Governador, juíza e polícia mostram abuso e truculência em ação contra sem-terra no Paraná
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Por ordem do governador Jaime Lerner, a Polícia Militar do Paraná realizou, no último dia 7, o despejo de 200 famílias que ocupavam fazendas em municípios do noroeste do estado. Essa região vive um clima de tensão desde agosto de 1997, quando o governador Lerner, cedendo às pressões da UDR (União Democrática Ruralista), permitiu que a Polícia Militar efetuasse a prisão de 30 líderes do MST.

Naquela ocasião, vários despejos foram realizados por para-militares encapuzados e três lavradores foram mortos. Os autores desses crimes permanecem impunes até hoje.

Nos primeiros dias de maio, correu a notícia de que a Polícia Militar montava uma grande operação para executar ordens de despejo na região noroeste, porque a UDR, fortalecida com a eleição do deputado Abelardo Lupion, voltava a pressionar Jaime Lerner.

Informado dos rumores, o deputado José Dirceu de Oliveira, presidente do PT, procurou o governador, em Brasília, alertando-o sobre o risco de que operação de tamanho vulto redundasse em novas violências contra os sem-terra. Recebeu garantias cabais de que isto não iria ocorrer.

Os fatos, no entanto, desmentiram as palavras do governador. A operação caracterizou-se —seguindo o padrão histórico das operações deste tipo— pela truculência e pelo desrespeito aos direitos constitucionais dos cidadãos.

A primeira delas foi a proibição da entrada de jornalistas nas fazendas. Os despejos foram realizados sem cobertura da imprensa. Das 23 horas do dia 6 de maio até as 11h30 horas do dia 7, nenhum jornalista pôde exercer sua atividade na área.

A proibição só foi levantada após o término do despejo e, ainda assim, após enérgica intervenção do deputado Padre Roque Zimmermann, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, na ocasião acompanhado por advogados da região (leia abaixo o depoimento de Padre Roque).

O artigo 5, nº XI da Constituição, que impede a penetração de agentes policiais nas casas durante a noite, foi desrespeitado. Os despejados, ouvidos pelo deputado Padre Roque e pelos advogados, narraram que foram retirados de suas casas durante a madrugada e que tiveram de ficar deitados na terra - com os rostos voltados para o chão e as mãos na cabeça, sob a mira de armas - até por volta das seis e meia da manhã, quando começaram a ser removidos.

Por ocasião do despejo, a Polícia realizou várias prisões. Segundo relato da advogada dos sem-terra, Dra. Cristiane de Lima Martins, os sem-terra não puderam consultar seus advogados antes de prestar depoimento, o que caracteriza flagrante desrespeito ao nº. LXIII do artigo 5º da Constituição.

Nos termos do artigo 82, nº III do Código de Processo Civil, nos casos de ocupações por agricultores sem-terra, os despejos devem ser presenciados pelo representante do Ministério Público. Esse artigo foi introduzido na legislação brasileira após os massacres de Corumbiara e Eldorado dos Carajás, exatamente para evitar excessos policiais nos despejos. No entanto, nenhum representante do Ministério Público compareceu ao local.

Revanche

Além do descumprimento da lei, o despejo revestiu-se de caráter nitidamente revanchista: os fazendeiros, apoiados pela polícia, quiseram mostrar a todos quem manda na região. Isto pode ser comprovado por alguns detalhes: os presos foram colocados em viaturas policiais e estas circularam, sem nenhuma necessidade, durante mais de meia hora, pelas ruas da pequena cidade de Querência, com o intuito evidente de expô-los à população. Com o mesmo propósito de humilhá-los, veículos dos acampados, dirigidos por policiais, também circularam pelas ruas da cidade.

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Juíza confunde repórter com policial
e o felicita pelo "sucesso" da operação
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A juíza Elizabeth Kather, confundindo o repórter José Maschio com um policial, manteve um diálogo revelador do verdadeiro intuito da operação de despejo dos sem-terra. Reproduzimos abaixo a nota "gafe judicial", publicada na coluna Contraponto, do Jornal de Londrina.

"Cobrindo a recente desocupação de fazendas, o jornalista Antonio Maschio, correspondente da Folha de São Paulo, circulou bastante pela central de operações e pelo Fórum de Loanda em meio a integrantes, todos à paisana, do GOE (Grupo de Operações Especiais da PM). À noite, chegando para jantar no restaurante "Balaio de Frango", Maschio foi saudado efusivamente pela juíza Elizabeth Kather, que dividia a mesa com alguns casais.

- Parabéns! Parabéns pelo excelente trabalho. E o major, como é que está? Estava comentando aqui para os meus amigos fazendeiros o sucesso da operação.

O repórter se aproximou da juíza, curvou-se e sussurou:

- Doutora, eu não sou policial, sou jornalista da Folha de São Paulo.

