Correio da Cidadania

“Todas as alegações a favor da privatização dos Correios são falsas”

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Empresa abandona negociação e funcionários dos Correios entram | Geral
Foto: Sintecet

Em meio a uma pandemia em que o número de mortes se mantém com uma estabilidade assustadora, o Brasil “pós-corrupção” segue em frente com sua agenda de liquidação do que resta de público e social. Depois da mão do STF para cancelar o Acordo Coletivo, o governo coloca na mesa a privatização dos Correios, velho objetivo dos entusiastas do ajuste fiscal e economistas de uma nota só. A resposta da categoria, que conta mais de 120 mortes na pandemia, é a greve. É sobre tudo isso que entrevistamos Adriano Dias, funcionário da estatal.

“(teríamos) um serviço caro e ruim, que não chegaria a todos os cantos do país. Também quebraria o caráter social da empresa, que usa sua logística e estrutura para entrega de remédios e livros didáticos em diversos locais. O caráter social da empresa será, obviamente, comprometido se a empresa passar à iniciativa privada, que visa apenas o lucro e, com certeza, só vai querer atender às grandes metrópoles e principais municípios. Para os trabalhadores, a exemplo de outras privatizações, teríamos desemprego, redução do salário e combate ao direito de organização, como é habitual nas grandes empresas”, elencou.

Na entrevista, além de rebater todos os argumentos privatistas, Adriano Dias analisa a conjuntura que cerca o debate e lembra da postura negligente da empresa, presidida pelo General Floriano Peixoto, no cuidado com seus funcionários, sonegando números sobre mortes e afastamentos.

“A empresa é muito negligente na pandemia. Tivemos greves sanitárias em algumas unidades, para garantir que os contaminados fossem afastados, as unidades higienizadas e até fechadas. Precisamos de decisões judiciais para garantir o cumprimento do protocolo. A empresa agiu, portanto, de forma condizente com o governo Bolsonaro, já que o presidente da empresa foi indicado por ele. E atua da mesma forma do governo, negando, secundarizando a importância dos fatos...”, criticou.

Do ponto de vista econômico e fiscal, antes de qualquer mudança de postura, existe uma conciliação geral sobre austeridade fiscal, PEC que reduz salários no meio da pandemia, PEC do orçamento de guerra, reformas como a da Previdência...

Adriano também lamenta a falta de oposição real ao projeto de governo, o que permite um governo cercado de incompetência política e corrupção em seu núcleo duro estirar a corda.

“Independentemente das posturas bélicas de Bolsonaro performadas ali no cercadinho do Planalto, ele já tem acordos com o congresso sobre questões fundamentais. O fato concreto é que não existe uma oposição combativa no país, que enfrente de forma cotidiana o governo. Na verdade são muitas posições confluentes”.

A entrevista completa com Adriano Dias pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Por que os Correios deflagraram greve? A proposta de privatização é o principal motivo?

Adriano Dias: Por causa de duas brutalidades. A primeira foi a liminar que a empresa conseguiu no STF, a mudar a vigência do Acordo Coletivo que passou de 2 para 1 ano. A liminar de Toffoli permitiu essa redução de tempo, o que fez o acordo acabar em 31 de julho.

A segunda, mais pesada, é a proposta apresentada pela empresa na campanha salarial, com a retirada de 70 cláusulas do Acordo Coletivo. Significa redução drástica dos nossos benefícios, que têm sido a base dos rendimentos dos trabalhadores, já que não temos tido ganhos reais.

Os ataques significam redução do vale-alimentação, aumento do compartilhamento (desconto em vales, como o vale-cultura, que acabaria); fim da gratificação de férias, fim do auxilio-especial dado a empregados especiais, redução da idade da criança com direito a auxilio-creche, que cairia de 7 para 5 anos de idade...

Como disse, tais benefícios são base do nosso rendimento, uma vez que não temos ganho real há tempos e em muitos casos a perda de poder aquisitivo do salário já é de 50%.

Tamanha brutalidade está vinculada à política de privatização; atacam-se direitos, benefícios, custos de mão de obra, a fim de barateá-la e facilitar a privatização. Os ataques, em resumo, estão vinculados à ideia de privatizar os Correios. A greve conecta, portanto, esses dois aspectos.

