Lula, blogueiros e o mais importante: internet incomoda mídia corporativa
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- Gabriel Brito, da Redação
- 24/11/2010
Na manhã desta quarta-feira, 24, a comunicação brasileira viveu um simbólico momento de transição. Em iniciativa praticamente inédita, um grupo de jornalistas que mantêm blogs políticos na internet (alguns sem vinculação com outros veículos de mídia) entrevistou o presidente Lula no Planalto, com transmissão ao vivo pela rede, por twitcam.
Formada por jornalistas que trabalham na chamada mídia alternativa – hoje em dia sinônimo de mídia de esquerda, tamanha a padronização conservadora dos veículos tradicionais -, a bancada entrevistadora articulou a conversa com o presidente em meados de agosto, após o 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, aproveitando a oportunidade para também disseminar a revolução que as comunicações inelutavelmente viverão, com produção e transmissão de conteúdo ao alcance de qualquer cidadão minimamente equipado das atuais tecnologias.
Obviamente, tais transformações terão impacto sobre a imprensa hegemônica, ainda pouco mensurável, mas o fato é que ela já se encontra em polvorosa com o impulso de ferramentas que livrem a população das "nove ou dez famílias que controlam a comunicação", conforme já dissera o presidente.
Por conta disso, já estão se entrincheirando na defesa de seus interesses. Isso num momento de efervescência no setor, após o Seminário Internacional de Comunicações, convocado pela Secretaria de Comunicação do governo, sob liderança do ministro Franklin Martins e realizado no início do mês, e o anúncio de quatro estados (BA, CE, AL e PI) da pretensão de criarem conselhos estaduais de comunicação, com o intuito de fiscalizar a atuação da mídia e seu respeito às leis e a diversos direitos individuais – escandalosamente violados pelos atuais donos da comunicação.
Não por coincidência, começaram a pipocar matérias sobre os "perigos" de uma internet cada vez mais habitada pelos brasileiros, onde haveria somente terra sem lei e nenhuma proteção à privacidade das pessoas, de preferência com exemplos isolados de mau uso da rede, ao mesmo tempo em que não estimula e nem discute seu uso adequado, cidadão e emancipador.
Estranho que não tenham sido feitas menções às calúnias que a campanha serrista (oficial ou não, mas serrista) espalhou pela internet durante as eleições, esta sim uma clara demonstração de como a rede mundial pode ser usada para fins nefastos e regressivos. Nossa mídia tampouco destaca o quanto se pode informar melhor com a maior diversidade de fontes oferecidas pela internet, pois é claro que isso afeta diretamente seus reais interesses na questão.
Os ‘independentes’ acusam
Dessa forma, é evidente que a inédita modalidade de entrevista realizada pelos jornalistas – ou blogueiros progressistas, como também se cunhou – causou incômodo nos jornalões e seus escribas. Muitos tentaram colar no grupo a pecha de puxa-sacos, chapa branca etc., especialmente pelo apoio declarado a Dilma no último pleito. O que escondem é que na verdade já começou a guerra entre duas alas da comunicação brasileira, claramente antagônicas ideologicamente.
Tamanha confrontação só tem a contribuir com os debates públicos, pois vem para desmistificar definitivamente a idéia de que nossa mídia tradicional é desprovida de partido, ideologia e preferência política, pautando-se pela isenção e independência, como gosta de se auto-elogiar. Uma brutal desonestidade intelectual, como deixaram claro as recentes coberturas de Folha, Estadão, Globo, Veja e Cia nada bela. Aliás, a própria presidente da ANJ, Judith Brito, havia tirado a máscara, voluntariamente, ao anunciar em março que a "imprensa seria o partido de oposição este ano".
Dessa forma, a mídia e seus jornalistas cativos e já perfeitamente adequados ao mundo regido pelo mercado (mas sem ideologia, claro) não conseguiram disfarçar o ciúme causado pela iniciativa dos blogueiros, o que certamente tornou o momento mais divertido para quem acompanhou.
Não foram poucos os que tentaram desmoralizar a conversa com o presidente. Marcelo Tas, apresentador do CQC e pseudopolitizado, não se segurou: "Fazer entrevista só com simpatizando é fácil". "Atenção puxa-sacos que comemoram 6 mil de audiência: o CQC dá 30 mil toda semana". Patética demonstração de recalque de quem pensa que trabalhar para a família Saad e a TV Bandeirantes, cercado de anúncios de banco e multinacionais, tem autoridade para se dizer mais independente e autêntico que outro profissional. Fora que seguiu discurso raivoso de outros famosos, como o humorista (ou ex?) Marcelo Madureira, que ruborizou até Diogo Mainardi no Conexão Manhattan, quando chamou o presidente de "vagabundo". Claro que – sem ideologia, repita-se - ambos são contra regulação na mídia, pois assim vomitam seus ódios e preconceitos, além de agradarem patrões, de forma impune, de preferência sem o menor questionamento do público, com quem dizem ter rabo preso.
