Correio da Cidadania

Vítimas imaginárias

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Créditos: Reprodução/Google

Cronicavírus in Brazil (9)

Ele foi acordado na madrugada da terça para a quarta (18 de junho), da semana passada, pelo centro de comando.

“Meu caro, me desculpe acordá-lo a esta hora”, disse o plantonista, “mas precisamos de você agora mesmo”.

Sem pestanejar, levantou e rapidamente vestiu a farda, os apetrechos militares necessários e subiu no celtinha próprio até a delegacia. Mal tinha dormido duas horas.

Chegando na delega, logo entrou em uma das veraneios selecionadas para a operação. O sono da noite mal dormida se sobrepôs à curiosidade e nem ele nem nenhum dos seus companheiros perguntaram a qualquer um dos superiores responsáveis de que se tratava o chamado. Apenas seguiram. Automaticamente.

Era operação grande e, por osmose, montaram as submetralhadoras e vestiram os coletes antes de engolir aquele caldo de açúcar quente que chamam de café. “Com certeza a tia da copa é amiga da mãe do delegado, não é possível”, reclamava em pensamento o impaciente policial. Mas o clima era pesado, a operação era grande e enquanto os últimos colegas entravam nas veraneios, ele começou a se perguntar de que se tratava.

Alguns veículos da Rede Goebbels e de outros meios estavam estacionados na porta da delegacia. Não estavam lá às dez e meia da noite, poucas horas antes, quando deixara o dia de trabalho anterior. Os chefes, na correria, não ofereciam abertura para a pergunta. Era rádio, celular e gente ocupando-os, tudo ao mesmo tempo.

Mas a cidade é pequena e logo chegaram a uma casa, não muito distante do centro. Bateram à porta e nada. Bateram de novo, e nada. Bateram outra vez e esperaram em silêncio. Nada. Nessas horas, nosso agente pensava na sonhada transferência para a capital. Estava perdido, pensando em um apartamento em Saint Paul City, talvez no bairro de Pine Camps (antiga Pinheiros). Sua esposa iria adorar viver ali, ela não aguentava mais a pacata vida nas montanhas. E enquanto perdia-se nos devaneios gerados por toda a confusão mental da falta de sono e da madrugada inusitada, mal se deu conta quando o Doutor deu a ordem para derrubar a porta.

Levantou a arma na altura do rosto, como vemos nos filmes policiais e, cambaleando, entrou com seus colegas na casa. O lugar parecia vazio.

Nenhum barulho até que adentraram o corredor. Um colega fez o sinal com a mão esquerda para que parassem e escutassem. Um ronco. E foram na direção.

Ao entrarem no quarto, não podiam acreditar naquilo que viam. Era ele, o Gerente Laranja, que há muito não era avistado, e que ajudava a administrar da Fábrica de Água Sanitária do Flavuxinho da Rachadinha, entre outros negócios da familícia.

E, infelizmente, tiveram de levá-lo. E ele, o policial que stalkeamos nesta obra de ficção, não acreditava no que estava fazendo. Um misto de ódio e rancor lhe tomavam de assalto. A expressão de decepção estampada contrastava com a conduta obediente em serviço.

“Se eu soubesse que seria ele, teria dado um jeito de avisar alguém, ou, no mínimo de arrumar um atestado”, pensou, com raiva de si próprio. Fora enganado!

O Gerente Laranja

O leitor deve estar se perguntando por que tanta alusão à cor laranja nestas crônicas. Respondo: mera coincidência. No caso do alaranjado imperador Rambozo, The Original, ele é realmente um palhaço de tons laranjas. A cidade de Laranjaquara, hoje conhecida como a terra dos hackers, um dia foi uma grande produtora de laranjas. Já o New Brazil, em sua ascensão, adotou a cor justamente por conta do Gerente Laranja, que tantos serviços prestou ao longo das últimas décadas e, posteriormente, influenciou alguns termos da novilíngua newbrazilian, bem como renomeações de cidades, como a supracitada, e a cidade na qual, coincidentemente, acharam o Gerente, como veremos a seguir.