Correio da Cidadania: Por que o acordo coletivo foi derrogado e qual a sua importância para os trabalhadores?

Adriano Dias: O Acordo Coletivo foi derrogado para permitir que a empresa apresentasse essa proposta de retirada de benefícios e diminuísse as cláusulas. O dissídio de 2019 valeria para dois anos, o único que poderíamos discutir seria o reajuste. O Acordo derrogado permite alteração nos benefícios e aplicação da política de ajuste nos Correios.

Não é só a questão econômica: tem saúde do trabalhador, estabilidade do trabalhador da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). Querem retirar tudo, nos aspectos econômicos e sociais. O Acordo garantia que a proposta não fosse apenas verbal, e se os Correios descumprissem alguma coisa poderíamos recorrer ao documento. É a nossa defesa para quando a empresa descumpre sua parte.

Correio da Cidadania: O que pensa das alegações para a privatização dos Correios?

Adriano Dias: São todas falsas. Eles começam falando que temos monopólio no serviço postal. Mentira. Existem muitas empresas no setor. A questão é que os Correios não apenas são mais baratos como entregam em todo o país. A questão é que a concorrência é pior, mais cara e não entrega em todos os municípios.

O segundo ponto é o suposto prejuízo nos últimos três anos. Outra mentira, a empresa é lucrativa. Com a pandemia e o crescimento do comércio eletrônico a perspectiva de lucro é até maior, como já visto no primeiro trimestre do ano.

O problema é que temos uma empresa onde o presidente ganha 45 mil reais e os seis diretores ganham 40 mil, e a empresa não investe justamente pra facilitar o discurso privatista.

Outra mentira é a de que a população banca a empresa. É o contrário, a empresa não recebe um real da população, até sustentamos o Tesouro Nacional em certo período. No governo Dilma a empresa deu 6 bilhões de reais entre lucros e dividendos.

A quarta é que o serviço vai melhorar. Claro que não, isso nunca aconteceu nas privatizações. Será que o serviço vai mesmo continuar funcionando do Oiapoque ao Chuí? Já deu pra ver várias empresas privadas que na pandemia não se caracterizam pelo serviço de qualidade.

Todas as alegações são falsas: o único objetivo do governo Bolsonaro é entregar uma empresa rentável para algum aliado do mercado.

Correio da Cidadania: Quais seriam as consequências dessa eventual privatização?

Adriano Dias: Um serviço caro e ruim, que não chegaria a todos os cantos do país. Também quebraria o caráter social da empresa, que usa sua logística e estrutura para entrega de remédios e livros didáticos em diversos locais, garantindo, por exemplo, o ENEM.

O caráter social da empresa será, obviamente, comprometido se a empresa passar à iniciativa privada, que visa apenas o lucro e, com certeza, só vai querer atender às grandes metrópoles e principais municípios. Não vai querer ir aos locais mais distantes. Isso no imediato.

Para os trabalhadores, a exemplo de outras privatizações, teríamos desemprego, redução do salário e combate ao direito de organização, como é habitual nas grandes empresas.

Correio da Cidadania: Qual a estratégia de vocês para manter a greve em meio à pandemia?

Adriano Dias: Uma greve neste contexto dificulta a organização. Até porque uma parte da categoria está afastada pelo covid-19. Pelo tamanho do ataque, a principal estratégia é a mobilização, que geralmente são atos e piquetes. A maioria das assembleias foi presencial, cerca de 80%, enquanto as outras foram virtuais.

Tivemos atos em algumas cidades do país, como BH e Vitória. A principal estratégia, mesmo no meio da pandemia, é a mobilização, pois não existe outra forma de derrotar essas brutalidades senão através da luta. A estratégia é manter os atos e piquetes, fortalecer a greve, convencer os que ainda não estão convencidos e aumentar ainda mais a força do movimento, para assim impor uma derrota ao governo Bolsonaro e à direção da empresa.

Correio da Cidadania: Qual a postura da empresa diante da pandemia e como ela afetou trabalhadores e serviços?

Adriano Dias: A empresa é muito negligente na pandemia. Tivemos greves sanitárias em algumas unidades, para garantir que os contaminados fossem afastados, as unidades higienizadas e até fechadas. Precisamos de decisões judiciais para garantir o cumprimento do protocolo. A empresa agiu, portanto, de forma condizente com o governo Bolsonaro, já que o presidente da empresa foi indicado por ele. E atua da mesma forma do governo, negando, secundarizando a importância dos fatos...