A mídia que crescemos vendo soberana e formadora quase exclusiva de opinião passa, na verdade, por um momento de pura defensiva. Primeiramente, pela maior diversidade de visões e análises que podem ser encontradas na internet e a autonomia amplificada que todo cidadão tem em escolher o conteúdo a ser prestigiado, além da junção de forças de diversos movimentos e atores sociais que têm impulsionado novos veículos de comunicação (especialmente, é claro, na internet). Após inúmeras demonstrações de tendenciosidade política nos últimos anos e apoio explícito ao tucanato, a aprovação massiva da gestão de Lula levantou forças contra uma mídia seletiva na hora de criticar governos - que a rigor foram hiper-semelhantes: "Um mais elitista, outro mais assistencialista", observou Ildo Sauer recentemente ao Correio.
Dessa forma, o tempo de fato tirou máscaras de uma mídia extremamente corrompida, espúria e defensora do status quo, ou seja, inimiga da idéia de um Brasil realmente para todos. Além de ser propagandista de interesses de grandes grupos econômicos e multinacionais, que pagam vultosos anúncios em suas páginas. Sem enganar como antes, suas audiências e vendas caem, há 10 anos, de forma "lenta, gradual e segura", para usar um termo da ditadura que essa mesma mídia um dia apoiou e impulsionou. A mesma que se diz defensora de direitos humanos (em países de governos desafetos dos EUA), da liberdade de expressão e imprensa. Só rindo... Ou chorando, depois que Maria Rita Kehl foi demitida do Estadão por ‘delito de opinião’, conforme a inacreditável justificativa do folhetim da família Mesquita.
O que, de fato, eles combatem
Mas retomando o ponto central, o que o próprio presidente chamou, para regozijo dos entrevistadores, de "mídia antiga" e "mídia comum" vive um inexorável declínio. Não por estar em situação irremediável, e sim por se negar a rever conceitos, na tentativa de retomar o mínimo de pluralismo em suas páginas. Por isso boicotou, e tentou descaracterizar ao máximo, a Conferência Nacional de Comunicação, que debateu inúmeros pontos carentes de maior legitimidade em nossas comunicações. Também por tamanho ranço conservador foi a favor do fim da lei de imprensa, ao mesmo tempo em que não quer uma nova, muito menos a regulamentação da profissão de jornalista. Ou seja, defende tudo que mantenha o setor como autêntica terra de ninguém, rótulo que agora tenta colar na internet, pelo simples fato de que sobre essa ferramenta jamais possuirá o controle de que desfruta nas demais frentes.
De resto, ainda não atingimos o ponto de fervura desse embate que apenas começa. A presidente eleita Dilma já mostrou claras intenções de atuar com mais força no sentido de criar mecanismos de monitoramento da mídia (o que não tem nada a ver com censurar conteúdo previamente, conforme desinforma a mídia comercial).
Nesse sentido, o Seminário da Comunicação recém encerrado foi um importante passo. O ministro Franklin Martins foi didático ao reiterar que não se está discutindo controlar a produção de conteúdo, como se vivêssemos sob ditadura, mas apenas de criar mecanismos de evolução no direito à comunicação e à liberdade de imprensa e expressão, que no Brasil de hoje é de empresa, como muitos estudiosos da área afirmam. Ou seja, democratizar as nossas comunicações para muito além do que temos hoje. Nesse caso, a presença de representantes de governos como EUA, Portugal, Espanha, Argentina e França, sustentando que regulação não é censura, fez a imprensa engolir um pouco de suas mentiras.
O terceiro aspecto a assombrá-la é a entrada das Teles no espectro da comunicação, o que segundo Franklin Martins está fadado a ocorrer mais ou menos dia, seguindo a tendência global. Com a possível abertura de certas transmissões, concessões e outras exibições de conteúdo para todo tipo de mídia, de TV e rádio a celular, não será fácil fazer frente a um mercado que movimenta R$ 70 bilhões por ano, ao passo que o audiovisual não supera os R$ 15 bilhões. Cruel ironia ser devorada pelo mercado livre que tanto cultuou. Por isso agora já advoga pela restrição da participação estrangeira em grupos de comunicação.
De olho no futuro
A entrevista em si foi descontraída e realizada em clima amigável, afinal, a poeira pós-eleitoral não terminou de baixar e os entrevistadores expressaram aqueles que ficaram acima de tudo aliviados com a derrota de Serra e das alas mais conservadoras e obscuras da sociedade brasileira, com quem o tucano morreu abraçado na reta final.
O único perigo a essa mídia que floresce e finalmente faz o contraponto aos grupos tradicionais é depositar demasiadas esperanças democráticas em um governo que na prática não se mostrou disposto a contrariar setores sempre privilegiados. Mas talvez seja uma euforia compreensível, pois ao menos na arena da comunicação o cenário monopólico e desértico de idéias tem sofrido significativas transformações, abrindo perspectivas de um dia o país finalmente atender às demandas por espaços de expressão que diversos grupos da sociedade brasileira reclamam.
