Correio da Cidadania

Troca na presidência da Petrobrás: "O Brasil precisa sair deste novo ciclo colonial"

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Causa alvoroço no mercado e suas redações jornalísticas a troca de comando na presidência da Petrobrás, mas no frigir dos ovos nada muda. É assim que Felipe Coutinho, engenheiro da estatal com experiência em processamento e na pesquisa de biocombustíveis, analisa a troca no comando da empresa, em entrevista ao Correio da Cidadania. Em sua visão, Prates não alterou o rumo de “exportação de petróleo cru e importação de produtos de maior valor agregado”, e nada indica que sua sucessora, Magda Chambriard, irá neste sentido.

Sobre a gestão Prates, "o aspecto positivo foi a interrupção das privatizações. Por outro lado, não houve avanço na recuperação dos ativos privatizados (refinarias, gasodutos, BR Distribuidora, Liquigás, campos de petróleo etc.). As principais políticas dos períodos Temer e Bolsonaro foram mantidas, baixo investimento (sem conteúdo local), elevada e insustentável distribuição de dividendos, preços paritários de importação (PPI)".

Como se vê, Coutinho não corrobora a ideia de que a famigerada política de Paridade de Preços Internacionais foi realmente eliminada no governo Lula. Como explica, o governo apenas usou de sua parte na propriedade da empresa para segurar os preços do consumidor, mas longe de alterar uma lógica que considera insustentável até para o futuro econômico da Petrobrás.

Dessa forma, a empresa se coloca muito distante de qualquer papel na reconstrução econômica do país, inclusive em termos de uma nova industrialização, conforme projetado pelo governo, que tem na bioeconomia uma de suas chamadas "missões".

"Os investimentos têm sido muito baixos em todos os segmentos de atuação da Petrobrás. O investimento líquido realizado em 2023 foi de US$ 8,7 bilhões, é cerca de 60% menor se comparado à média histórica dos investimentos da Petrobrás, desde 1965, de cerca de US$ 22 bilhões por ano, e 84% menor se comparado com o investimento médio anual, entre 2009 e 2014, de US$ 53 bilhões em valores atualizados".

Para Coutinho, a empresa vive em estado de permanente inversão de seus valores originais, de desenvolvimento econômico com integração social. “Para ter crescimento e desenvolvimento humano, nosso país precisaria consumir de quatro a cinco vezes mais energia por pessoa. A Petrobrás precisa investir em todos os segmentos de sua atuação e abastecer o mercado nacional aos menores custos possíveis”.

Leia a entrevista completa com Felipe Coutinho a seguir.

Correio da Cidadania: Como analisa a troca a presidência da Petrobrás? Há uma mudança substantiva na orientação da empresa?

Felipe Coutinho: Na comparação dos perfis e dos históricos do presidente demitido e da indicada não é possível identificar mudança relevante.

Como registamos em nota pela AEPET, “encontramos muito em comum, Prates foi entusiasta da quebra do monopólio estatal do petróleo exercido pela Petrobrás, no governo FHC, em 1997. Defendeu a privatização da Petrobrás, participou da elaboração da Lei do Petróleo (Lei No 9.478/97) e foi redator do Contrato de Concessão. Desde 1991, atuou como empresário e consultor das petrolíferas que pretendiam explorar o petróleo e o mercado brasileiros, através da Expetro Consultoria.

Enquanto Chambriard promoveu quatro leilões de petróleo, entre os quais o 1º leilão do pré-sal, da área de Libra. Defendeu a maior participação de petrolíferas estrangeiras na exploração do petróleo brasileiro. Elogiou a facilitação do governo Temer para a privatização do campo de Carcará pela Petrobrás, em favor da estatal norueguesa Statoil (atual Equinor). Foi contrária à interferência do governo para alteração da política de preços da Petrobrás, em especial com relação ao Preço Paritário de Importação (PPI) do diesel”.

Correio da Cidadania: Ou seja, as diferenças são muito genéricas e as afirmações de que Chambrard seria “mais ligada ao mercado” inócuas.

Felipe Coutinho: Não percebo diferença nesse aspecto, parece troca de seis por meia dúzia.

Correio da Cidadania: Como analisa a passagem de Prates pela presidência da Petrobrás? O que mudou na empresa em relação aos anos Temer e Bolsonaro?

Felipe Coutinho: O aspecto positivo foi a interrupção das privatizações. Por outro lado, não houve avanço na recuperação dos ativos privatizados (refinarias, gasodutos, BR Distribuidora, Liquigás, campos de petróleo etc.).

