Polêmica sobre alimentos
transgênicos chega ao Brasil 
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Por  Andréa Paes Alberico
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A polêmica em torno dos alimentos geneticamente modificados ganhou força no Brasil depois que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) começou a se manifestar contra a produção dos transgênicos. Há duas semanas, a revista Veja publicou uma reportagem criticando a postura do movimento, acusando-o de estar na contramão do progresso. Mas o que, afinal, são os alimentos transgênicos ou OGMs (Organismos Geneticamente Modificados) e por que causam tanto debate?

Em termos gerais, os transgênicos são todas as plantas e animais com gene de outra espécie introduzido. Os genes são carregados para dentro do organismo geralmente através de um vírus, que tem neutralizados seus genes patogênicos para servir só para o transporte de gene que se quer introduzir. Não há ainda animais transgênicos, embora haja experiências nessa área. "O que existe hoje são plantas e fármacos transgênicos", explica Marijane Lisboa, coordenadora da campanha "Brasil livre de transgênicos", do Greenpeace - entidade ambiental que, há mais de três anos, vem lutando, no mundo inteiro, para que não se autorize o plantio comercial e o consumo de plantas geneticamente modificadas.

De acordo com Rubens Onofre Nodari, doutor em Genética e membro do grupo de estudos sobre plantas transgênicas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a safra de transgênicos no mundo foi de aproximadamente 27,5 milhões de hectares —e ainda está sendo colhida. Em 1997, foi de cerca de 12,6 milhões de hectares (os números excluem a China, que também produz transgênicos, mas de onde não há dados. Juntos, EUA, Canadá e Argentina respondiam por 98% dos plantios no ano passado.

No Brasil, foram aprovadas, pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), desde 1997, 626 liberações planejadas de OGMs no meio ambiente, experimentais ou demonstrativas. São culturas de algodão, arroz, batata, cana-de-açúcar, eucalipto, fumo, milho e soja. Para a instalação desse tipo de liberação —experimental ou demonstrativa—, basta a autorização da Comissão.

Em outubro do ano passado, foi publicado no Diário Oficial da União um parecer técnico conclusivo da CTNBio aprovando a solicitação da Monsanto do Brasil Ltda. de liberação comercial da soja geneticamente modificada, que é tolerante ao herbicida Roudup Ready, de sua fabricação. O parecer da CTNBio é o primeiro passo para que a empresa possa plantar comercialmente essa soja no país: é preciso, agora, autorização dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente e, no da Saúde, são feitos registros dos produtos.

Os problemas

As conseqüências para a saúde humana do consumo de transgênicos e de seus produtos ainda são desconhecidas e é esse o principal motivo da Europa ser contra a sua utilização. "Não há dados sobre riscos à saúde humana. Não dá para ser conclusivo", diz Rubens Nodari.

O impacto sobre o meio ambiente da introdução dos OGMs é outro ponto levantado: "há mais risco de se provocar um desequilíbrio na natureza", diz Marijane Lisboa. "Vai se usar herbecida de amplo espectro, destruindo também plantas que são habitats para animais benéficos. O desequilíbrio nos deixa mais vulneráveis para catástrofes naturais, como, por exemplo, novas pragas", afirma ela.

Outro problema ambiental diz respeito à possível destruição da variedade genética, que constitui o banco de dados da natureza. "Perdendo-se isto, não se pode mais recorrer a ela quando se precisa criar novas variedades, por exemplo. Não se pode criar algo do nada", diz Marijane Lisboa.

Há ainda o aspecto comercial: "o mercado europeu e o Japão estão mais interessados em ter produtos não transgênicos. Os Estados Unidos estão perdendo mercado para o Brasil, que é o segundo maior produtor mundial de soja. Se só os transgênicos fossem disponibilizados para o mercado mundial, o mundo que teria que se render", diz Marijane Lisboa.

Os transgênicos têm impacto também na economia rural familiar. "A pequena propriedade rural é responsável pela produção de alimentos para o Terceiro Mundo", diz Marijane Lisboa, acrescentando que "se esses produtores são alijados do mercado, a segurança alimentar fica cada vez mais ameaçada".