Voltando aos fatos: tudo isso acontecia enquanto muitos de nós ainda acordavam para trabalhar. Outros só foram ver as notícias lá pelas oito da manhã, mas a maioria, aqueles que despertam na madrugada e enfrentam perigos mortais como as milícias paramilitares do New Brazil e a pandemia de cronicavírus, em busca do seu ganha-pão, já podiam ouvir nos rádios ou assistir pelas telas dos celulares e padarias as imagens da cinematográfica prisão, da qual nosso anterior agente se sentiu contrariado. Contudo, todos nós, Aqueles que Torcemos Contra e súditos bovinizados, acompanhamos o episódio vidrados. Ao menos nisso tivemos algo em comum.

O Gerente Laranja encontrava-se sem cabelos e muito magro, porém com uma bela pança de cerveja e churrasco, atividades que provavelmente praticava na casa do Adevogado de Laranjaia – inclusive, muito próxima do sítio atribuído a Moluskowski pelo Super-Pato durante a ascensão do programa do Palhaço Bozo – onde foi encontrado.

O Adevogado de Laranjaia, além de natural, residente ou proprietário nesta referida cidade das alturas, nunca soube informar como o Gerente foi parar em sua propriedade. O sujeito em questão integrava parte do setor jurídico do Palhaço Bozo, além de também realizar o mesmo tipo de serviço para o Flavuxinho da Rachadinha e haver ganho alguma notoriedade recente por proferir ameaçadoras anedotas a um jornalista dito soviético.

Mas quem é o Gerente Laranja, esse sujeito a quem o nome não podia ser revelado aos próprios policiais que fariam sua prisão?

Todos já sabemos, mas só a título de nota, elencaremos alguns episódios mais conhecidos do sujeito, que dias depois de guardado se recusava a comer, reclamava de uniformes e mostrava preocupação com sua ‘conja’, que estaria em posse dos cadernos de contabilidade da Fábrica de Água Sanitária do Flavuxinho. Pobre homem. Mais uma vítima imaginária entre os apoiadores do New Brazil.

Sobre a ‘conja’, recomendo que as autoridades responsáveis pelo New Brazil Papers a procurem em algum resort de Guarujá Beach. E caso não a encontrem lá, um antigo governante do velho Rio (agora não precisa do sotaque green-go) já avisou: ‘procurem em Maricá’ (antiga cidade, hoje conhecida como New Marica – agora sim com sotaque green-go).

Mas isso já é outra história e vai depender de como o New Brazil Papers se desenvolverá daqui pra frente. De toda forma, os verdadeiros roteiristas do New Brazil (não este aqui, que apenas relata), nunca falham! Aguardemos as próximas semanas.

E, após alguns loopings, voltemos ao Gerente Laranja e suas atividades: basicamente ajuda na contabilidade do programa do Palhaço Bozo desde antes de passar na Rede Goebbels, bem como das atividades econômicas e paramilitares do Flavuxinho da Rachadinha, no que se refere a sua atuação junto da Loucademia de Milícia e da Fábrica de Água Sanitária de sua propriedade.

O Gerente Laranja, velho amigo do Palhaço Bozo e de toda famílicia, se destacou na imprensa ainda no início oficial do New Brazil, quando foram descobertas dezenas de depósitos por ele realizados para a jovem e loiríssima Senhora Boza. Como a comunicação de depósito não foi em libras, acabou sendo captada pelos ouvidos do Final Boss e foram um dos primeiros casos investigados nos New Brazil Papers (ver últimos episódios).

Na época, a imprensa dita soviética apontou que estes valores poderiam estar relacionados às atividades do supracitado bozinho zero-um. Logo em seguida, o Gerente Laranja desapareceu, pouco antes das investigações do New Brazil Papers serem divulgadas ao público.

Já o falastrão Adevogado de Laranjaia, dono da casa fantasiada de escritório, onde o Gerente apareceu por teletransporte, resolveu absorver os holofotes. E após ter aparecido mais que o próprio Bozo diante das câmeras e feito sucesso com suas palhaçadas retóricas, acabou amassado em um cinzeiro pelo Palhaço Bozo, como se fosse um cigarro importado da Ponte da Amizade.