As principais políticas dos períodos Temer e Bolsonaro foram mantidas, baixo investimento (sem conteúdo local), elevada e insustentável distribuição de dividendos, preços paritários de importação (PPI).

Como disse na nota, “Prates não nos surpreendeu enquanto a direção da Petrobrás manteve investimentos baixos e dividendos insustentavelmente altos em 2023. Também não surpreendeu ao manter a política dos Preços Paritários de Importação (PPI), mudando apenas seu nome e a frequência dos reajustes. Prates deixa a Petrobrás fiel e coerente com seu passado, infelizmente para o Brasil e a estatal”.

Correio da Cidadania: Você sempre afirmou que PPI nunca foi alterado e os preços eram reduzidos pela ação do Estado na direção da empresa. Você pode explicar melhor como isso funciona?

Felipe Coutinho: A política de preços teve seu nome alterado, mas o conteúdo seguiu o mesmo, a cada reajuste de preço (para cima ou para baixo) demonstrei que os ajustes dos preços do diesel foram para o Preço Paritário de Importação (PPI). Como disse, em um dos artigos, o fim do Preço Paritário de Importação (PPI) é uma falácia nomotética.

Correio da Cidadania: O que seria, efetivamente, mudar o PPI?

Felipe Coutinho: Seria fazer o que a Petrobrás sempre fez, desde sua criação, em outubro de 1953 até outubro de 2016 quando Pedro Parente adotou a inédita, arbitrária e lesiva política de preços paritários de importação (PPI).

Basta praticar preços justos e competitivos, compatíveis com os custos da Petrobrás que, por ser extremamente eficiente, são muito baixos.

Correio da Cidadania: O que esperar de Magda Chambriard? Pensa que retomará investimentos no sentido de retomada da indústria e de empregos nacionais?

Felipe Coutinho: Não tenho essa expectativa, mas o tempo revelará, mais uma vez, a verdade.

Correio da Cidadania: Em termos ambientais, o RS não nos deixa pensar muito em outros assuntos. Há quem diga que há uma disputa interna entre aqueles que querem mais investimentos em novas fontes energéticas e quem queira manter a prioridade das fósseis. Existe essa dicotomia na empresa atualmente?

Felipe Coutinho: Não vejo assim. Os investimentos têm sido muito baixos em todos os segmentos de atuação da Petrobrás. Como demonstrei no artigo Direção da Petrobrás mantém investimentos baixos e dividendos insustentavelmente altos em 2023 (publicado no Correio com o título Análise dos resultados da Petrobrás em 2023).

O investimento líquido realizado em 2023 foi de US$ 8,7 bilhões, é cerca de 60% menor se comparado à média histórica dos investimentos da Petrobrás, desde 1965, de cerca de US$ 22 bilhões por ano, e 84% menor se comparado com o investimento médio anual, entre 2009 e 2014, de US$ 53 bilhões em valores atualizados.

Correio da Cidadania: O que deve ser um bom plano de investimentos da Petrobrás em sua visão, à luz dos desafios do século 21?

Felipe Coutinho: O plano deve ser compatível com a necessidade de crescimento do Brasil. Para ter crescimento e desenvolvimento humano, nosso país precisaria consumir de quatro a cinco vezes mais energia por pessoa.

Para isso a Petrobrás precisa investir em todos os segmentos de sua atuação e abastecer o mercado nacional aos menores custos possíveis. O Brasil precisa sair deste novo ciclo do tipo colonial, de exportação de petróleo cru e importação de produtos de maior valor agregado. Trato, em maiores detalhes, no artigo Exportação de petróleo cru é recorde, Lula conduz o Brasil na rota colonial pavimentada por Temer e Bolsonaro.

A aceleração dos leilões para exploração e produção do petróleo nos governos Temer e Bolsonaro, assim como a continuidade, com Lula, das políticas de preços relativamente altos dos combustíveis, de baixo investimento e alta distribuição de dividendos da Petrobrás, da baixa, provisória e já extinta taxação da exportação de petróleo cru e a não reversão das privatizações de refinarias e da distribuidora de combustíveis da estatal, são responsáveis pelo recorde da exportação de petróleo cru e importação de seus derivados para o Brasil.

Trata-se de relação internacional do tipo colonial, onde se exporta produtos primários e importa produtos industrializados de maior valor agregado. Nenhum país continental e populoso como o Brasil se desenvolveu exportando petróleo cru e produtos primários, muito menos por multinacionais estrangeiras.

Gabriel Brito é jornalista, repórter do site Outra Saúde e editor do Correio da Cidadania.

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