Correio da Cidadania

Renata Souza: “é tempo de lutar pelas instituições e não abandoná-las”

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About Renata Souza - Renata Souza
Debaixo da pandemia do novo coronavírus, o Brasil passará por um inusitado processo de eleições municipais: praticamente não haverá campanha fora das plataformas midiáticas, sejam as tradicionais, sejam as mais recentes. No Rio de Janeiro o quadro é ainda pior, uma vez que os contágios voltaram a crescer, enquanto a cidade vê governador (já afastado) e prefeito mergulhados em esquemas de corrupção e autoritarismo. É sobre a capital carioca e suas principais necessidades que o Correio publica entrevista com Renata Souza, candidata a prefeita pelo PSOL.

“Eu posso citar muitas necessidades, mas vou escolher a saúde, pelo momento e por tudo que a pandemia expôs, e a necessidade de recompor o orçamento da cidade em meio à maior crise econômica da minha geração.
Vamos contratar emergencialmente 200 equipes de Saúde da Família já em 2021”, afirmou.

Na entrevista, Renata ataca o governo por perder dinheiro ao qual a cidade tinha direito de acessar e elenca algumas fontes de financiamento da esfera pública recentemente negligenciadas. Também destaca outras políticas sociais a serem colocadas em marcha, inclusive o que chama de “Renda Básica Carioca”, e é taxativa em defender a luta pelas instituições num momento de enfraquecimento da democracia e da própria sociedade.

“A democracia está em risco e não vamos abrir mão dela. Nesse sentido, apostar na renovação dos quadros políticos ajuda o Rio a ganhar pluralidade. Pluralidade é também apostar em um amplo processo de participação dos movimentos de base, fortalecer os conselhos e garantir voz para os setores historicamente marginalizados”, explicou.

A entrevista completa com Renata Souza pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Como enxerga a conjuntura eleitoral em meio à pandemia? Como será fazer campanha?

Renata Souza: Antes de tudo, é preciso ter responsabilidade neste momento. Cabe a nós colocar a preservação da vida na frente de ações eleitorais que possam trazer risco. Cabe a todos os candidatos a tarefa de seguir a ciência, exemplo que já não esperamos do negacionista Bolsonaro - e ele nunca nos decepciona! Teremos um desafio de chegar a todos e a todas com as limitações da pandemia, mas acho que estamos conseguindo com alternativas tecnológicas e criatividade.

Correio da Cidadania: Existe perspectiva de um alto índice de abstenções no dia da eleição? Isso poderia favorecer algum grupo ou espectro político?

Renata Souza: Acredito que prejudica a todos. Enfraquece a democracia e a representatividade dos eleitos se a abstenção for alta. Esperamos que isso não aconteça, que a justiça eleitoral e todos os eleitores tomem todas as precauções para comparecimento às urnas.

Correio da Cidadania: O que sua candidatura representa em termos gerais?

Renata Souza: O interesse público como prioridade maior. Olhar para a população que acorda cedo todo dia para pegar ônibus lotado. Enxergar as mulheres que lutam por um atendimento de saúde digno para seus filhos, para aquelas que precisam de vaga na creche, para quem precisa de trabalho, para as professoras que atendem nossos filhos, para as profissionais de saúde que enfrentam as condições precárias de trabalho no SUS.

Eu sou da favela, nascida e criada na Maré. Vivi todo o impacto que essas lacunas do poder público causam da vida do trabalhador. É justamente isso que não posso permitir que continue. Existe também outro aspecto na minha candidatura: o Rio precisa romper com um ciclo perverso de um grupo que se perpetua no poder há mais de duas décadas e que, de alguma forma, se retroalimenta.

Garotinho, Cabral, Pezão, Paes e Crivella se construíram com bases políticas comuns e são mutuamente responsáveis pelo caos econômico e social que vivemos. Todos já estiveram juntos no palanque eleitoral em diferentes momentos. Witzel, que se vendeu como algo da antipolítica, logo se associou ao mesmo grupo e, não à toa, tinha no Pastor Everaldo e em outras figuras carimbadas da política fluminense um amplo esquema de corrupção.

É preciso ter ousadia e responsabilidade para propor mudanças profundas. Estou aqui para mostrar que existe opção para além do bolsonarismo, que se utiliza de ferramentas fascistas para esconder a sua incompetência, e também dos pseudo-administradores de sucesso que se venderam à corrupção e entregaram a cidade a um pequeno setor de empresários.

