos que
tem.
(N. do Ed. No dia 06/08, o governo estadual de São Paulo anunciou a demissão de 61 funcionários do Metrô).
CC: Há declarações do governador de
que, assim como a paralisação de abril, esta nova greve teve um caráter
apenas político. Qual a sua opinião sobre isso?
PP: É claro que toda greve
possui um conteúdo político à medida que reivindica direitos; no nosso
caso, além de brigarmos por nossos direitos, procuramos denunciar à
população o sucateamento do transporte na capital paulista.
O que acontece na realidade é que o próprio Serra está adotando uma
posição essencialmente política, para acabar com nosso direito de greve.
Hoje é muito importante que os movimentos sindicais, independentemente
das Centrais, se unam em torno do combate a essas políticas, que
constituem um ataque muito grave aos nossos direitos e à liberdade de
expressão.
CC: Qual é o reflexo da crise de
infra-estrutura que o Brasil vivencia em relação ao transporte
metropolitano? Qual a posição do sindicato dos metroviários em relação
a isso?
PP: Ultimamente, todo o debate
sobre a crise nos sistemas de transporte do país se concentra no setor
aéreo. No entanto, a imensa maioria da população também sofre uma crise
nos transportes coletivos, não só o urbano como também o intermunicipal.
O sindicato dos metroviários possui um entendimento de que é necessário
investimentos para a ampliação da malha metroviária, que consideramos
como a grande solução para os problemas do transporte metropolitano em
São Paulo. No entanto, isso é um papel que deveria ser cumprido pelo
Estado. Com a ampliação da malha metroviária se cria uma economia
monstruosa na cidade de São Paulo pois, além da questão do transporte
individual, resulta na diminuição da poluição, gasta-se menos
combustível, etc.
Mesmo dentro da ótica do governo, acaba-se criando uma movimentação na
economia. O próprio Metrô e a Secretaria de Transportes possuem dados
muito interessantes dizendo que privilegiando não apenas o balanço
econômico mas também o balanço social do sistema de transporte, cria-se
condições de atender perfeitamente a população; quando levam o Metrô
para uma região de São Paulo, tudo por lá começa a ser ativado - não é
por acaso que constroem shopping centers ao lado de estações.
Um de nossos principais projetos é fazer com que o governo, tanto o
estadual como o federal, amplie suas aplicações em transportes, para
ampliar a malha e reduzir a tarifa que, hoje, é muito alta para os
padrões brasileiros.
O governo alega que não tem dinheiro para investir, mas na linha 4 está
cobrindo 85% dos gastos da obra para repassa-la à iniciativa privada,
que irá operar o trecho por 30 anos com tarifas mínimas garantidas que
irão integralmente para seus cofre. Percebe-se aí a falácia.
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