Correio da Cidadania

La Mano de Dios nos deixa e se vai o maior

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25 de novembro de 2020. E Diego Armando Maradona nos deixou.

Não dá mais pra fazer nada hoje, o maior de todos partiu. Não é uma polêmica, estou falando do maior que eu vi jogar. E não invento desculpas para não trabalhar, nunca precisei disso pra dar meus pulos.

Dieguito também nunca precisou de desculpa nenhuma pra ser ele mesmo dentro e fora de campo. Trabalhava pesado nas quatro linhas, com um talento divinal carregando o peso todo de uma Argentina nas costas – em 86, 90 e 94.

Sobre 86, Eduardo Galeano disse: “Esse ídolo generoso e solidário tinha sido capaz de cometer, em apenas cinco minutos, os dois gols mais contraditórios de toda a história do futebol. Seus devotos o veneravam pelos dois: não apenas era digno de admiração o gol do artista, bordado pelas diabruras de suas pernas, como também, e talvez mais, o gol do ladrão, que sua mão roubou” – e os deuses do futebol quiseram que esses dois gols fossem justamente contra a Inglaterra, que havia massacrado o orgulho argentino a propósito da aventura maligna de sua ditadura na Guerra das Malvinas.

De 86 nada me lembro, mas em 90, quando Dom Diego deixou Caniggia na cara de Taffarel, eu já era um torcedor de futebol consciente. Ele levou aquela capenga seleção argentina até a final, e sua equipe poderia sim ter vencido a burocrática Alemanha Ocidental.

Naquele ano fiquei conhecendo as proezas da copa anterior, e quatro anos depois, em 94, vi Maradona arrebentando nos primeiros jogos de sua seleção no mundial dos States, e depois sendo caçado e humilhado diante dos milhões quando pego no antidoping. Como disse a um amigo pouco depois de saber da morte de Maradona: “cara, ele fez parte do imaginário de nossa geração, é aquela figura que sempre tivemos de camisa 10 no futebol de botão, que víamos na TV em polêmicas ou acabando com os adversários, é o desconhecido mais conhecido que temos, aquele que a gente achava que nunca ia morrer”.

Galeano, em seus textos sobre Maradona, lembra da importância que ele teve com a camisa do Napoli, na virada dos 80 pros 90. Com seu talento, comandou a redenção do sul pobre contra o rico norte da Itália. O Napoli não ganhava um campeonato há 70 anos, e a “cidade condenada às fúrias do Vesúvio e à derrota eterna nos campos de futebol” se viu vingada e voltou a ter motivos de festa pelas mãos – ou pés, pois no caso de Dieguito não importa muito – do futebol.

Mais uma vez Galeano: “Cada gol era uma revanche histórica. Em Milão, odiavam o culpado de tanta afronta, e ele era chamado de ‘presunto com cachos’. E não apenas em Milão: no Mundial de 1990 [disputado na Itália], a maioria do público castigava Maradona com saraivadas de vaias cada vez que ele tocava na bola, e a derrota argentina diante da Alemanha foi celebrada como uma vitória italiana”. Tenho um grande carinho pelo Napoli hoje em dia: junto com o são-paulino Careca, Maradona fez uma grande dupla por lá.

É impressionante o ódio que se criou em volta desse jogador de futebol, não pelo que fazia em campo, sua genialidade não o permitia apenas jogar, e jogar muito. Ele fazia aquilo que os cartolas do futebol e a imprensa odeiam nos jogadores: pensava e falava o que pensava.

Amigo íntimo de Fidel Castro, sempre se posicionou politicamente, e em certo momento virou o inimigo número 1 da mafiosa FIFA. “Na verdade, não gostam do que ele fala porque, quando fala, Maradona é tão incontrolável como quando joga”, disse o escritor uruguaio. O tamanho da figura, o que ele representa pra milhões de pessoas, e a tristeza por sua morte não me deixam escrever um monte de coisa que queria escrever sobre ele.

Os clichês com os quais me esbaldo só me fazem pensar em seguir Manuel Bandeira e escutar um tango argentino. Não conseguiria escrever nada, e depois de ficar andando pela casa durante 15 minutos com um copo de café na mão e com os olhos úmidos resolvi homenageá-lo com minhas lembranças de infância, do tempo em que aprendi a gostar do esporte mais amado do mundo e tive que pedir ajuda a Eduardo Galeano pra que o texto ficasse um pouco mais interessante.

Obrigado, Galeano! E muito obrigado, Maradona, por tudo!


Ubiratan Bueno é editor, revisor e militante da Transição Socialista.

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