Correio da Cidadania

Recordar é viver: a Revolução não será televisionada

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Quando se fala em Venezuela, Hugo Chávez, bolivarianismo e afins no Brasil, o assunto sempre descamba para uma discussão sobre liberdade de expressão. Folha, Abril, Globo e outros veículos de mídia corporativa bradaram, rosnaram e ameaçaram morder Hugo Chávez desde 1999 quando ele assumiu a presidência do seu país. Chávez teve um papel fundamental no processo que garantiu a democratização dos lucros da exploração de petróleo venezuelano. Ou seja, a grana do petróleo era utilizada para investir em educação (tanto que o analfabetismo foi praticamente erradicado do país), em saúde e nas organizações populares de bairros e vilarejos, chamados de círculos bolivarianos, que serviram para popularizar o poder de decisão, do povo, em relação às políticas que seriam tomadas por todas as esferas de governo. Os círculos bolivarianos organizam assembleias e entidades comunitárias, estimuladas pela revolução, e cuidam de questões internas da comunidade, de educação popular e de reivindicação junto ao governo.

 

Mas que contradição. Chávez exerceu um papel desses e o acusam de ser um ditador e de cercear a liberdade de expressão. Muito estranho mesmo. Pouco antes de morrer, Chávez foi incisivo nessa questão com um jornalista da Globo, durante entrevista coletiva (http://www.youtube.com/watch?v=JUsVSargH-Y). Teceu críticas à emissora e à visão neoliberal de liberdade de imprensa. “Se você escrever algo que seu editor não queira, uma vez é bronca, duas é advertência, na terceira vez é rua”. Com um discurso mais ou menos assim, Chávez foi explicando que a censura corporativa é cruel. Que interesses de patrões e anunciantes são sagrados na mídia neoliberal e que, no Brasil ou na Venezuela, são esses fatores que ditam a censura nos meios de comunicação.

 

A morte de Chávez, no último dia 5 de março, gerou uma onda agressiva de discussões nas praças reais e virtuais a respeito desses temas, o que me fez resgatar um documentário de 2003 que, em minha opinião, explica muito bem a relação entre a revolução bolivariana e os meios de comunicação corporativos que levam dinheiro estadunidense (Venevision e RCTV, assim como a Globo no Brasil). A Revolução não será televisionada, além de traçar um perfil do caráter golpista das grandes televisões venezuelanas, que efetivamente protagonizaram junto à burguesia do país um verdadeiro golpe de Estado em abril de 2002, ainda narra o dia-a-dia desse golpe, farsa a farsa, mentira a mentira.

 

O filme começa com o presidente Chávez discursando contra o neoliberalismo, segue com chamadas jornalísticas em inglês atacando-o e fecha com outra chamada dizendo que “o novo governo da Venezuela vai estabilizar a produção e o comércio de petróleo no país”. E nessa toada vai alternando dados a respeito do presidente, do povo pobre que o apoia, com tomadas das televisões venezuelanas pegando pesado com Chávez nos seus noticiários: desde dizer que Chávez tem um relacionamento freudiano com Fidel Castro, até afirmar que o presidente é retardado mental e exigindo que o melhor para a Venezuela seria uma transição sem Chávez. Transição do quê? Dos círculos bolivarianos para o capitalismo selvagem.

 

Outro fator que contribuiu para a antipatia a Chávez da mídia corporativa são suas duras críticas às políticas estadunidenses. “Não se pode responder ao terror com mais terror” disse em 2001. Assim, jornalistas ianques rebatem dizendo que Chávez faz negócios com narcotraficantes colombianos e que o presidente pode ser um agente cubano na Venezuela. Sem comentários.

 

“Agora eu gosto da política, porque agora tenho uma vida democrática e participativa”, diz uma moça, em completa consonância com um rapaz que afirma que, pela primeira vez na Venezuela, há um governo democrático, que é do povo. Em contrapartida, oposicionistas de classe média e alta aparecem reclamando que, na Venezuela, antes não havia medo, e denunciam um projeto continental de insurreição comunista em toda a América Latina. Chávez rebate: “A riqueza da Venezuela é de todos, e não de uma minoria”.

