Correio da Cidadania

Por que Trump não fez a América grande outra vez

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40 Wall Fortunes Rise Again - WSJ
Em um seminário realizado pela Escola de Ciências Sociais Henry George, publicado no sítio The Saker, o economista estadunidense Michel Hudson, em conversa com o jornalista Pepe Escobar explicou por que os Estados Unidos estão em queda e em crise constante. Segundo ele a riqueza produzida lá não é mais feita pela industrialização, mas financeiramente, através de ganho de capital. Ou seja, o país gira na roda financeira, através do aumento do preço dos imóveis, ações e títulos e não investe mais no setor produtivo. Isso significa que não há trabalho e sem trabalhador não há produção de valor.

Existe apenas 1% entre os mais ricos que se adona desse processo de financeirização e foi esse grupo que conseguiu crescer, mesmo na pandemia, quando seus membros conseguiram abocanhar mais de um trilhão para suas fortunas pessoais. Lá, o mercado de ações está em alta enquanto o mercado imobiliário está em baixa e toda a economia em queda. A importação de produtos chineses cresce bastante porque os Estados Unidos deixaram de produzir. “Não fazemos mais nem nossos sapatos. Não fazemos porcas, parafusos, não fazemos mais produtos industriais. O dinheiro é usado para comprar e vender empresas e não mais para aumentar a produção”, diz o economista.

Para a maioria dos trabalhadores a situação é de tragédia. Hudson explica que os gastos com moradia nos EUA consomem mais de 40% do salário médio dos trabalhadores, outros 15 % vão para previdência social e seguros médicos, outros 10% vão para impostos. As famílias que têm empréstimos estudantis - educação é privada – vivem na corda bamba, pois os juros são altíssimos e pesam demais no bolso. Muitos ficam inadimplentes, acumulando dívida sobre dívida. Isso significa que o trabalhador não pode consumir.

Conforme análise de Michel os Estados Unidos se afastaram definitivamente do capitalismo industrial para financiar o capitalismo financeirizado e por conta disso agora estão em derrocada. Justamente por isso que Trump não poderia recuperar a vida do cidadão mediano, que precisa do emprego.

O contrário dessa estratégia é o que está fazendo a China. Lá, eles estão criando os meios de produção e uma estrutura autônoma capaz de interligar a região e manter as relações comerciais aquecidas, sem depender do mar. Um exemplo disso é o projeto Cinturão de Estradas (Belt on Road) que liga a China com países vizinhos e distantes. “Eles fizeram uma estrada de ferro gigante, e o ocidente critica dizendo que em todo mundo as ferrovias dão prejuízo. Mas eles não a fizeram para ter lucro. A estrada faz parte da estratégia geopolítica que é a de criar uma região próspera”. É outra lógica.

Segundo Hudson, a China hoje oferece educação a baixo custo, investe em ferrovias, aeroportos, na construção de cidades. O governo fica com a maior parte dos custos e isso significa que os empregadores não precisam pagar altos salários aos trabalhadores. Se há saúde gratuita, educação gratuita e moradia de baixo custo, o salário, mesmo baixo, serve para o consumo de bens. Funciona para os patrões e para os trabalhadores. A China também não banca qualquer elite bancária - como faz os EUA - visto que seus bancos são públicos e têm uma política de empréstimo que não enforca quem precisa.

Agora, explica Hudson, a China está discutindo como desenvolver as regiões rurais sem cair na mesma armadilha em que caíram as regiões nos Estados Unidos que acabaram alugando terras a empresas por mais de 70 anos e perderam sua capacidade de investimento. Outra coisa que se está aprendendo com os erros dos EUA é não criar uma camada intermediária de financiadores de imóveis e evitar especulação.

Para o governo chinês é fundamental que a moradia siga sendo de baixo custo. Ele cita como exemplo a crise de 2008 nos EUA, quando mais de 10 milhões de famílias perderam suas casas por conta das hipotecas-lixo. Lá, naqueles dias, o governo salvou os bancos e abandonou as famílias. Ou seja, ajudou quem fraudou. “Agora, por causa da pandemia, mais cinco milhões de estadunidenses perderão suas casas, porque perderam o emprego”.

Pois Trump não tornou a América grande de novo e ainda deixa um enorme déficit para o novo presidente, que já anunciou: “vamos executar um equilíbrio orçamentário”. O que ele está querendo dizer é que vai aumentar o desemprego em 20%, os salários ficarão mais baixos em 20%, e a economia será reduzida em cerca de 10% para que os bancos não percam dinheiro.

Biden vai aumentar a privatização e vender os hospitais, as escolas, os parques, o transporte, tudo isso para financiar capitais financeiros de Wall Street. “Os Estados Unidos privatizam tudo porque dizem que investimento público é socialismo. Não é. É capitalismo industrial. A China captou essa mensagem”. Segundo Hudson, a aposta do governo na bolha financista é o que tem levado o país ladeira abaixo.

O economista estadunidense conta que agora, com a pandemia, o programa COVID dos EUA foi de US$ 10 trilhões. Desse total, apenas dois trilhões foi para acudir a população com uma renda emergencial. Os oito trilhões restantes foram usados para apoiar os preços das ações e títulos, mantendo a ilusão de que a economia não tinha parado de crescer. “Bem, está crescendo para uns 5%, não para a maioria. Então, tudo lá se tornou fictício. E se você olhar para o PIB como eu disse, é fictício”.

Esse é universo que Biden vai herdar, o qual também ajudou a construir, pois já foi governo no mandato Obama. A estratégia dos EUA é uma estratégia de Estado, por isso não importa se são os democratas ou os republicanos que estão no comando de plantão.

Tanto Hudson como Pepe Escobar avaliam que a China continuará crescendo, sem cometer os erros que os EUA cometeram. E isso certamente a coloca dentro da possibilidade de assumir uma liderança mundial.

Se isso é bom ou ruim para os demais povos, ainda estamos por saber.

Elaine Tavares

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

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