A empresa não fornece o número de mortos e contaminados. O sindicato precisa fazer um serviço próprio, cuja contagem atinge mais de 120 mortos por covid-19. É a absurda a postura da empresa na pandemia.

É óbvio que tal processo de contaminação e afastamento de trabalhadores afeta os serviços. Estamos na linha de frente, nas ruas, lidando com as pessoas. Claro que tem impacto. Mas é importante a população saber que a responsabilidade do serviço é da empresa, que sucateou, tirou dinheiro e não se preparou para a pandemia, ao menos para entregar o essencial, como remédios.

A empresa quis funcionar normalmente, foi negligente para garantir lucros que depois não são repassados para os trabalhadores. A empresa não se preparou nem para cuidar de seus trabalhadores nem para garantir os serviços mais importantes. E como não tem concurso desde 2011, sofremos bastante com a grave crise sanitária nos dois aspectos aqui mencionados.

Correio da Cidadania: O que pensa da noção recém-empacotada pela grande mídia de que Bolsonaro, depois de tantas atitudes abertamente criminosas, inclusive a revelação de sua vontade de tramar golpe de Estado, como mostrou a Revista Piauí, estaria aprendendo a se “conciliar”, “negociar”, “dialogar”, inclusive com o até outro dia execrado centrão? Como enxerga a oposição a seu governo de modo geral, tanto à direita como à esquerda?

Adriano Dias: Primeiramente, é importante destacar que Bolsonaro não mudou seu perfil autoritário e suas ideias. Continua entusiasta da ditadura militar e de gente como Ustra. Basta ver o dossiê sobre os antifascistas na máquina pública.

Acontece que ele busca saídas das sucessivas crises, expressadas na investigação de seu filho Flavio, a prisão de Queiroz e sua esposa, fundamentais para revelar o que é a carreira política de Bolsonaro. É essa imagem que ele não quer desgastar.

Do ponto de vista econômico e fiscal, antes de qualquer mudança de postura, existe uma conciliação geral sobre austeridade fiscal, PEC que reduz salários no meio da pandemia, PEC do orçamento de guerra, reformas como a da Previdência...

Independentemente de suas posturas bélicas performadas ali no cercadinho do Planalto, ele já tem acordos com o congresso sobre questões fundamentais.

Claro que tem a contradição de seu discurso de campanha, que falava em nova política e coloca o centrão em cargos chaves do governo, a exemplo da recriação do Ministério das Comunicações, entregando o cargo a Fabio Faria, ligado a Kassab. Tem a relação com Roberto Jefferson... Várias coisas que demonstram que o governo vive em contradição total com seu discurso eleitoral.

Vejo assim: a oposição em geral não combate o governo. Há muito acordo sobre o ajuste fiscal. No início da pandemia os governadores estaduais tentaram se diferenciar, mas hoje já querem abrir tudo. E não falo só da oposição de direita. O fato concreto é que não existe uma oposição combativa no país, que enfrente de forma cotidiana o governo. Na verdade são muitas posições confluentes.

Por exemplo: na MP 936 a oposição votou a favor, uma medida que suspende salários e contratos. Inclusive falamos disso na campanha dos Correios, já que muitos estão com salários reduzidos. O ajuste fiscal representa o autoritarismo na economia e existe pouca oposição real a isso.

As pesquisas que aferem o aumento da popularidade de Bolsonaro são consequência disso. Ninguém de fato faz enfrentamento à agenda política do governo, em muitos casos até reproduzem em escalas municipais e estaduais. Uma oposição que não quer ir pra rua, não quer construir um enfrentamento maior e frequentemente segue as mesmas políticas, a exemplo da postura na pandemia e nos ajustes fiscais.

A greve dos Correios mostra que a única forma de impor derrotas ao governo é na luta. E, com todos os cuidados, ir para a rua. A única forma de arrancar uma quarentena geral é na luta. O projeto é categórico: retirar direitos, com ou sem pandemia. Não estão nem aí para nós, vão seguir na agenda de cortar tudo. E não vejo a oposição disposta a organizar trabalhadores para irem às ruas e derrotar o governo, pra não falar em derrubar Bolsonaro e Mourão.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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