 

Canais privados acusam o governo de usar a violência, como Hitler e Mussolini, ao supostamente perder popularidade, enquanto Pedro Carmona, presidente da RCTV, uma das maiores empresas venezuelanas, e Carlos Ortega vão à Washington para uma reunião a respeito do presidente Chávez. George Tenet, da CIA, afirma que a Venezuela é importante por ter reservas de petróleo. Carmona e Ortega chamam uma marcha oposicionista em frente à companhia nacional de petróleo, onde é possível ver manifestantes portando bandeiras dos EUA.

 

Uma marcha pró-Chávez é convocada para o mesmo local. Os grupos se encontram em frente ao palácio presidencial e, enquanto o exército tenta se colocar entre ambos, é possível escutar tiros. Pessoas vão caindo e mais tarde descobre-se que os tiros vieram de franco-atiradores (snipers) de cima de alguns prédios. Pessoas estavam sendo visadas na cabeça. As portas do palácio se abrem para os feridos e alguns apoiadores de Chávez começam a atirar na direção de onde vinham os disparos dos snipers. Assim, uma câmera da Venevision estava posicionada acima da ponte onde os chavistas estavam atirando e capturou uma imagem que dava a entender que disparavam em direção à marcha oposicionista. Repetiram inúmeras vezes a imagem para culpar o chavismo pelo massacre de Caracas. O que as televisões não mostraram é que a direção para onde os chavistas atiravam estava vazia e a marcha oposicionista nunca havia passado por ali. Assim se manipulou o conflito a fim de fortalecer o tal golpe de Estado.

 

Após alguns discursos da imprensa privada e o pronunciamento dos militares golpistas, aparece a informação de que um regimento rebelde da guarda nacional toma de assalto o canal 8, da TV pública, e impede o governo de se defender publicamente das acusações, uma vez que toda a mídia privada é propriedade da oposição. Chávez e seus ministros veem pela TV que o palácio Miraflores está cercado por tanques de militares rebelados e recebe a ordem de rendição dos golpistas. Estes pedem uma entrega pacífica, sem resistência do governo. Caso contrário, o palácio Miraflores seria bombardeado.

 

Políticos celebram o golpe agradecendo aos meios de comunicação pelo serviço prestado. E enquanto se destituía oficialmente todo o executivo, o povo se revoltava com a falta de democracia. “Eu votei no Chávez e quero que ele cumpra o mandato”, diz uma senhora. Nesse dia, ficou proibido mostrar chavistas na TV. O povo saiu de foco.

 

No sábado, aproximadamente 24 horas após o golpe, o povo venezuelano saiu às ruas para pedir a volta de Chávez. Milhões de manifestantes cercaram o palácio presidencial. As tropas do palácio que seguiam leais a Chávez abriram as portas do palácio Miraflores aos manifestantes. Carmona saiu pela porta de trás. O povo comemorou a tomada do palácio. Alguns ministros, escondidos nos últimos dias nas entranhas de Caracas, entram no palácio carregados pelo povo.

 

Enquanto isso, a mídia privada se recusava a dar a notícia de que o palácio estava de volta nas mãos dos chavistas. Por volta das 3h da manhã do domingo, 14 de abril de 2002, Hugo Chávez volta ao palácio presidencial de helicóptero e declara: “este povo fez história (...) agora, não se deixem mais envenenar por tantas mentiras”.

 

Para assistir: http://vimeo.com/6626091

Para baixar o documentário, acesse: http://docverdade.blogspot.com.br/2009/03/revolucao-nao-sera-televisionada.html

Veja também:

 

O que acontece quando uma pessoa que se acha informada pela mídia tradicional encontra GEORGE GALLOWAY. Se você tem certeza da verdade que ouve pelos jornais, há grandes chances de estar sendo enganado...

http://docverdade.blogspot.com.br/2013/03/george-galloway-venezuela-e-direitos.html

Leia também:

‘Participação do povo sob Chávez foi muito maior que nos demais países da América Latina’

 

 

Raphael Sanz é jornalista.

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