“Governo usa pandemia para retirar direitos históricos da nossa classe, conquistados ao longo de três décadas”
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- Gabriel Brito, da Redação
- 15/09/2020
A greve dos funcionários da Empresa de Correios e Telégrafos continua, enquanto as mortes entre os trabalhadores também se acumulam. No caso da estatal, já são cerca de 150 vidas perdidas, dentro de um contexto onde se teve de ir à justiça para obrigá-la a ceder equipamentos de proteção. No meio disso, a intervenção do poder judiciário no Acordo Coletivo da empresa e o notório movimento do governo em facilitar sua privatização. É sobre isso que entrevistamos Sergio Luiz Pimenta, secretário geral do Sindicato dos trabalhadores de Correios região de São José do Rio Preto.
“O governo propõe a retirada de 70 cláusulas do Acordo Coletivo, com a clara intenção de retirar direitos e tornar a venda da estatal mais atrativa e menos problemática para os futuros investidores que já estão alinhados há algum tempo com este governo. Tenta ainda jogar a população contra os trabalhadores que lutam pelos seus direitos em meio à pandemia”.
Na conversa, Pimenta rebate a argumentação privatista e ressalta o caráter discricionário da decisão do STF que considerou o Acordo Coletivo de 2019 inconstitucional, enquanto funcionários de Banco do Brasil e Caixa celebraram acordos semelhantes. Por fim, critica uma política mais voltada ao jogo eleitoral do que às mudanças profundas da sociedade.
“A oposição é minoria e está fazendo o papel dela, mas temos várias divergências políticas e ideológicas com supostas oposições, se consideramos que já foram governo e tivemos de lutar todos os anos em prol da nossa categoria. A nós, o que dificulta a vida da população e dos trabalhadores, é o sistema político que impera na suposta democracia brasileira, baseado no toma lá da cá”.
A entrevista completa com Sergio Luiz Pimenta pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Que análise você faz da greve dos Correios até aqui? Qual a abrangência da paralisação?
Sérgio Luiz Pimenta: Nossa análise é de que a greve teve uma grande abrangência, mesmo dentro de segmentos da nossa categoria que aderiram em greves anteriores, o que demonstra o tamanho do ataque do governo aos trabalhadores.
Correio da Cidadania: Há diálogo com o governo e a diretoria da empresa?
Sérgio Luiz Pimenta: Não, a empresa apresentou uma única proposta desde o início das negociações, que começaram em agosto.
Correio da Cidadania: Quais as exigências básicas da categoria?
Sérgio Luiz Pimenta: O comprimento do Acordo negociado no TST em 2019, onde foi determinado o reajuste salarial e de benefícios pelo índice do INPC e com validade para 2 (dois) anos e a luta contra a privatização de uma estatal autossuficiente e de grande cunho social.
Correio da Cidadania: Como vocês descrevem a relação com as chefias neste momento e a gestão da estatal nestes quase dois anos de governo Bolsonaro?
Sérgio Luiz Pimenta: As chefias da empresa, distribuídas em seus vários segmentos, que vão desde a administração central até gerentes das unidades de distribuição, sempre seguem as determinações do governo, seja ele de direita e/ou esquerda.
Correio da Cidadania: O que pensa das alegações em favor da privatização?
Sérgio Luiz Pimenta: Penso que são inverídicas e propositais, distorcem totalmente a realidade. Visto que a ECT não dá prejuízo para o Tesouro Nacional, mesmo porque nesse primeiro semestre a empresa apresentou um lucro líquido de mais de 670 milhões.
Quanto à questão mais explorada diante da população/clientes (atraso nas entregas) queremos ressaltar que o último concurso público nos Correios data de 2011 e que até essa data tínhamos 150 mil trabalhadores; hoje temos 85 mil graças aos planos de demissões incentivados.
Mesmo assim ano após ano fechamos com lucratividade e prêmios de melhor logística. Os Correios são quem mais entrega encomendas no Brasil, considerado uma das três melhores empresas do mundo por quem analisa o setor. E cabe considerar que o país tem dimensões continentais de bastante adversidade geográfica.
Correio da Cidadania: Como analisa a tentativa de privatizar a empresa e cortar direitos e salários em meio a uma pandemia?
Sérgio Luiz Pimenta: É a política desse governo que usa do advento da pandemia para retirar direitos históricos da nossa classe, conquistados ao longo de três décadas.
É a política desse governo para classe trabalhadora e não somente para os trabalhadores dos Correios, visto que a pandemia está sendo usada como pano de fundo para justificar o desmonte do nosso Acordo Coletivo que tem 79 cláusulas econômicas e sociais.
O governo propõe a retirada de 70 destas, com a clara intenção de retirar direitos e tornar a venda da estatal mais atrativa e menos problemática para os futuros investidores que já estão alinhados há algum tempo com este governo. Tenta ainda jogar a população contra os trabalhadores que lutam pelos seus direitos em meio à pandemia. Vale salientar que se a ECT respeitasse o acordado em 2019 só iríamos voltar à mesa de negociação em 2021.
Correio da Cidadania: Como foi a vida dos funcionários nestes seis meses de pandemia?
Sérgio Luiz Pimenta: Preocupante, já que para conseguir os EPIs (equipamentos de proteção individual) todos os sindicatos tiveram que ingressar na justiça para que a ECT fornecesse itens básicos, exigidos pela OMS para proteção dos trabalhadores que exercem as atividades atendendo o público em geral, tanto na distribuição (carteiros) como na captação (atendimento em agências).
A empresa abriu a possibilidade de funcionários considerados do grupo de risco exercerem suas atividades remotamente, mas descontou alguns adicionais dos mesmos, o que propiciou que muitos, mesmo sendo considerado do grupo de risco, retornassem ao trabalho devido aos descontos. Outro agravante foram as mais de 150 mortes dentro da nossa categoria.
Correio da Cidadania: A greve dos Correios se conecta com outras lutas sociais e trabalhistas deste momento?
Sérgio Luiz Pimenta: Deveria, mas infelizmente a única categoria de funcionários de estatais em greve são os trabalhadores dos Correios. Os bancários da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil acabaram de fechar um acordo com reposição da inflação e validade de dois anos.
A empresa recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) em relação à validade de dois anos do nosso acordo negociado em 2019 e estranhamente a corte considerou o acordo inconstitucional. Os bancos citados acima também são empresas estatais, de modo que fica evidente a intenção do governo em relação à privatização dos Correios.
Correio da Cidadania: Como vocês enxergam o papel desempenhado pela oposição ao governo federal neste cenário?
Sérgio Luiz Pimenta: A oposição é minoria e está fazendo o papel dela, mas temos várias divergências políticas e ideológicas com supostas oposições, se consideramos que já foram governo e tivemos de lutar todos os anos em prol da nossa categoria. A nós, o que dificulta a vida da população e dos trabalhadores, é o sistema político que impera na suposta democracia brasileira, baseado no toma lá da cá.
Correio da Cidadania: A oposição não está demasiadamente focada na via institucional e eleitoral?
Sérgio Luiz Pimenta: De certa forma sim, os grandes partidos que deveriam ser o fiel da balança não são ideológicos e sim fisiológicos, pois para chegar lá, ou quando chegam, se aliam aos grandes empresários e querem vender a ideia de que a eleição resolve todos os problemas do país/povo.
A nosso ver ou se muda o sistema estabelecido, defendido por todos de direita e esquerda no momento, vide a distribuição de verbas do fundo partidário, à qual ninguém se opôs, ou estamos fadados a ficar à mercê destes "politiqueiros".
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Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.