‘MPL se coloca dentro do campo da esquerda no processo político’
- Detalhes
- Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, da Redação
- 28/06/2013
Indiscutível impulsionador da explosão de protestos pelo país, o Movimento Passe Livre (MPL) agora se depara com uma exposição inédita, chegando até ao próprio gabinete da presidência da República. Com a chuva de pautas que se somaram às reivindicações em torno do transporte coletivo, o próximo momento aparenta ser de reflexão e reorganização das lutas que eclodiram em meio a Copa das Confederações da FIFA.
Diante disso, o Correio da Cidadania, em parceria com a webrádio Central 3, entrevistou Daniel Guimarães, integrante do movimento, com vistas também a debater um posicionamento político mais profundo, uma vez que diversas questões sociais, finalmente, dominaram a ordem do dia. Na sequência, virão entrevistas com ativistas de outros movimentos sociais de viés progressista.
Para Daniel, “o que acontece é reflexo do processo conduzido pelo governo federal e a FIFA, à revelia dos interesses populares, atacando interesses da população, retirando o direito de livre manifestação das pessoas, chegando até a remoções forçadas de pessoas de suas moradias, e colocando dinheiro público pra financiar um evento privado. Agora, a conta começa a chegar”.
Com um novo tempo de lutas no horizonte, ele frisa que “o MPL se reivindica na tradição de lutas de esquerda, de lutas pelos interesses da população, daqueles ‘de baixo’, contra a ofensiva do capitalismo, do Estado e da violência”. Sobre os transportes, após a primeira vitória com a revogação do aumento da tarifa, avisa que o movimento seguirá pautando o tema, inclusive com um projeto de lei de iniciativa popular em nome da tarifa zero.
A entrevista completa com Daniel Guimarães pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Como o movimento recebeu a vitória da redução da tarifa de ônibus, metrô e trens em São Paulo? Como está enxergando o momento e digerindo toda essa exposição?
Daniel Guimarães: Na verdade, não foi a primeira vez que conquistamos a revogação de aumento, já houve outras revogações pelo Brasil, em momentos anteriores. Mas em São Paulo foi a primeira vez, o que tem um impacto muito importante por ser a maior cidade do Brasil. Um passo muito importante, não só pro MPL, mas para toda a esquerda, que não necessariamente está acostumada a vencer o enfrentamento por melhores condições de vida e avanços em suas pautas. Não é todo dia que acontece e acho que tem um fator pedagógico muito importante nisso.
Correio da Cidadania: O que vocês estão achando do momento político, após essas semanas de manifestações massivas? Houve um arrefecimento?
Daniel Guimarães: Penso que essas manifestações foram realmente muito inesperadas. Inclusive, saíram do campo da esquerda, chegando um certo momento em que houve receio de que grupos de direita pudessem se beneficiar das manifestações de massa. Mas podemos observar que, onde houve vitória, foi vitória de esquerda, no caso, as revogações dos aumentos das tarifas de transporte – em mais de 50 cidades do Brasil, entre elas 11 capitais.
E quando os grupos de esquerda se retiraram da luta, pra poderem refletir e darem continuidade às suas pautas, as manifestações de massa que a grande imprensa foi chamando, e tentando enquadrar na sua própria agenda, contra o governo do PT, foram minguando. Parece ser o que acontece em São Paulo e começa a ocorrer no Brasil.
Correio da Cidadania: Como vocês têm visto os massivos protestos nas cidades que sediaram a Copa das Confederações? Como você acha que os acontecimentos vão se desenvolver após o fim deste evento teste para a Copa de 2014?
Daniel Guimarães: Primeiramente, o que acontece agora é reflexo do processo conduzido pelo governo federal e a FIFA, à revelia dos interesses populares, atacando interesses da população, retirando o direito de livre manifestação das pessoas, chegando até a remoções forçadas de pessoas de suas moradias, e colocando dinheiro público pra financiar um evento privado.
Agora, a conta começa a chegar. Acredito que, ao fim da competição, provavelmente os grupos dedicados a tais questões vão avaliar suas participações, intensificar seus debates e fazer a disputa de ideias dentro da sociedade.
Ano que vem tem a Copa do Mundo e eu não consigo imaginar que, durante sua realização, haverá silêncio. A tendência é que esses processos de luta se intensifiquem, durante o grande momento que representa a Copa do Mundo.
Correio da Cidadania: Como o MPL está se preparando para continuar a luta pela tarifa zero?
Daniel Guimarães: Já temos, há algum tempo, um projeto de lei de iniciativa popular que precisa de 430 mil assinaturas pra ser protocolado na Câmara dos Vereadores. Já tínhamos iniciado a campanha de coleta de assinaturas. Agora, depois desse processo, que impulsionou tanto o nome do MPL como o debate da tarifa zero, iremos retomar a questão.
