Correio da Cidadania

Não existe “torcedor” no linguajar dos businessmen do futebol

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Dia 11 de maio, numa segunda-feira fria em São Paulo, um dos prédios mais imponentes da Avenida Paulista hospedava um evento que reuniria os principais promotores do futebol-negócio no Brasil. A preços nada módicos (R$140 para estudantes), o auditório da sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) recebeu o 4º Business FC.

 

O evento, como o próprio nome já propõe, é voltado para discussão do futebol pelo âmbito do mercado, seu potencial de lucro e a importância do aprimoramento da gestão dos clubes e federações. O evento foi organizado pela Trevisan Escola de Negócios, que oferta um MBA em gestão esportiva, em parceria com a PLURI Consultoria – empresa que se notabilizou pelas pesquisas mais profundas sobre a situação financeira do futebol brasileiro.

 

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Paulo Vinícius Coelho (FOX Sports), Jorge Avancini (Bahia) e Rodolfo
Kussarev (Red Bull Brasil): businessmen do futebol se alinham cada vez mais.

 

Sobre futebol, de verdade, pouco se ouviu. Ali interessava o dinheiro, como fazê-lo, de onde ele viria e para onde correria. A palavra “torcedor”, poucas vezes utilizada, era sempre substituída pelo termo “consumidor” e foi engolida pelas avalanche de clichês do mundo corporativo que eram lançados a cada minuto de cada fala: gestão, negócios, eficiência, profissionalização, mercado, ativação do marketing, investidores...

 

Mas, para o amante do futebol, o acompanhamento do evento tem um papel crucial, porque é desses espaços que saem os apontamentos dos movimentos dos businessmen nos anos seguintes. Foi para isso que compareci discretamente: observar a opinião daqueles que se apresentam como os principais atores políticos do futebol local.

 

Era grande a presença de presidentes e diretores de clubes, executivos de futebol, especialistas e consultores em marketing e gestão esportiva, empresários de diversos setores e profissionais de impressa esportiva. Foram seis painéis ao todo, que eram intercalados por premiações.

 

Paralelamente, alguns clubes apresentavam seus projetos comerciais a empresas selecionadas que investem no futebol na “Arena de Negócios” (confira a programação clicando aqui).

 

Alguns temas se tornaram pontos obrigatórios em todos os espaços, quando eram suscitados por perguntas da plateia, ou mesmo pelos jornalistas que mediavam os painéis. Paulo Vinícius Coelho e Mauro Beting, da FOX Sports, Flavio Prado, da Jovem Pan, e Álvaro Oliveira Filho, da CBN, fizeram parte de mesas com opiniões até certo ponto previsíveis e pouca ou quase nenhuma divergência.

 

Dessa forma, destacaremos adiante os posicionamentos dentre os assuntos mais recorrentes durante as quase 10 horas de discussão amigável sobre o estado do futebol-negócio no Brasil.

 

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Painel rediscute as associações e a “ingerência política”. Democracia nos clubes atrapalha os negócios.

 

Questionamentos ao modelo político dos clubes

 

Muito debatido nos anos 1990, a proposta de transformação dos clubes em empresas foi levantada diversas vezes no evento. A síntese do debate apontou que a empresarização não é a saída porque os clubes brasileiros não estão preparados para tal, mas que a proposta ainda não é totalmente descartável.

 

Para Jorge Avancini, ex-executivo do Internacional e atualmente do Bahia: “Já tivemos diversas experiências nos anos 1990 e não deu certo. Não dá pra isso acontecer no Brasil diante da desorganização e da interferência política”. Para o executivo, os clubes deveriam começar a se planejar para abrir o seu capital como forma de se manter. Avancini foi acompanhado por Fernando Ferreira, da PLURI Consultoria: “Clube-empresa não vinga no Brasil porque os clubes não estão preparados. As empresas não topariam porque não há garantias de retorno. O problema sempre partia das disputas políticas dos clubes”.

 

O ex-secretário de futebol do Ministério dos Esportes, Toninho Nascimento, apontou um meio-termo na discussão. “É preciso criar uma nova estrutura jurídica que supere o modelo associativo ‘sem fins lucrativos’ e o modelo ‘clube-empresa’. Os clubes hoje não podem receber financiamento do BNDES, por exemplo”. Nascimento reivindicou o modelo alemão como exemplo, por permitir a conciliação do modelo associativo aliado ao investimento acionário de empresas privadas.

 

Um posicionamento um tanto quanto paradoxal partiu de Pedro Trenghouse, advogado e professor da FGV. “Para mim os clubes deviam resgatar a proposta associativa dos primórdios do futebol brasileiro: o torcedor enquanto associado que tem direito a participação política mediante contribuição financeira”, afirmou. A fala surpreendente, no entanto, contrastou com outras propostas mercantilizantes, como o fim da Libertadores em detrimento de uma copa com clubes de todo continente americano.

 

As federações também foram duramente criticadas e questionadas. Para a maioria dos presentes, na carona do embate da dupla FlaxFlu contra a Federação do Estado do Rio de Janeiro. Para eles, essas entidades já não sabem quais são as suas funções, são geridas de forma autoritária e só existem por conta dos estaduais, esses que só prejudicam os maiores.