Cientistas, MST e governo do RS são contra transgênicos

Muito vem sendo feito para tentar impedir a introdução de transgênicos no Brasil. A posição da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), por exemplo, é de moratória de 5 anos para que se aprofundem os pontos polêmicos que envolvem a questão. Esta posição já vem sendo manifestada desde o congresso nacional da entidade de 1997. O grupo ambiental Greenpeace, por sua vez, desenvolve no país a campanha "Brasil livre de transgênico".

Segundo Rubens Nodari, como não há uma Política Nacional de Biossegurança, em vários estados, há projetos de lei relativos aos transgênicos. Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal, por exemplo, vão analisar se querem ou não introduzir os transgênicos, informa Marijane Lisboa. Na esfera federal, a senadora Marina Silva (PT-AC) apresentou na semana passada um Projeto de Lei propondo moratória de cinco anos para plantios comerciais dos transgênicos.

No Rio Grande do Sul, o MST propõe que os assentamentos sejam "zonas livres de produtos transgênicos, praticando uma agricultura agroecológica e orgânica", nas palavras de Augusto Olsson, da direção estadual do MST. A produtividade é garantida e o produto final, mais saudável.

A prática nos assentamentos do MST mostra isso. Há cerca de um mês, por exemplo, a expectativa era de colher até 5,5 toneladas por hectare de arroz, produzido sem a utilização de agrotóxicos, em Guaíba. Parte disto seria destinado à produção de sementes orgânicas de arroz.

No próximo ano, o MST pretende começar a produção de soja fazendo controle da "lagarta da soja", sua principal praga, com inseticida biológico. Para o MST, é possível praticar uma agricultura ecológica com bons resultados.

As sementes são outra preocupação do movimento. O pequeno produtor sempre as compra de cooperativas e há cada vez mais parcerias entre multinacionais (basicamente uma empresa da Monsanto), cooperativas de médios e grandes produtores de sementes e produtores particulares. Com a introdução das plantas transgênicas, "vai haver monopólio da semente e da cadeia de produtos", diz Augusto Olsson. A lógica é a da compra de "pacotes": semente e herbicida, por exemplo. Além disso, há o temor quanto à disseminação de sementes com gene esterilizador: o produtor compra a semente, produz a soja grão, mas não terá boas sementes resultantes de sua lavoura para plantar. Ou seja, terá que comprar novas sementes.

Também o governo gaúcho está empenhado em combater a introdução dos transgênicos. "Não podia ser diferente, já que a agricultura familiar é prioridade do nosso governo", diz José Hermeto Hoffmann, Secretário da Agricultura.

Hoffman aponta ainda outros motivos que justificam essa postura: a questão da biodiversidade, das conseqüências da introdução de culturas transgênicas para o meio ambiente, do fluxo de genes das plantas transgênicas para não-transgênicas, dos efeitos ainda desconhecidos sobre o metabolismo humano.

Nesse quadro, a questão de mercado aparece como um ponto a mais a ser considerado: há resistência dos consumidores europeus em relação aos transgênicos. "Esses compradores querem que o governo garanta que o produto não é transgênico", diz o secretário.

No campo de legislação, também se atua. É de março deste ano um decreto que estabelece a forma como o Poder Executivo deverá ser notificado por empresas que desenvolverem atividades de biotecnologia e de engenharia genética no Rio Grande do Sul, o que inclui apresentação de EIA/RIMA. Além disso, há dois projetos de lei sobre a questão no Estado: num deles, propõe-se a identificação dos produtos transgênicos; no outro, a proibição pura e simples dos transgênicos no Rio Grande do Sul.

Mas o RS não está só. Uma das entidades que manifestou apoio ao governo gaúcho é o Fórum Nacional da Segurança Alimentar, organização da sociedade civil presidida por D. Mauro Morelli. "É preciso que o não-consumo dos transgênicos seja pauta de discussão nacional. A consciência de consumidores e de agricultores pode reverter o processo de introdução dos transgênicos no país. A reversão na Europa se dá sobretudo pelos consumidores", diz Hoffman.

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