Vamos nos organizar no próximo mês pra definir como será a nova jornada de mobilização, mas a ideia agora é fazer o projeto acontecer, tramitar na Câmara e “esperar” o tempo que for necessário para conquistar a tarifa zero na cidade de São Paulo.
Correio da Cidadania: Além da tarifa zero, que outras bandeiras devem entrar na agenda do movimento? A pauta da estatização do transporte público não se coloca como necessária, mediante posturas como a de governantes que declararam precisar cortar investimentos pra baixar as tarifas?
Daniel Guimarães: Temos essa discussão (da estatização) também. Existem vários nomes e denominações para aquilo que defendemos. Isto é, a gestão do sistema de transporte coletivo público tem de ser uma responsabilidade do poder público, não de empresas privadas. E com participação popular direta e deliberativa, definindo como seria o sistema: onde vai ter ônibus, por que terá ônibus em tal lugar, a quantidade de veículos... Essas coisas não podem ficar nas mãos de empresa privada.
O Haddad cancelou a licitação que previa entrada de novas empresas na gestão do transporte coletivo, mas, além de todas as mobilizações que forçaram o prefeito a tomar essa decisão, os próprios empresários estavam pressionando-o, por considerarem que o modelo apresentado pela prefeitura reduziria o lucro deles em 10%. E eles estavam dispostos a entregarem envelopes em branco na licitação, como forma de protesto e boicote, ameaçando retirar alguma quantidade de ônibus das ruas. Isso é um exemplo claro de por que não se pode ter empresas privadas determinando o funcionamento do sistema de transporte na cidade.
Se o nome disso é municipalização ou estatização, trata-se de uma discussão que fica em segundo plano, no momento em que vamos nos aprofundar num modelo específico possível e adequado para o movimento e os demais grupos que quiserem nos apoiar nisso. O importante é que seja voltado ao interesse público, e não privado.
Correio da Cidadania: Que avaliação você faz dos últimos encontros com o executivo, de todas as esferas - primeiro, encontro com a Dilma em Brasília; depois, decisão do Alckmin após encontro com o MTST?
Daniel Guimarães: Antes de tudo, eles tiveram de ceder esses espaços. Eles não procuraram os movimentos, no primeiro momento, para uma conversa. Pelo contrário, afastaram-se de tais questões, diziam com todas as letras que eram pautas impossíveis, desqualificavam os movimentos, chamando-nos de baderneiros, vândalos, tentando nos criminalizar.
Por conta da pressão popular, maciça, tiveram de dar passos para trás, dentro daquela famosa idéia de que, na hora do aperto, eles entregam os anéis para não perderem os dedos. Passou muito por aí a questão, tanto na prefeitura como no governo estadual.
Na esfera federal, creio que houve outro componente. O governo federal se viu na obrigação de responder com uma “agenda positiva”. O MPL sequer estava nas ruas se manifestando quando a presidente convidou o movimento para ouvir as nossas propostas. Algumas, ela nem entendeu, o que foi engraçado. A presidente não se preparou para discutir tarifa zero e transporte público.
Mas não pensamos que o movimento foi chamado só porque tem boas ideias ou se organiza em torno disso há muito tempo. Foi, sim, porque conseguiu, ao lado de várias outras organizações, construir uma pressão popular, e só ela é capaz de fazer um cenário político aparentemente estabilizado sofrer uma reviravolta.
Correio da Cidadania: O MPL pretende declarar publicamente uma posição política mais clara, diante da variedade de pautas colocadas pela mídia corporativa e em função de ofensivas da direita?
Daniel Guimarães: Por enquanto, não há uma discussão a respeito disso. O movimento se reúne constantemente, mas estamos no turbilhão de oferecer respostas à questão do transporte. Porém, algo que é bom deixar claro é que o MPL se coloca dentro do campo da esquerda no processo político. O MPL se reivindica na tradição de lutas de esquerda, de lutas pelos interesses da população, daqueles “de baixo”, contra a ofensiva do capitalismo, do Estado e da violência.
Ainda que estejamos focados em nossa pauta, a questão do transporte, e não tenhamos levantado certas bandeiras em conjunto, levamos em nossa carta à Dilma uma série de reivindicações de outros movimentos, inclusive exigindo o fim da violência do Estado contra populações indígenas e as lutas dos trabalhadores.
Correio da Cidadania: Quanto aos presos políticos, o MPL está buscando alguma forma de solução e negociação conjunta de sua condição?
Daniel Guimarães: Sim, o movimento presta apoio aos detidos. Não existe nenhum preso agora, estão todos soltos, mas alguns podem vir a ser processados por formação de quadrilha. Estamos lutando, coletivamente, claro, e dando suporte para que o judiciário sequer leve em conta tais acusações, antes que se tornem um processo criminal. E pode ser, sim, que a gente consiga isso.
Áudio da entrevista: http://central3.com.br/central-autonoma-01/
Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.
Comentários
Assine o RSS dos comentários