Correio da Cidadania

O massacre colombiano

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Tal como sucedeu na Guatemala nos anos 1980, a violência atingiu em particular as populações indígenas, fato reconhecido igualmente pela embaixada dos EUA nos telegramas revelados por Wikileaks

 

Há muito que se julgava que a Guatemala detinha o primeiro lugar no continente americano no que diz respeito a massacres de massas na nossa época moderna – 200 mil vítimas nos anos 1980, em 94% dos casos assassinadas pelo Estado com o apoio de Washington e em aliança com os esquadrões da morte. Mas, infelizmente, constata-se agora que a Colômbia pulverizou este recorde e, conforme Wikileaks revela, os EUA estão perfeitamente informados sobre a situação.

 

Num telegrama de 19 de novembro de 2009 intitulado “2009-2010 International Narcotics Control Strategy Report” (Relatório estratégico sobre o controlo internacional de narcóticos 2009-2010), a embaixada dos EUA em Bogotá reconhece, como dado acessório, a horrível verdade: foram registradas 257.089 vítimas dos paramilitares de extrema-direita. E, tal como Human Rights Watch assinalou no seu relatório anual de 2012 sobre a Colômbia, esses paramilitares continuam atuando de braços dados com os militares apoiados pelos EUA.

 

Mesmo para aqueles que conhecem a Colômbia este número é arrasador. A primeira vez que deparei com este número foi no livro Cocaïne, Death Squads, and the War on Terror (Cocaína, esquadrões da morte e a guerra contra o terrorismo), do qual falei há algum tempo, e que cita um jornalista independente que afirma que cerca de 250 mil vítimas foram mortas pelo para-Estado colombiano. Nesse sublinha-se que este número foi ocultado porque as vítimas foram enviadas para salgadeiras ou para fornos crematórios de tipo nazi.

 

Agora, sabe-se que há pelo menos dois anos os EUA têm conhecimento de tudo acerca destes crimes. O que não provocou qualquer mudança na política estadunidense relativamente à Colômbia – o país receberá durante os próximos dois anos 500 milhões de dólares de ajuda destinada ao seu exército e à sua polícia – e não impediu Obama de defender, e de concretizar no ano passado, o Tratado de Livre Comércio com a Colômbia.

 

Tal como sucedeu na Guatemala nos anos 1980, a violência atingiu em particular as populações indígenas – fato reconhecido igualmente pela embaixada dos EUA nos telegramas revelados por Wikileaks. Esta violência dirigida contra indígenas continua, aliás, aumentando. A embaixada estadunidense reconhece-o num telegrama de 26 de fevereiro de 2010, intitulado “Violence Against Indigenous Shows Upward Trend” (A violência contra indígenas manifesta tendência a crescer). Por causa desta violência há 34 grupos indígenas que se encontram à beira da extinção; portanto, esta violência pode ser classificada como genocida.

 

Este telegrama de 2010 explica que “os assassinatos de indígenas aumentam pelo segundo ano consecutivo”, um aumento de 50% em 2009 relativamente a 2008. O telegrama explica ainda que “os indicadores de violência contra os indígenas agravaram-se novamente em 2009. Segundo a Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC) os deslocamentos aumentaram 20% (de 3212 para 3649), os desaparecimentos forçados aumentaram mais de 100% (de 7 para 18), e as ameaças aumentaram mais de 3000% (de 10 para 314). A ONIC registra igualmente um aumento no recrutamento forçado de menores por parte de todos os grupos armados ilegais, mas não fornece dados numéricos sobre este ponto.

 

A embaixada, baseando-se num estudo publicado pela antropóloga Esther Sánchez – estudo que o governo estadunidense financiou -, assinala que os militares e paramilitares tomam os indígenas por alvo porque eles são “frequentemente vistos como colaboradores das FARC uma vez que coabitam nos mesmos territórios”; e é precisamente a presença de militares colombianos nos territórios indígenas que “transfere o conflito para o jardim dos indígenas”, o que constitui uma ameaça para a sua existência.

 

Ora a embaixada recusa a ideia de uma retirada dos territórios indígenas por parte do exército colombiano, sublinhando que uma reivindicação nesse sentido apresentada pela tribo awa é “inaplicável”.

 

“Inaplicável”, explica a embaixada, porque este território necessita estar sob controle uma vez que contém numerosas riquezas. A embaixada estadunidense reconhece explicitamente que “os investimentos de capital nos hidrocarbonetos”, bem como na borracha e na palmeira produtora de óleo – o que quer dizer exatamente os investimentos que explicam as decisões militares de Washington e o Tratado de Livre Comércio – conduzem diretamente à violência contra os indígenas. E isto sucede, explica a embaixada, porque os povos indígenas “provavelmente não abandonariam terras tidas como sagradas nas suas identidades culturais”. Ou seja, que não franqueariam voluntariamente a porta à exploração capitalista.

 

Tudo isto mostra que os EUA e a Colômbia continuam a defender opções militares e conduzindo políticas econômicas que, segundo a própria opinião dos EUA, conduzem a um genocídio. Na realidade, é a própria embaixada estadunidense que reconhece que o genocídio é absolutamente necessário para alcançar os seus objetivos.

 

Isto significa que os EUA mentem quando fingem interessar-se pelos direitos humanos. Os EUA têm o atrevimento de excluir Cuba da Cúpula das Américas por causa dos direitos humanos; mas é o país que acolhe esta Cúpula – a Colômbia – que por todas as razões deveria ser apontado a dedo pelo seus resultados excepcionalmente maus no que diz respeito a direitos humanos. Na verdade, são os próprios EUA quem deveriam ser denunciados, porque apóiam o brutal regime colombiano. Mas como são os EUA que dominam o mundo, isso também pareceria “inaplicável”.

 

Por Dan Kovalik, advogado norte-americano e ativista dos Direitos Humanos

Publicado por ODiario.info

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