Maschio conta que a cobertura da ação policial foi fácil. Difícil foi conseguir jantar, depois, com a juíza o tempo todo insistindo em tentar explicar a ele as contingências que levam uma magistrada, em uma cidade pequena, a se tornar amiga de fazendeiros..."

Em tempo: a Juíza Kather é a mesma que concedeu liminar em um pedido de despejo cinco minutos após o pedido ter sido protocolado no cartório.

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Operação de guerra e festival de mentiras
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Padre Roque Zimmermann

Já é mais do que conhecido o ditado de que "na guerra e nos conflitos a primeira vítima é a verdade". Raras vezes, em nosso meio, este dito foi tão verdadeiro quanto nos recentes conflitos envolvendo trabalhadores rurais sem-terra e o governo do Paraná. Importa ainda reconhecer que a tensão no campo, nesse estado, não é de hoje. Atualmente, porém, assume proporções que podem levar a verdadeiras tragédias. Vamos aos fatos.

Em 19 de abril, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, acompanhada pelo líder do PT na Câmara, foi ao Paraná com o intuito de conhecer mais detalhes sobre a morte de Eduardo Anghinoni, o seqüestro e tortura de Seno Staats, além de outras denúncias, principalmente as ameaças de morte contra uma dezena de líderes do MST. Após encontro com autoridades do Judiciário, representantes do MST e o próprio governador, parecia que se havia chegado a um termo de compromisso. Os fatos posteriores, no entanto, provaram o contrário. O seqüestro e espancamento de um dos líderes em Bituruna e o despejo e atrocidades contra seis lideranças em Ortigueira apenas seriam os indícios do que viria a ser a megaoperação de despejo programada pelo Governo Lerner em Querência do Norte, noroeste do Estado.

Com efeito, em 5 de maio, iniciou-se – com perfeita sintonia entre o governo do Estado, PM e latifundiários – a tal megaoperação, que deveria atingir 16 áreas ocupadas. Na verdade, tratou-se muito mais de uma operação de guerra. Seguramente, mais de 1.300 policiais, mais de cem viaturas da Polícia, dezenas de ônibus para transporte de tropas, grupo anti-seqüestro, tropa de choque e anti-motim, armamento pesado de todo tipo, helicóptero, cães adestrados, enfim, tudo o que se pode imaginar visando a uma batalha campal entre as forças policiais e os sem-terra. Querência do Norte esteve bloqueada por mais de 24 horas, com todas as entradas e saídas fechadas. Só entrava e saía quem a Polícia autorizava.

A imprensa foi barrada ainda longe do local das operações. Logo após a meia-noite, iniciou-se a operação de despejo. Os poucos homens nos acampamentos foram tirados das camas, obrigados a se deitarem com os rostos para o chão, enquanto mulheres e crianças – todos e todas em trajes sumários – foram enfileiradas ao relento e obrigadas a ficar assim até o clarear do dia, quando barracos e utensílios foram destruídos e incinerados. Para salvar as aparências, recolheu-se uma carga de caminhão de móveis e alguns objetos pessoais, posteriormente jogados defronte a uma casa na cidade.

Presos e algemados, 19 sem-terra foram conduzidos à Delegacia de Loanda. Velhos, mulheres e crianças, perto do meio-dia, foram levados à Delegacia de Polícia local, ficando aí até a noite, quase sem água e sem comida, fortemente policiados e permanentemente ameaçados. Só pelo meio-dia, por ser deputado, pude, com a imprensa e os advogados, ter acesso ao pessoal e aos acampamentos, alguns ainda em chamas. Roupas, móveis, alimentos, tudo havia sido destruído e estava sendo queimado. Poucas vezes vi cenas de tamanha brutalidade.

Enquanto isso, Lerner e sua troupe estavam em Brasília, na convenção do PFL, e os comandantes da operação apareciam em toda a imprensa dizendo que tudo fora pacífico, normal, sem violência, dentro da ordem.

Da mesma forma que, no dia anterior, o secretário de Segurança negava estar em curso qualquer operação –quando esta já havia sido descoberta e fotografada pela imprensa – e continuava mentindo: primeiro, que não houve violência; segundo, que todos foram recambiados para seus locais de origem; terceiro, que os sem-terra tinham sido bem tratados e alimentados. Enfim, o Governo Lerner continua alardeando que não há tensão e conflitos no campo no Paraná.

Os únicos que ficaram satisfeitos foram os fazendeiros, a UDR e seus asseclas. Para os pobres, os excluídos, os que lutam por dias melhores, o de sempre: a incriminação, o cassetete, o descaso e o desprezo dos que foram eleitos para zelar pelo bem público.  Padre Roque Zimmermann é deputado federal (PT-PR) e coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Agricultura Familiar

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