Correio da Cidadania

Governo federal formaliza desapropriações para Belo Monte sem consulta e explicações

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Sem audiências públicas, consulta prévia e explicações, o Governo Federal, por intermédio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), formalizou no dia 3 de fevereiro a desapropriação de 282 mil hectares de terras entre os municípios de Vitória do Xingu, Altamira e Brasil Novo, no Estado do Pará.

 

A resolução teve publicação no Diário Oficial da União (DOU) e de acordo com a Aneel a área é a última fronteira para o Consórcio Norte Energia efetivar o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, além da construção do reservatório de água, criação de Área de Preservação Permanente (APP) e para reassentar populações afetadas pelo empreendimento.

 

Para Antonia Melo, liderança do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, a desapropriação promoverá um aporte de aproximadamente 10 mil pessoas aos cerca de 40 mil atingidos diretamente pela usina – a Norte Energia aponta para a realocação de apenas 4 mil famílias. “Essa decisão (da Aneel) envolve uma área gigantesca e afeta a vida de milhares de pessoas”, declara a liderança para a Agência Carta Maior.

 

Conforme denuncia o Movimento Xingu Vivo, o cadastro dos habitantes das terras desapropriadas sequer foi concluído para o estabelecimento de critérios. Desse modo, a quantidade de pessoas atingidas é apenas estimada.

 

Na compreensão de Antonia, trata-se de uma postura antidemocrática do governo, porque não ocorreu qualquer procedimento de consulta. “A decisão foi tomada em meio aos feriados de final de ano, quando as pessoas estão desmobilizadas”.

Utilidade pública

A decisão da Aneel tem ainda um caráter mais perverso, pois a resolução é em verdade uma Declaração de Utilidade Pública. Com isso, a Norte Energia está autorizada a invocar o caráter de urgência e a remover ribeirinhos, indígenas e pequenos agricultores de forma amigável ou por via judicial.

 

“Em relação às propriedades privadas referidas no artigo 1º, a Norte Energia S.A. fica autorizada a promover, com recursos próprios, amigável ou judicialmente, as desapropriações de domínio, podendo, inclusive, invocar o caráter de urgência para fins de imissão provisória na posse dos bens”, diz o texto da resolução publicada na última terça-feira no DOU.

 

A área de desapropriação também é contestada pelo Xingu Vivo, movimento que congrega centenas de organizações contrárias a Belo Monte. Como o governo sonega informações, acredita-se que ocorreu um superfaturamento na área a ser desapropriada, ou seja, que não estava previsto o montante de quase 300 mil hectares – equivalente a 282 mil campos de futebol e metade da área do Distrito Federal.

 

As desapropriações para Belo Monte tiveram início em abril de 2010, com 3,5 mil hectares destinados às obras – iniciadas em junho de 2011.

Dentro do esquema

Dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu (PA) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), afirma que está bem no esquema do atual governo tomar medidas sem consulta prévia.

 

“É o sistema do fato consumado. A consulta popular não existiu e isso está dentro da estratégia. Simplesmente se decide e faz. A coisa não é nova e desde o início o governo operou com esse esquema. Mais um capítulo dessa história triste e escandalosa de Belo Monte”, diz Dom Erwin.

 

Para o presidente do Cimi, as conseqüências da mega-desapropriação poderão revelar as explicações não fornecidas pelo governo e os números parciais levantados pelo movimento de resistência. “As medidas estão sendo tomadas na calada da noite. As pessoas impactadas não têm valor, porque o valor está na obra. O mais importante de toda essa história para o governo não são as pessoas, mas Belo Monte. O resto é resto”, enfatiza.

Protestos ignorados

Dom Erwin aponta que todo esforço e revolta da população e organizações sociais contra a usina acirraram ainda mais a postura do governo em defender o empreendimento – quando deveria ser o contrário. Nem a insatisfação do próprio governo paraense com a usina, pontua o bispo, serve para que o Palácio do Planalto se sensibilize.

 

“O presidente da Norte Energia (Carlos Nascimento) continua com o mesmo discurso de três anos atrás, pois diz na imprensa que o consórcio tem feito saneamento básico nas cidades atingidas e essa é uma mentira descarada. Ele nunca veio para cá para ver. O pior é que ele é daqui do Pará”, diz o bispo da Prelazia do Xingu.

 

Há 46 anos no Xingu, Dom Erwin viu de perto o “Milagre Econômico” da ditadura militar rasgar o Norte do país com um projeto de desenvolvimento similar ao tocado pela administração do atual governo. Desse processo surge o primeiro projeto de construção de uma usina hidrelétrica no rio Xingu, justamente onde hoje Belo Monte é imposta pelo governo – só que dessa vez em plena democracia.

 

“O projeto era da ditadura militar. Pensávamos que esse fantasma desaparecera quando os militares engavetaram o projeto. O próprio Lula e o PT se manifestaram expressamente contra. E por isso a nossa revolta e indignação: depois de eleito, o PT defende com unhas e dentes o que antes condenou. Quais são os reais motivos para executar um projeto que antes se condenava?”, questiona Dom Erwin.

 

Por Xingu Vivo, com informações do CIMI

 

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