 

A criação de uma Liga de Clubes, a exemplo do que ocorre na Europa, também foi defendida por praticamente todos os convidados como uma saída aos desmando das federações e como uma fórmula organizativa que viabilize melhores contratos com a TV e com anunciantes pontuais. A dificuldade de sua consolidação seria por problemas dos próprios clubes em permitir o diálogo, como apontado por Marcelo Sant’Anna, presidente do Bahia. As cotas televisivas e a criação da Liga de Clubes foram dois temas apresentados como gêmeos siameses e controversos: por um lado, aumenta o poder de barganha, por outro, os clubes com maior repasse não querem perder os privilégios.

 

Para Fernando Ferreira da PLURI, a “espanholização” (formação de duas grandes potências) do futebol brasileiro só não ocorreu por problemas de gestão dos principais beneficiados pelo atual modelo de repasses de verba televisiva, Flamengo e Corinthians. “O que falta para o nosso modelo é determinar regras. Devem ser respeitados os direitos da Globo e dos clubes de maior torcida, sim. Mas também do interesse do campeonato. No exterior, na maioria dos casos, o repasse é divido em categorias”, afirmou. O consultor explicou, então, o sistema que prevê, do repasse total, 25% iguais para todos; 25%, a partir de critérios técnicos do ano anterior; 25%, a partir da audiência gerada pelo clube; e 25%, a partir de objetivos como aumento do público ou de associados.

 

Ao que consta, em termos de business, não soa interessante a concentração de recursos, que ainda é de longe a maior fonte de recursos dos clubes. A posição de Bandeira de Mello, presidente do Flamengo, no entanto, apontou o óbvio: o clube carioca não tem a menor pretensão de abrir esse debate no momento. Por outro lado, o termo “profissionalização”, por mais que continue sendo usado de forma incisiva, tem conteúdo diferente daquele dos tempos da Lei Pelé, que pretendia privatizar os clubes. Hoje, a ideia é que os dirigentes contratem e se cerquem de profissionais e especialistas do mundo dos negócios para gerir os clubes.

 

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Pedro Daniel (BDO Consultoria) e Ricardo Borges Martins (Bom Senso FC):
discursos destoantes do resto, mas nenhuma menção aos direitos do torcedor

 

PROFUT é questionado, mas endividamento é real e crescente

 

Fernando Trevisan, diretor da escola que organizava o evento, logo na abertura da mesa informou: “Em 2014 tivemos o déficit recorde dos clubes brasileiros, sendo que nos últimos dois anos praticamente dobramos o faturamento”. Era o início do debate que seguiu com a declaração de Pedro Daniel, da BDO Consultoria: “Tecnicamente já temos clubes falidos”. Com isso, tornou-se imperativo o debate sobre a MP nº 671/2015, que trata do refinanciamento de dívidas dos clubes brasileiros e tem o apoio do governo federal.

 

Ricardo Borges Martins, diretor do Bom Senso FC, entidade que representa os atletas, fez a defesa da medida: “Nós acreditamos que essa MP pode ser revolucionaria. É o início de uma reforma profunda no futebol brasileiro”. Martins fez a defesa da constitucionalidade da medida, que vem sendo questionada em muitas frentes, apontando que a única contrapartida do refinanciamento das dívidas é o fair-play financeiro: que os clubes não gastem mais do que arrecadam.

 

Quando questionei sobre a inserção de um item que versa sobre a participação dos jogadores (mas não de torcedores) em órgãos colegiados dos clubes e federações, Ricardo Martins apontou que a medida já existe desde a Lei Pelé, como uma contrapartida para o recebimento de verbas públicas. Também colocou que o Bom Senso FC não tem discussão sobre a participação dos torcedores, porque nunca recebeu uma proposta de discussão.

 

Portanto, de onde mais se esperava, também não partiu nenhuma formulação sobre a democratização dos clubes brasileiros, ainda que a matéria do PROFUT tenha aberto um campo de contrapartidas bem amplo. O que novamente mostra o quanto faz falta uma entidade que organize os da arquibancada.

 

Pedro Daniel, da BDO Consultoria, voltou a afirmar que a proposta de refinanciamento de dívida dos clubes com a União não é uma medida nova. Já foi aplicada diversas vezes, mas sem a grande particularidade do atual PROFUT, que é a ação sobre a causa (a má gestão e os gastos excessivos) e não na consequência (os balanços financeiros negativos). Já o tema da Liga de Clubes voltou a ser levantado, ao se discutir a ausência de uma proposta conjunta dos clubes para o texto da MP.

 

Dessa discussão, o Clube de Regatas do Flamengo, representado na plateia e no último painel pelo presidente Bandeira de Mello, foi elogiado e premiado como a melhor gestão de clube no Brasil em 2014, pelos esforços em sanar suas dívidas.