“Onde está o Gerente Laranja?” – perguntavam as almas que acompanhavam a trajetória do New Brazil. Agora já têm a resposta.

Mas as coisas só melhoram. E no final desta famigerada jornada apareceu justamente a filha do guru do New Brazil (mais conhecido como ‘Otárdo Car’ – ver episódio 7) declarando que fora ela quem denunciara o paradeiro do Gerente Laranja. Como observador, acredito que seja pura cascata, mas é inegável que seria genial se fosse verdade. Viva o New Brazil.

Para finalizar mais esta maldita história, e finalmente seguirmos adiante, transcrevo os conselhos de um desses coaches-gurus da internet ao nosso Gerente Laranja: “Vejam como o nosso querido Gerente Laranja está abatido. Logo ele, um homem proativo, que veste a camisa da firma, exibindo essa tristeza e preocupação toda. Sabem o que é isso? São as Crenças Limitadoras que existem dentro dele saindo da toca. Por que ele não toma uma injeção de Resiliência e empreende umas Lives sobre como passar o tempo na quarentena, assim, de um jeito bastante Truly Human? Seria um Case de sucesso garantido, mas por que ele prefere Be Victimized? Eu respondo: porque ele não acredita mais nesse projeto! E o que temos de fazer com quem não acredita no projeto?”, encerrou fazendo cara feia, deixando a semidúvida no ar.

O autoexílio do Diretor Scheisse e os presos políticos a favor do regime

Quem se despedia, ainda na mesma quarta-feira de cinzas, do programa do Palhaço Bozo foi o Diretor Scheisse. Não sem antes demonstrar mais uma vez todo o seu declarado ódio aos povos negros e indígenas, canetando o fim das cotas nas universidades. E não, não foi o fim das cotas mediante um ótimo trabalho de universalização do acesso às escolas e institutos públicos, longe disso. Foi o puro e simples fim das cotas. Por quê? Porque sim. Lembre-se, não tem muita discussão no New Brazil.

A não ser que atinja algum escudeiro do reich tropical, como o rechaço geral aliado a seu protagonismo no New Brazil Papers derrubaram o Diretor Scheisse. Contudo, muito afeito a ele, o nosso Palhaço Bozo armou sua queda pra cima.

Ainda naquela quarta-feira gravaram um vídeo no qual o Palhaço Bozo fez o papel de estátua, dessas que têm sido derrubadas ao redor do mundo, enquanto o Diretor Scheisse fazia seu último discurso, com voz de choro e ironizando seu próprio papel de vítima.

“Sim, dessa vez é verdade”, declarou, com a voz embargada antes de pedir um abraço ao Palhaço Bozo, que logo encaminhou às escuras seu voo para a Terra da Liberdade, onde também lhe arrumou um emprego em um pequeno bando... digo... em um grande banco.

Mas só descobrimos isso depois que o Diretor Scheisse postou sua sélfi do avião, mandando-nos a todos calar a boca. É curioso o RH deste poderoso bando da Terra da Liberdade ter aceito a indicação do Palhaço Bozo. De certo não observaram o currículo do Diretor Scheisse, como o observou o rechonchudo palhaço do Domingão do Centrão que representa um torcedor do Botafogo. Este famigerado personagem nos lembrou, em uma inserção ao vivo do seu próprio programa, que já faz uma década desde a última experiência do Diretor Scheisse em um bando como aquele e que aquela experiência acabou da pior maneira possível: na quebra.

“Eu sou a pedra e o Palhaço Bozo é o rei Davi”, foi uma das melhores piadas do Diretor Scheisse nesses 18 meses de palhaçadas neonazistas ininterruptas em nossas vida. Certamente ele foi a pedra na vidraça da educação e saúde mental do New Brazil. Mas aparente e infelizmente, dada a distância, ele conseguiu fugir do nosso Urso Soviético (ver últimos episódios), mas ainda podemos contatar atores incendiários de Hollywood para lhe darem uma lição.