O que a entrevista dos blogueiros com o presidente e sua simples maneira de transmiti-la mostrou com nitidez ao público é que está cada vez mais fácil promover e prestigiar um jornalismo mais comprometido com interesses populares, conforme reza a função social da profissão, aparentemente também ‘revogada’ nas maiores redações do país. Uma das raras vezes em que qualquer indivíduo poderá se apropriar, praticamente por igual, do que há de mais avançado em termos tecnológicos. O que desde já desagrada quem sempre comeu a maior fatia do bolo e agora luta por sobrevivência com as mesmas armas e idéias de sempre.
Ver mais:
Íntegra da entrevista com o presidente da República: http://twitcam.livestream.com/2scvm
Participaram: Altamiro Borges (Blog do Miro), Altino Machado (Blog do Altino), Cloaca (Cloaca News), Eduardo Guimarães (Blog da Cidadania), Leandro Fortes (Brasilia Eu Vi), Pierre Lucena (Acerto de Contas), Renato Rovai (Blog do Rovai), Rodrigo Vianna (Escrevinhador) e Túlio Vianna (Blog do Túlio Vianna).
Gabriel Brito é jornalista.
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Comentários
A entrevista não foi divulgada antes porque a assessoria do Lula demorou para garantir inteiramente a presença do presidente.
Segundo, eles, e muitos outros, impulsionaram diversas entidades e encontros que visam unir a chamada mídia alternativa, como a Altercom, além de também advogarem pela democratizaçao das comunicações. A Confecom mostrou bem esse posicionamento de tal corrente do nosso jornalismo, ao passo que outros jornais e escribas de renome, mesmo boicotando/sabotando discussões mais abertas,pouco ou nada questionados.
E na minha modesta opinião haveria motivos de sobra para isso. Todos os dias.
Os blogueiros em momento algum se arvoraram em representantes máximos dos setores que se creêm progressistas e conclamaram outros grupos a tomarem as mesmas iniciativas. Também lamentaram a ausência de mulheres. Mas quatro delas estavam escaladas e não compareceram por distintas e particulares razões.
Conseguiram marcar a entrevista porque, como mencionado, promoveram um Encontro de blogueiros e na época fizeram o contato com a presidência. Ou seja, o mesmo procedimento de qualquer outro veículo de comunicação. Não podemos cair na armadilha de patrulha, como faz a grande mídia, que pela primeira vez na história mostrou interesse público em saber como se agendou uma entrevista. Nao houve nada de anormal nesse sentido.
Por fim, não vejo motivo para focalizar tanto a discussão nas imperfeições da entrevista, admitidas por eles abertamente, até ao vivo, durante a conversa. E depois também.
O importante, volto a dizer, são as transformações que se podem vislumbrar nas comunicações, muito mais significativas.
um grande abraço e obrigado por prestigiar o Correio, que também adoraria ter participado da entrevista com o presidente e formular algumas perguntinhas...
Apesar de nunca ter tido vínculo ou proximidade com nenhum dos entrevistadores, a cunha progressista pode ser facilmente compreendida por quem acompanha o que pensam, escrevem e opiniam nos meios em que trabalham, sendo que a grande maioria cumpre uma tarefa social muitas vezes esquecida pela grande mídia. Aliás, é também pelo ranço conservador dessa mídia que nao foi difícil para os blogueiros (e jornalistas, profissão que pode ser exercida sem diploma ou numa redação famosa) se apropriarem de tal rótulo. De resto, os próprios reconheceram debilidades e limitações na dinâmica da conversa. No entanto, se você acompanhou a entrevista, viu claramente que perguntas muito mais agudas foram feitas ao presidente, em comparação com as indagações que lhe faz a mídia que passamos a vida acompanhando: ou um folhetim dos eternos casos de corrupção ou questões de interesse do mercado. tudo isso nao sou em quem decreta. o simples acompanhamento do que cada lado escreve ilustra claramente. De toda forma, o ponto nao foi mostrar que tais blogueiros são a fina flor das comunicaçoes brasileiras. Serve apenas para mostrar como novos campos estão sendo abertos na área e como nao é tão difícil que o cidadão comum se aproprie de tais meios, o que facilita em muito o florescimento de uma mídia social, popular, voltada aos interesses verdadeiros de uma sociedade que se pretenda justa. Quem acompanhar tal processo pode ter algum protagonismo, mesmo que mínimo, nesses novos rumos que talvez não tardem tanto a se massificar. E é isso que importa: as transformações e quebra do monopólio de informação (e idéias) trazidas pela evolução da internet e outras tecnologias.
www.abraabocacidadao.blogspot.com
O tempo se encarregará de provar se estou certo. Cada um quer o seu quinhão. Acredito que a anarquia juvenil será o antídoto contra esses novos burgueses.
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