Correio da Cidadania: Quais as principais necessidades do Rio de Janeiro no momento? Quais políticas públicas merecem prioridade?

Renata Souza: Eu posso citar muitas necessidades, mas vou escolher a saúde, pelo momento e por tudo que a pandemia expôs, e a necessidade de recompor o orçamento da cidade em meio à maior crise econômica da minha geração. A prefeitura do Crivella já perdeu mais de 212 milhões de reais em créditos que prescreveram na Justiça. E a Procuradoria-Geral do município, responsável pelas cobranças, conta com apenas 9 procuradores para cuidar de 600 mil processos. A quem interessa beneficiar grandes devedores e bancos, deixando milhões e milhões de reais em processos prescreverem?

Por meio de um plano arrojado de melhoria da gestão e da arrecadação, vamos arrecadar 17,8 bilhões de reais a mais ao longo de 4 anos para financiar nossos programas e recuperar o caixa da prefeitura. Só os bancos devem 1,6 bi, esses mesmos que negaram e dificultaram crédito a pequenos e médios empresários bem no meio da crise. Vamos cobrar 13,6 bilhões de reais de grandes devedores que segundo auditoria da própria Secretaria de Fazenda, esse é o total da dívida com boa capacidade de recuperação.

A partir disso vamos desenvolver uma série de políticas para melhoria da qualidade dos serviços públicos e redução das desigualdades; como o Renda Básica Carioca, transporte gratuito, moradia popular e um fundo para ampliar o acesso à creche.

Mas quero fazer um destaque para saúde. Vamos contratar emergencialmente 200 equipes de Saúde da Família já em 2021. O atendimento sofreu um desmonte pelo Crivella, com demissões de mais de 6 mil profissionais. Também vamos resolver a fila de espera das consultas, exames e cirurgias do Sistema de Regulação Ambulatorial com intervenção inteligente, com tecnologia, mapeamento dos casos e ampliação da oferta.

Vamos resolver o máximo possível dos casos nas Clínicas de Atenção Primária, acabar com a fila para os casos mais graves e reduzir significativamente a espera para os casos eletivos. Hoje tem mais de 360 mil pessoas na fila à espera por atendimento.

Correio da Cidadania: O que comenta da gestão de Crivella à frente da cidade?

Renata Souza: O caso dos guardiões do Crivella é simbólico: o prefeito se acha no direito de usar funcionários pagos com dinheiro público para agirem como uma polícia particular e calar a população e a imprensa. Isso é agir fora da lei, da responsabilidade que o cargo exige e da democracia. Com uma votação apertada, a Câmara de Vereadores perdeu a oportunidade de aceitar nosso pedido de impeachment e ajudar a cidade a abrir novo ciclo.

Uma semana depois, o mesmo prefeito é alvo de um pedido de busca e apreensão, em sua casa e gabinete, para apurar suspeita de formação de um “QG da Propina” junto com seu suplente na vaga do Senado, o empresário Rafael Alves e com Mauro Macedo, ex-tesoureiro da campanha de Crivella ao Senado, e delatado por receber propina da Fetranspor. Essa gestão é uma vergonha e uma covardia com a população. Crivella é incompetente. O Rio é dos piores lugares do mundo em contágio por Covid-19 e já soma quase 17 mil mortos.

A gestão foi péssima, com pouquíssimos testes, nenhum rastreamento e hospitais de campanha que foram um desperdício de dinheiro. Diz ser tão amigo do Bolsonaro, mas Crivella não conseguiu liberação dos leitos federais na cidade.

Correio da Cidadania: Como a eleição da sua cidade dialoga com o contexto geral que vive o país?

Renata Souza: É importante lembrar que a situação econômica e social não era boa antes da chegada da pandemia. Claro que o problema se amplia e se acelera muito. Mas as reformas iniciadas no Governo Temer – e aprofundadas com requinte de perversão no Governo Bolsonaro – colocam a vida da população em condições ainda piores. Vamos negar que o teto dos gastos ajudou a precarizar ainda mais o Sistema Único de Saúde (SUS)? Mas que sem o SUS o número de mortos seriam ainda maiores? Vamos negar que a Reforma Trabalhista que precarizou ainda mais a vida do trabalhador não gerou emprego em massa como prometido? Que a opção de Guedes e Bolsonaro para Reforma da Previdência não colocou a economia do país em velocidade de cruzeiro? Que o valor do auxílio emergencial proposto inicialmente pelo Governo Federal foi de 200 reais?