ACABou que foi um dos três bozinhos, o Eduxinho Embaixador, quem nos lembrou que o Diretor Scheisse não foi o único injustiçado da vez. A estimulante figura intelectual, que quase se tornou embaixador na Terra da Liberdade, reclamou para a imprensa dita soviética que além de Scheisse, que só não entrou na conta por causa de sua fuga, teríamos mais 4 presos políticos no New Brazil.

Sim, foi exatamente isso que vocês leram. Somos os pioneiros na história da humanidade a produzir Presos Políticos Favoráveis ao Regime. Pobre Loira do Banheiro Nazista. Pobre Gerente Laranja. Pobre ‘Dannyboy Ativista’. Pobre Careca da Segunda-Merda. Tão injustiçados!

“Onde está a Liberdade de Expressão?”, perguntou a Inominável Palhaça da Familícia e Humanos Direitos do alto de sua goiabeira, mas, novamente, não obteve a resposta divina.

E o New Brazil Papers segue seu curso com a aprovação do Final Boss, que vai se fortalecendo para nos encarar a todos um dia. Enquanto isso, o Palhaço Bozo a cada relincho terceiriza ainda mais suas piadas ao vivo.

Nós, o Palhaço e a pandemia

E depois de tudo isso que relatamos por aqui, a semana seguiu no New Brazil dentro da maior normalidade. Robôs mostravam ao mundo como nosso reich é maravilhoso, parecido ao paraíso dos panfletos das Testemunhas de Jeová, que, por sua vez, voltaram a bater em nossas portas. Além disso, no soviete catarinense de Blumen Hauss, onde celebrava-se a abertura de um shopping center com a música do Titanic, os casos de cronicavírus dispararam.

Em Saint Paul, Brazilia DC e na Amazonian Community as coisas seguiram como nas últimas semanas: piorando exponencialmente. Mas está tudo normal nesses lugares. Só dá um pouquinho mais de trabalho para os coveiros, não é mesmo? Como não somos coveiros, qual o problema? Os carros novos dos nossos patrões não podiam esperar!

Isso até que os dados alarmantes de contaminação fizeram com que diversos Palhaços Estaduais, marcados ou não pelo nosso Ursomem Soviético, voltassem atrás na reabertura dos seus respectivos sub-reichs. E após o domingo, onde Aqueles que Torcem Contra novamente tomaram as ruas contra o Programa do Palhaço Bozo e sua audiência bovinizada, a retomada das medidas de restrição começou.

Também pudera. No mundial, mesmo há 40 dias com o técnico interino e ainda sem ultrapassarmos a líder Terra da Liberdade do alaranjado imperador Rambozo, vamos nos aproximando como um foguete. Ele nos observa pelo retrovisor cada vez maiores.

E assim fomos levando, já meio de saco cheio, até a quarta-feira seguinte à captura do Gerente Laranja. E no dia em que este episódio foi escrito, alcançávamos – e apesar da dissimulação do Palhaço Bozo – os 1,3 milhão de casos registrados e nos aproximávamos dos 55 mil mortos. As taxas de crescimento diários de novos casos e novas mortes, essas sim, superam a Terra Liberdade. É uma questão de tempo para assumirmos a liderança. Rambozo que se cuide.

Ou melhor: “É nóis, Queiróiz”, como diz a gíria.

Nota: Dados de contaminação do site World Do Meters: https://www.worldometers.info/coronavirus/ 

Leia os outros episódios da série:

Cronicavírus in Brazil: tudo do pior que podemos apresentar

Cronicavírus in Brazil (2): milicianos, terraplanistas e outros seres da lata de lixo da história rumo ao Hexa!

Cronicavirus in Brazil (3): com vocês, a Namoradinha de Auschwitz - e outras histórias

Cronicavírus in Brazil (4): Tiros, compras e água sanitária

Cronicavírus in Brazil (5): Segue o líder!

Cronicavírus in Brazil (6): Aqueles que torcem contra

Cronicavírus in Brazil (7): New Brazil Papers e o relincho do Palhaço

Cronicavírus in Brazil (8): Dez dias que não abalaram o New Brazil

Raphael Sanz é jornalista e editor-adjunto do Correio da Cidadania.

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