Correio da Cidadania

Sintonia entre Senado e sociedade é essencial na decisão sobre caso Calheiros

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Espera-se que a crise no Senado, que perdura há mais de 100 dias, tenha um fim na quarta-feira, dia 12 de setembro, quando a Casa decidirá por meio do voto fechado sobre a cassação ou a permanência de Renan Calheiros. A decisão que será tomada não terá apenas reflexos na composição dos membros do Senado, mas revelará aos brasileiros os propósitos e prioridades dos parlamentares em relação ao destino da nação – podendo-se inclusive, no caso de Calheiros ter o seu mandato reconfirmado, sacramentar-se a perda da credibilidade que cada vez mais atinge não só o Legislativo, mas também outras instituições públicas no Brasil. 

Para comentar a crise e analisar as denúncias de corrupção que em tempos recentes freqüentemente têm estampado as manchetes da imprensa nacional, o Correio da Cidadania conversa com o senador José Nery (PSOL/PA), cujo partido é o principal responsável pelas representações contra Renan Calheiros junto ao Conselho de Ética do Senado. Além de esclarecer as razões pelas quais o PSOL fez uma nova representação contra Calheiros após a decisão do Conselho de levar a manutenção de seu mandato ao escrutínio parlamentar, Nery apresenta também suas propostas para o combate à corrupção no país e sua visão sobre o acatamento das denúncias contra os deputados envolvidos no mensalão pelo Supremo Tribunal Federal. 

 

 
Correio da Cidadania: O que está por trás da nova representação contra o senador Renan Calheiros feita pelo PSOL junto ao Conselho de Ética do Senado? 

José Nery: Nossa intenção é fazer com que sejam apuradas as denúncias que dão conta de que pessoas ligadas a Renan Calheiros transportaram malas de dinheiro arrecadado junto aos ministérios controlados pelo PMDB. Essas denúncias foram feitas através de um depoimento prestado na Polícia Civil do Distrito Federal. São acusações graves e há uma testemunha que diz ter presenciado tais fatos. 

Quero, no entanto, ressalvar que o PSOL não pretendia fazer uma nova representação mas, de maneira coerente com o que defendemos desde o início, aditar essa nova denúncia aos processos já existentes. Infelizmente, como essa possibilidade foi negada, nos vimos obrigados a fazer outra representação junto à mesa. 

CC: Já se levanta a possibilidade de Renan Calheiros renunciar a seu mandato antes da votação que decidirá ou não pela sua cassação. Você acredita que isso possa ocorrer? 

JN: Pela persistência e insistência com que Calheiros está brigando contra os fatos, não creio que venha a renunciar. Acho que o senador irá se submeter ao processo de votação; acredito também que, por conta do voto secreto, ele possa ter com isso a possibilidade de garimpar votos favoráveis até entre a oposição. 

Espero que o Senado tenha juízo, que pense primeiro naquilo que foi apurado, investigado e comprovado e que está contido no relatório aprovado no Conselho de Ética. É preciso também que o Senado se preocupe com a imagem da Casa, e que fique antenado com o que pensa e com o que quer a sociedade brasileira, que não suporta mais impunidade, corrupção e tudo aquilo que, infelizmente, tem feito parte de nossa conjuntura política e que vem se agravando diariamente. 

CC: Você acredita que a corrupção no Brasil se banalizou, uma vez que se observa uma certa inércia da população e do meio político em relação aos descalabros recentes? 

JN: Infelizmente, muitos já estão desesperançados, mas creio que não podemos cruzar os braços frente a fatos tão graves, jamais compactuar com a corrupção, jamais silenciar diante dela. Isso exige uma capacidade de reflexão sobre a contribuição que cada um pode oferecer na construção de um país livre dessa praga que corrói a sociedade, pois os recursos que saem pelo ralo da corrupção são os recursos que faltam para as políticas básicas necessárias que garantem a dignidade das pessoas. 

Alguns acham que não há o que fazer. Nós, porém, insistimos que é preciso enfrentar e combater a corrupção. Por acreditar nisso, o PSOL tem mantido erguida a bandeira da ética na política, associando-a com a luta por políticas públicas que ajudem a garantir melhores condições de vida a nosso povo, educação, renda, trabalho, saúde e outros direitos dos quais muitos ainda se encontram distantes. 

CC: A insistência de Renan Calheiros em continuar na presidência do Senado estaria relacionada à sua confiança no fisiologismo da ampla coalizão criada pelo governo? 