 

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Painel sobre as Arenas foi dentro do esperado: pouca autocrítica e defesa do atual preço dos ingressos

 

Novas Arenas: “falácia do estádio vazio” e “ingresso a preço justo”

 

O famoso jornalista Paulo Vinícius Coelho (PVC) abriu os debates enquanto mediador afirmando: “Há uma falácia com relação à redução do público. O público não diminuiu, ele nunca existiu”. Segundo PVC, nos anos 1940 o público era o mesmo, além de apontar que é preciso mostrar publicamente que o ingresso “não está tão caro”, usando o exemplo do plano Avanti do Palmeiras, que custa R$110 mensais e dá acesso livre aos jogos. O jornalista palmeirense Paulo Junior, da Central3, me alertou que tal setor só comporta 9 mil torcedores numa realidade de mais de 100 mil associados: “Praticamente ninguém tem direito a esse ingresso mais barato, que supostamente fica na média de 30 reais por jogo”.

 

Jorge Avancini apontou que a discussão do valor dos ingressos se trata mais de uma questão de segurança. “A gente tem novos estádios, mas ainda vemos cenas de brigas dentro do campo, é isso que temos que ver”, afirmou. A fala leva a entender que ainda persistirá a argumentação preconceituosa que crê na existência de um violento e desordeiro a ser abolido dos estádios com o aumento do valor dos ingressos. O diretor já foi duramente criticado pelos torcedores do Bahia por uma declaração do mesmo perfil.

 

O mesmo Avancini destacou que o custo de um jogo na Arena Beira-Rio, do Internacional, dobrou após a reforma e que diante disso o ingresso não está tão caro. “Todo mundo quer falar de jogo barato, mas ninguém tem condições”, apontou. Era recorrente a comparação do preço dos ingressos do futebol aos de cinema nas grandes cidades do país.

 

Outra chave discursiva a ser destacada partiu da fala mais aclamada de todo o evento: “Só fala bem da geral (do Maracanã) quem nunca esteve na geral”, colocou Toninho Nascimento, ex-secretário de Futebol do Ministério dos Esportes. Seguido de palmas, Nascimento reforçou que é preciso superar a romantização desses espaços precários “e medievais” dos antigos estádios.

 

O ex-secretário acabou por replicar a noção convenientemente distorcida das reivindicações dos torcedores por espaços populares nos estádios, que destaca a geral como um mero exemplo de setor democrático e acessível aos torcedores de baixa renda, e não como solução de todos os problemas.

 

Como já era previsto num texto que antecedeu o evento (veja: “Onde vão parar as arenas?“), o debate sobre as novas Arenas foi escorregadio, apesar de alguns pontos surpreendentes.

 

Eduardo Martins, presidente da Associação Brasileira de Arenas (Abrarenas), apontou diversos problemas que interferem no público das novas instalações, como a violência, a qualidade do conteúdo e a proibição de cerveja, mas, assim como Rogério Dezembro (diretor da WTorre e hoje responsável da empresa pelo diálogo com o Palmeiras na sua nova casa), afirmou que o valor médio de R$30 do futebol brasileiro não é alto, porque é preciso cobrir os custos das instalações. A média utilizada está baseada num levantamento da CBF, sem distinção entre Arenas e antigos estádios.

 

Marcelo Frazão, diretor de marketing do Maracanã, declarou que já é um lugar comum afirmar que as Arenas fazem uma “operação reversa”, já que não existia nem demanda nem condições financeiras, que teriam de ser criadas após a conclusão do estádio. O diretor também afirmou que o público não caiu, apenas continua não sendo maior que nas décadas anteriores.

 

Palmeiras e Corinthians foram ovacionados pela opção de promover um plano de sócio-torcedor que gera um ranking de pontuação de torcedores pela sua frequência de comparecimento nos jogos. A ideia é estabelecer quem tem a prioridade nos jogos que atraem públicos maiores. O sistema, no entanto, ainda penaliza torcedores de baixa renda e promove uma associação pelo consumo, sem vantagens diretas em termos de associação civil, como poder de participação política.

 

Por fim, quando perguntei se valor do ingresso, ainda que fosse R$30 de fato, não estaria excluindo o “público família” de baixa renda, a resposta de Eduardo Martins, da Abrarenas, foi direta. “É um desrespeito ao artista cobrar um valor menor do que esse, além de que os custos das Arenas exigem valores mais altos”. Ligando os pontos: adotou-se um modelo inviável para o futebol brasileiro, agora busca-se adequá-lo, punindo o torcedor de baixa renda pelos altos custos das instalações.

 

O balanço final do 4º Business FC é de que o primeiro ano após a realização da Copa do Mundo mostrou que não houve qualquer “legado”. A situação econômica do país causou um entrave no “milagre econômico do futebol”, as novas Arenas não representaram absolutamente nada de positivo para os clubes que as utilizam e os torcedores seguem sendo os principais responsabilizados e acusados pelos problemas. Autocrítica dos businessmen? Zero. A culpa sempre é dos outros.

 

 

Leia também:

Futebol: sócio-torcedor ou buyers-club

 

Irlan Simões é jornalista e editor da Revista REVER, onde este texto foi originalmente publicado.

 

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