A
polêmica em torno dos alimentos geneticamente modificados ganhou força no Brasil depois
que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) começou a se manifestar contra a
produção dos transgênicos. Há duas semanas, a revista Veja publicou uma
reportagem criticando a postura do movimento, acusando-o de estar na contramão do
progresso. Mas o que, afinal, são os alimentos transgênicos ou OGMs (Organismos
Geneticamente Modificados) e por que causam tanto debate?
Em termos gerais, os transgênicos são todas as plantas e animais com
gene de outra espécie introduzido. Os genes são carregados para dentro do organismo
geralmente através de um vírus, que tem neutralizados seus genes patogênicos para
servir só para o transporte de gene que se quer introduzir. Não há ainda animais
transgênicos, embora haja experiências nessa área. "O que existe hoje são plantas
e fármacos transgênicos", explica Marijane Lisboa, coordenadora da campanha
"Brasil livre de transgênicos", do Greenpeace - entidade ambiental que, há
mais de três anos, vem lutando, no mundo inteiro, para que não se autorize o plantio
comercial e o consumo de plantas geneticamente modificadas.
De acordo com Rubens Onofre Nodari, doutor em Genética e membro do grupo
de estudos sobre plantas transgênicas da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), a safra de transgênicos no mundo foi de aproximadamente 27,5 milhões de
hectares e ainda está sendo colhida. Em 1997, foi de cerca de 12,6 milhões de
hectares (os números excluem a China, que também produz transgênicos, mas de onde não
há dados. Juntos, EUA, Canadá e Argentina respondiam por 98% dos plantios no ano
passado.
No Brasil, foram aprovadas, pela Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio), desde 1997, 626 liberações planejadas de OGMs no meio ambiente,
experimentais ou demonstrativas. São culturas de algodão, arroz, batata,
cana-de-açúcar, eucalipto, fumo, milho e soja. Para a instalação desse tipo de
liberação experimental ou demonstrativa, basta a autorização da Comissão.
Em outubro do ano passado, foi publicado no Diário Oficial da União um
parecer técnico conclusivo da CTNBio aprovando a solicitação da Monsanto do Brasil
Ltda. de liberação comercial da soja geneticamente modificada, que é tolerante ao
herbicida Roudup Ready, de sua fabricação. O parecer da CTNBio é o primeiro passo para
que a empresa possa plantar comercialmente essa soja no país: é preciso, agora,
autorização dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente e, no da Saúde, são
feitos registros dos produtos.
Os problemas
As conseqüências para a saúde humana do consumo de transgênicos e de
seus produtos ainda são desconhecidas e é esse o principal motivo da Europa ser contra a
sua utilização. "Não há dados sobre riscos à saúde humana. Não dá para ser
conclusivo", diz Rubens Nodari.
O impacto sobre o meio ambiente da introdução dos OGMs é outro ponto
levantado: "há mais risco de se provocar um desequilíbrio na natureza", diz
Marijane Lisboa. "Vai se usar herbecida de amplo espectro, destruindo também plantas
que são habitats para animais benéficos. O desequilíbrio nos deixa mais vulneráveis
para catástrofes naturais, como, por exemplo, novas pragas", afirma ela.
Outro problema ambiental diz respeito à possível destruição da
variedade genética, que constitui o banco de dados da natureza. "Perdendo-se isto,
não se pode mais recorrer a ela quando se precisa criar novas variedades, por exemplo.
Não se pode criar algo do nada", diz Marijane Lisboa.
Há ainda o aspecto comercial: "o mercado europeu e o Japão estão
mais interessados em ter produtos não transgênicos. Os Estados Unidos estão perdendo
mercado para o Brasil, que é o segundo maior produtor mundial de soja. Se só os
transgênicos fossem disponibilizados para o mercado mundial, o mundo que teria que se
render", diz Marijane Lisboa.
Os transgênicos têm impacto também na economia rural familiar. "A
pequena propriedade rural é responsável pela produção de alimentos para o Terceiro
Mundo", diz Marijane Lisboa, acrescentando que "se esses produtores são
alijados do mercado, a segurança alimentar fica cada vez mais ameaçada".