É na cidade que as pessoas vivem. É na cidade que os serviços públicos são oferecidos. Querendo ou não, as consequências dessas opções recaem sobre a prefeitura. Quando os partidos do Crivella e Paes votam medidas que restringem direitos, eles também são responsáveis pelos desmontes e a piora da vida do povo carioca. Não lembro de ver o prefeito Crivella questionar, por exemplo, as consequências no teto dos gastos nas transferências do governo federal para o Rio.

Outra questão que nos é cara: a obrigação de combater um governo que pratica o fascismo, o negacionismo e persegue a imprensa. Temos a responsabilidade aqui no Rio, onde o bolsonarismo surgiu, de liderarmos essa oposição e derrotar os grupos que se aliam a Bolsonaro. Além disso, não podemos achar normal ter como base política o apoio de grupos e figuras que historicamente se constituíram a partir das relações com as milícias na cidade.

Correio da Cidadania: Nesse sentido, você não sente falta de um projeto alternativo ao que se aplica no país nos últimos anos, em especial desde o impeachment de Dilma?

Renata Souza: Precisamos aprender com nossos erros. Marcelo Freixo, com quem trabalhei durante quase 10 anos e cujo trabalho dei continuidade como deputada estadual na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia do Rio, sempre lembra que o campo da esquerda se esquivou de fazer debates centrais, como a questão da segurança pública, hoje amplamente dominada por setores conservadores.

Perdemos algumas oportunidades importantes, mas sempre é tempo de rever e se reorganizar. Essa é a graça da democracia e razão pela qual não podemos abrir mão de nenhum milímetro de nossas liberdades. Somos bons em dizer o que não queremos, mas precisamos construir sínteses sobre o que queremos e como faremos. Tem muita iniciativa boa e acúmulos históricos importantes.

Já superamos as dificuldades e garantimos a existência do SUS, do SUAS e outras políticas universais. A Constituição de 1988 é referência desse exercício, com todas as limitações e avanços. No Rio, em especial, de onde falo com maior propriedade, o nosso distanciamento da base Garotinho, Cabral, Crivella e Paes nos permitiu a construção de amplos debates galgados na participação de movimentos sociais urbanos importantes.

Ao ser resistência a um processo extremamente elitista e violento, o PSOL construiu um amplo programa para a cidade e se transformou em um espaço importante de renovação de quadros. Conseguimos nos transformar na maior força de esquerda da cidade, com seis vereadores, cinco deputados estaduais e quatro deputados federais.

Correio da Cidadania: É possível viver e apresentar tal projeto alternativo apenas pela via institucional? A esquerda não está demasiadamente focada nesta via?

Renata Souza: Queria deixar claro que não há saída sem apostar na democracia. A solução da política está na própria política. Não adianta forjar figuras como Witzel, que teve vitória eleitoral usando a persona antipolítica, mas que, no fundo, reproduziu velhos esquemas de corrupção e ainda vestiu uma roupagem antidemocrática por se achar acima do bem e do mal. Na primeira crítica contundente, pediu a cassação do meu mandato. Resultado; sofreu um impeachment com menos de dois anos de governo.

Bolsonaro sempre foi o esgoto da política parlamentar por quase 30 anos. Ele reproduziu as piores práticas elegendo todos os seus filhos, da maneira mais fisiológica possível. Além de apoiar e defender abertamente as milícias do Rio de Janeiro, foi do partido do Maluf sem nunca ter feito qualquer questionamento. O seu filho 01, investigado por enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro, foi base do governo Cabral. Mas a criminalização da política e uso constante de fakenews o transformaram em algo que nunca foi.

É tempo de lutar pelas instituições e não abandoná-las. A democracia está em risco e não vamos abrir mão dela. Nesse sentido, apostar na renovação dos quadros políticos, como mencionei, ajuda o Rio a ganhar pluralidade. Pluralidade é também apostar em um amplo processo de participação dos movimentos de base, fortalecer os conselhos e garantir voz para os setores historicamente marginalizados.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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