JN: Calheiros confia na aliança política criada pelo governo e no corporativismo que reina no parlamento. No entanto, vejo a questão do combate pela ética na política e a apuração de denúncias que envolvem a quebra de decoro não como uma questão de governo ou da oposição, mas sim como uma questão do povo, da nação brasileira. Decisões não podem ser tomadas devido ao senador ser de partido A ou B, por ser situação ou oposição. Tais decisões devem ser orientadas e tomadas independentemente de partido ou orientação política, pois o que está em jogo é a credibilidade das instituições. 

Portanto, é preciso que o Senado tenha consciência do que vai fazer para terminar com essa agonia, que já dura 100 dias. Se não for tomada uma posição decisiva na votação sobre o mandato de Calheiros, a crise irá continuar, pois as outras representações deverão ter continuidade e precisarão ser apuradas. 

CC: O processo político e eleitoral é colocado correntemente como uma das causas da corrupção no país. Você acredita que uma reforma adequada serviria como meio de impedir ilegalidades como as que vimos nos últimos anos? 

JN: Creio que é necessária uma ampla reforma política e eleitoral, onde possamos implantar o financiamento público de campanhas, a fidelidade partidária, estabelecer um meio de controle da sociedade sobre os eleitos - seja no legislativo ou no executivo -, talvez criar no país a revogabilidade dos mandatos, além de outras medidas que ajudariam a sociedade a ter um controle sobre o processo eleitoral. 

Há uma outra questão fundamental: se avançarmos na educação política de nosso povo, se conseguirmos fazer com que pessoas tenham acesso a educação de qualidade, com conteúdo verdadeiramente cidadão, vamos matar o mal pela raiz. A falta de conhecimento e da capacidade de analisar a realidade tão dura que enfrentam faz com que muitos pensem que um presente de ocasião oferecido durante o processo eleitoral irá resolver os seus problemas. Ao mesmo tempo em que mudam as regras relativas ao processo político, é preciso também investir na formação de nosso povo, para que possam fazer uma leitura correta da realidade e dos pressupostos políticos que são expressos por cada partido, por cada candidatura, buscando sempre a criação de um processo mais democrático. 

Falta muito, mas é verdade que já avançamos em relação ao que tínhamos 20 anos atrás, no período da ditadura, quando era proibido falar, se reunir, se organizar. Hoje, pelo menos, temos o direito à manifestação, à crítica, ao contraditório. No caminho que precisamos percorrer para que o Brasil se torne uma democracia plena, precisamos caminhar muito, mas a luta continua e essa é a característica de todos que crêem num país melhor para seus filhos. 

CC: O orçamento anual, da maneira como hoje é feito pelo governo, também é frequentemente citado como promotor da corrupção. Você acredita nisso? Há algo que precise ser mudado? 

JN: O que é fundamental não é exatamente a votação do orçamento enviado pelo governo, mas sim a sua distribuição e aplicação. A corrupção e as propinas acontecem na execução de obras e serviços financiados com recursos públicos. O que precisamos é estabelecer legalmente outros mecanismos mais eficazes que permitam à população um controle mais direto sobre a aplicação de recursos, sejam eles da União, do estado ou do município. 

CC: Você considera a decisão do Supremo Tribunal Federal de indicar a abertura de processos contra todos os envolvidos no mensalão como algo simbólico, que resgata a credibilidade da Justiça brasileira, instituição frequentemente criticada?

JN: Eu creio que o acatamento das denúncias foi, sim, uma sinalização importante para vencer o ceticismo existente na sociedade quanto à eficácia da Justiça. Serve para reafirmar que todos têm a obrigação de respeitar as leis, e que não podem continuar praticando atos ilícitos com o sentimento de impunidade. 

Porém, em certa medida, creio que a decisão foi influenciada pela pressão da sociedade, especialmente a realizada por órgãos de imprensa; isso ajudou o Supremo a ter um pouco mais de consciência de seu papel. 

Claro que isso é negado veementemente, sempre se declara que o Supremo age com absoluta independência e isenção. No entanto, há várias situações que demonstram que não houve isenção da Justiça, pelo contrário; em muitos casos, houve comprometimento quanto ao exercício da própria atribuição do Judiciário, muitas vezes mancomunados com interesses pouco aceitáveis. Esse caso recente demonstra uma sinalização, mas uma sinalização que precisa ser confirmada e reafirmada em relação a tantos outros crimes do colarinho branco praticados no país por pessoas poderosas que, muitas vezes, se utilizam de manobras jurídicas para acabarem impunes.

 

 

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