O sol e os semeadores de poesia
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A partir desta edição, o Correio da Cidadania passa a contar com a colaboração de Fábio Luís Santos, que passará a assinar a coluna Secos e Molhados, um espaço para crônicas e reflexões de caráter pessoal. Os leitores do jornal já conhecem o trabalho de Fábio, que há mais de um ano colabora em um dos encartes regionais do Correio e foi o autor das "Crônicas de Cuba" —um diário de viagem transformado em oito textos que saíram no jornal nos últimos meses.

Embora psicodramatista de formação, o novo colaborador tem o hábito de preencher o campo "ocupação" dos formulários burocráticos com o substantivo "corintiano". Promete, na coluna que se inicia, mesclar as impressões e experiências dos três anos em que esteve viajando pelo Oriente Médio, África e Ásia com observações sobre o cada vez mais complicado cotidiano brasileiro.

Com o novo colunista, chega a onze o número de colaboradores fixos do Correio: Fábio vai se juntar a uma equipe que inclui Newton Carlos, Wladimir Pomar, Antonio José da Silva, Jurandyr O. Negrão, André B. Ripa, Danilo Costa, Sandra Seabra, Sérgio Seabra, Gabriel Perissé, Leonardo Botti e Alexandre Pavan.

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Amigos do MST foram convidados a se encontrar no último sábado. O encontro era previsto para durar o dia e terminar em churrasco. Como amigos não precisam de motivo para se encontrar, fui vegetariano participar da trova.

Os trabalhos começaram com uma mística do movimento. Foram chamados à sala os companheiros Paulo Freire, Florestan Fernandes e Carlos Marighela, presentes na forma de painéis. Clara, a mulher de Marighela, foi então homenageada e, emocionada, emocionou os presentes. Em seguida, homens do movimento fizeram uma exposição de conjuntura e apresentaram facetas menos conhecidas do MST, como sua impressionante ação no campo da educação.

Dom Tomás Balduíno, recém-chegado do Paraná, trouxe informes recentes. Descreveu as chocantes torturas a que estavam sendo submetidos os líderes presos das ocupações em Querência. As negociações com o governo avançavam lentamente já que Jaime Lerner, que garantira não haver violação dos direitos humanos em seu Estado, estava em Brasília na convenção do PFL.

Apresentações e atualizações duraram não mais de uma hora. Daí por diante, o que se viu foi um verdadeiro show. Abrindo alas, Frei Beto, ausente, se fez presente com uma belíssima carta dirigida aos semeadores de poesia que lá se encontravam. E durante o dia inteiro o que se fez foi, sem nenhuma pirotecnia, mas com grande arte, ciosamente cultivar esta semente.

Houve música, declaração de amor, declamação de poesia, homenagens, emoção e risada, muita risada. Eu, que fazia do gaúcho uma imagem séria e rasteira, como o futebol do Dunga, descobri no João Pedro um grande humorista, além de corintiano devoto.

Tudo isso para discutir, de forma extremamente sóbria e inteligente, reforma agrária e um projeto nacional.

Parece-me evidente que ninguém ensaiou, se maquiou ou decorou discurso. O espetáculo de vida foi todo gerado espontaneamente, vida miraculosamente multiplicada pelo contato com a vida. Tive a certeza de que, se as eleições fossem disputadas por homens nus, jamais perderíamos.

Na semana em que acontecia em Brasília o encontro nacional do PFL, os amigos do MST declamaram em São Paulo um argumento indefensável e incorrompível em favor da vitória da Vida. Foi um argumento anunciado pelo físico Bautista Vidal, envolto em magnífica risada e quase babando de prazer. O professor profeta anunciava que o Brasil tem uma riqueza essencial para o futuro energético da humanidade, e que o G-7 do norte não tem e não adianta que nunca vai ter: essa riqueza é o Sol, grande gerador da Vida. Esse Sol é nossa redenção. E esse, não adianta: a convenção do PFL nunca vai ter.

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