Durante este mês e o próximo serão realizadas
em todos os estados do país as Marchas pelo Brasil. O movimento
começou na semana passada e está sendo organizado pelo
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), CMP (Central dos Movimentos
Populares) e por mais uma dezena de entidades populares que participaram
da Consulta Popular por um Projeto Popular para o Brasil, realizada em
Itaici, no final do ano passado. O Correio ouviu Egídio Brunetto,
um dos dirigentes do MST, sobre essa iniciativa.
Correio: Por que realizar marchas pelo Brasil durante a campanha
eleitoral?
Egídio Brunetto: O que está em disputa nesta
eleição são dois projetos: o projeto das elites, encarnado
na candidatura FHC e o projeto do povo, encarnado na chapa Lula-Brizola.
Mas os meios de comunicação não permitem que o debate
eleitoral seja feito nesses termos e desviam a atenção do
povo para detalhes irrelevantes. O formato das campanhas eleitorais os
grandes comícios, as carreatas e os outros agitos típicos
da mobilização eleitoral também não facilita
a troca de idéias, o diálogo, a discussão. Tudo vira
uma guerra de palavras de ordem e gestos emocionais. As marchas pretendem
politizar a campanha. Abrir um espaço para que as pessoas comuns
do povo não se limitem a ouvir os políticos, mas possam falar
de política.
Correio: E o que esperam os organizadores da Marcha dessa fala
do povo?
Egídio Brunetto: O povo tem um projeto político
para o Brasil. Apenas não tem condições de explicitar
esse projeto, porque o debate político é travado em termos
que o excluem da discussão. O projeto do povo não vem de
cima para baixo como o de FHC. Ele consiste em uma série de objetivos
que foram identificados por gente que vive e trabalha junto ao povo há
muito tempo. Esses objetivos foram discutidos na Consulta Popular, realizada
em Itaici, no fim do ano passado. As marchas visam obter, junto ao próprio
povo, confirmação das conclusões daquele evento e
recolher sugestões sobre a maneira de fazer com que eles sejam concretizados
quando o povo conquistar o poder.
Correio: As marchas serão comícios de apoio a Lula?
Egídio Brunetto: Não. Comícios ficarão
a cargo da campanha da chapa Lula-Brizola. As marchas irão debater
um projeto contrário ao de FHC e favorável ao povo. Mas,
se a discussão da candidatura Lula surgir no debate, obviamente,
ninguém vai proibir que ela seja realizada. O Projeto Popular para
o Brasil não está fora do tempo e do espaço, mas dentro
das lutas concretas que o povo está travando contra seus inimigos.
Correio: Mas, desse modo, as marchas não ajudarão
Lula a obter votos?
Egídio Brunetto: Claro que sim. Quem tem dúvida de
que a proposta de Lula é uma proposta popular? O importante é
que ela seja discutida pelo povo, a fim de que este saiba porque está
votando em Lula e possa dar a ele um apoio consciente.
Correio: Quantas marchas serão realizadas?
Egídio Brunetto: Foram formadas até agora 75 colunas
de marchantes. Cada uma delas percorrerá 20 cidades. Portanto, faremos
debates em 1.500 cidades, dispersas pelos 25 estados do país. As
colunas variam de tamanho: há colunas com mais de 200 marchantes
e outras com 50. Esperamos que a cada cidade que passemos se juntem voluntários
para engrossar a Marcha até a cidade vizinha, de modo que, no final,
o número de marchantes será muito grande. E, é claro
que aumentando o número de marchantes, haverá condições
para atingir mais cidades.
Correio: E o que fazem os marchantes?
Egídio Brunetto: Eles entram na cidade a pé, com bandeiras,
faixas e estandartes. Acampam em algum lugar. Erguem as barracas. Dividem-se
em grupos e começam a realizar discussões com pequenos grupos,
visitas domiciliares, reuniões em sindicatos, igrejas e clubes.
Tudo vai depender dos convites que recebam. Se um grupo de jovens, uma
igreja, um sindicato, um grupo de vizinhos quiser discutir, forma-se uma
brigada para ir lá discutir com eles. Havendo clima, a marcha
fará representações teatrais, promoverá cantorias
e realizará reuniões maiores em praça pública.
Cada marchante disporá de uma série de materiais escritos
sobre o Projeto Popular para o Brasil e vai usá-los para discutir
com o povo e para fazer panfletagem.
Correio: Quanto vai custar a marcha e quem vai financiar o gasto?
Egídio Brunetto: Quando, em 1997, a Marcha dos Sem Terra
saiu para Brasília, cada uma das três colunas tinha provisões
para 15 dias. A marcha era de três meses. Muitos disseram que isso
era uma loucura e que, depois dos quinze dias primeiros dias, teríamos
de trazer os marchantes de volta. Mas nós confiávamos no
povo brasileiro e sabíamos que ele nos daria, não apenas
solidariedade política, mas hospedagem e comida também. Foi
o que aconteceu. Ganhamos tanta comida na passagem pelas cidades que tivemos
de distribuir as sobras nos assentamentos. Vai acontecer exatamente o mesmo
com a Marcha pelo Brasil. Os marchantes vão ser ajudados pelas famílias
das cidades por onde passarem, porque o povo está ansioso por receber
uma mensagem de esperança e de verdade, vinda, não dos raposões
da política, mas de gente como ele mesmo gente de mão calejada,
que sabe o que é privação e luta.
Correio: Qualquer um pode entrar na marcha?
Egídio Brunetto: Em qualquer das cidades por onde a marcha
passar, quem gostar do que estiver sendo dito pode se apresentar e pedir
para fazer parte dela. Aí, os marchantes decidem se ele se integra
ou não. Se for aceito, entra para uma coluna, recebe as tarefas,
começa a marchar e vira um a mais do grupo mais um combatente do
povo. É simples assim, porque simples é a vida do povo.
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