Cientistas, MST e governo do RS são contra
transgênicos
Muito vem sendo feito para tentar impedir a introdução de
transgênicos no Brasil. A posição da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), por exemplo, é de moratória de 5 anos para que se aprofundem os pontos
polêmicos que envolvem a questão. Esta posição já vem sendo manifestada desde o
congresso nacional da entidade de 1997. O grupo ambiental Greenpeace, por sua vez,
desenvolve no país a campanha "Brasil livre de transgênico".
Segundo Rubens Nodari, como não há uma Política Nacional
de Biossegurança, em vários estados, há projetos de lei relativos aos transgênicos.
Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal, por
exemplo, vão analisar se querem ou não introduzir os transgênicos, informa Marijane
Lisboa. Na esfera federal, a senadora Marina Silva (PT-AC) apresentou na semana passada um
Projeto de Lei propondo moratória de cinco anos para plantios comerciais dos
transgênicos.
No Rio Grande do Sul, o MST propõe que os assentamentos sejam "zonas
livres de produtos transgênicos, praticando uma agricultura agroecológica e
orgânica", nas palavras de Augusto Olsson, da direção estadual do MST. A
produtividade é garantida e o produto final, mais saudável.
A prática nos assentamentos do MST mostra isso. Há cerca de um mês, por
exemplo, a expectativa era de colher até 5,5 toneladas por hectare de arroz, produzido
sem a utilização de agrotóxicos, em Guaíba. Parte disto seria destinado à produção
de sementes orgânicas de arroz.
No próximo ano, o MST pretende começar a produção de soja fazendo
controle da "lagarta da soja", sua principal praga, com inseticida biológico.
Para o MST, é possível praticar uma agricultura ecológica com bons resultados.
As sementes são outra preocupação do movimento. O pequeno produtor
sempre as compra de cooperativas e há cada vez mais parcerias entre multinacionais
(basicamente uma empresa da Monsanto), cooperativas de médios e grandes produtores de
sementes e produtores particulares. Com a introdução das plantas transgênicas,
"vai haver monopólio da semente e da cadeia de produtos", diz Augusto Olsson. A
lógica é a da compra de "pacotes": semente e herbicida, por exemplo. Além
disso, há o temor quanto à disseminação de sementes com gene esterilizador: o produtor
compra a semente, produz a soja grão, mas não terá boas sementes resultantes de sua
lavoura para plantar. Ou seja, terá que comprar novas sementes.
Também o governo gaúcho está empenhado em combater a introdução dos
transgênicos. "Não podia ser diferente, já que a agricultura familiar é
prioridade do nosso governo", diz José Hermeto Hoffmann, Secretário da Agricultura.
Hoffman aponta ainda outros motivos que justificam essa postura: a
questão da biodiversidade, das conseqüências da introdução de culturas transgênicas
para o meio ambiente, do fluxo de genes das plantas transgênicas para não-transgênicas,
dos efeitos ainda desconhecidos sobre o metabolismo humano.
Nesse quadro, a questão de mercado aparece como um ponto a mais a ser
considerado: há resistência dos consumidores europeus em relação aos transgênicos.
"Esses compradores querem que o governo garanta que o produto não é
transgênico", diz o secretário.
No campo de legislação, também se atua. É de março deste ano um
decreto que estabelece a forma como o Poder Executivo deverá ser notificado por empresas
que desenvolverem atividades de biotecnologia e de engenharia genética no Rio Grande do
Sul, o que inclui apresentação de EIA/RIMA. Além disso, há dois projetos de lei sobre
a questão no Estado: num deles, propõe-se a identificação dos produtos transgênicos;
no outro, a proibição pura e simples dos transgênicos no Rio Grande do Sul.
Mas o RS não está só. Uma das entidades que manifestou apoio ao governo
gaúcho é o Fórum Nacional da Segurança Alimentar, organização da sociedade civil
presidida por D. Mauro Morelli. "É preciso que o não-consumo dos transgênicos seja
pauta de discussão nacional. A consciência de consumidores e de agricultores pode
reverter o processo de introdução dos transgênicos no país. A reversão na Europa se
dá sobretudo pelos consumidores", diz Hoffman.
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