O novo mundo rural
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por Frei Betto
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O Brasil é o país do futuro, ouço dizer desde criança. Já ultrapasso meio século de vida e vejo como é difícil transformar sonhos em realidade. Paulo Pontes chegou a escrever a peça "Brasileiro, profissão esperança". Como canta o soneto de Camões, aqui "Continuamente vemos novidades, / Diferentes em tudo da esperança; / Do mal ficam as mágoas nas lembranças, / E do bem, se algum houve, as saudades."

Malgrado o esforço do governo federal de prometer, pela boca de Renato Gaúcho, que o país chegará aos 500 anos "inteiraço", somos ainda uma colcha de retalhos desigual e disforme. E manchada de sangue do genocídio indígena, dos 320 anos de escravidão e, agora, do assassinato sistemático de quem luta por reforma agrária. Para a Igreja católica, promover a reforma agrária "é uma intervenção necessária para o desenvolvimento harmônico da economia e da sociedade" (documento do Vaticano, nov. 97).

Na noite de 11 de junho, o sem-terra Lafayete de Oliveira foi assassinado com cinco tiros à queima-roupa, na região de Bauru. Deixou mulher e quatro filhos. Na era FH, em 1995, foram assassinados 34 trabalhadores rurais e presos 21. Em 1996, assassinados 49 e presos 13. Em 1997, assassinados 26 e presos 177. Em 1998, assassinados 38 e presos 141. Neste ano, assassinados 4 e presos 57. Total: 151 mortos e 409 presos. Só o governo Jaime Lerner mantém 21 sem-terras na prisão, dos quais três sofreram torturas. Em São Paulo, 7 trabalhadores rurais encontram-se presos.

Os responsáveis por chacinas (Corumbiara, Eldorado dos Carajás etc.) continuam impunes, enquanto a Justiça faz vista grossa aos fazendeiros que se armam e grampeia telefones de lideranças rurais. Ora, o trabalho redobrado poderia ser evitado se a Justiça tivesse acesso às informações dos arapongas da PM e das Forças Armadas infiltrados entre os sem-terras.

O "crime" dos índios foi a recusa de se submeterem ao arbítrio dos colonizadores. O "crime" dos escravos foi desejar liberdade e reconhecimento de sua dignidade humana. O "crime" dos trabalhadores rurais é reivindicar terra no país do latifúndio e trabalho sob o governo do desemprego. Ao ouvir que os ferroviários de Minas decretaram greve, o governador Milton Campos ordenou: "Mandem o carro-pagador". Todavia, a lição não fez escola. Os sem-terras querem plantar, o governo dá-lhes polícia. Para sonegadores, juízes corruptos e saqueadores do Banco Central, complacência. Polícia é para a horda de famintos que, heroicamente, se nega a dispersar-se pelas cidades e engrossar o cinturão de favelas, mantendo-se organizada e produtiva em assentamentos e acampamentos.

Até os latifundiários sabem que os conflitos no campo só terão fim com a reforma agrária. Como o governo FH é refém de 1% dos proprietários rurais que detêm 44% das terras do país, agora ele suprime o Procera, negando crédito às famílias assentadas; corta as linhas de financiamentos especiais para pequenos agricultores; cria o Banco da Terra, para evitar desapropriações e favorecer fazendeiros que fazem da terra um mero negócio; e lança o programa Novo Mundo Rural, para tentar camuflar sua decisão de não promover a reforma agrária.

Em palestra recente na Escola Superior de Inteligência do Exército, Raul Jungmann, ministro de Política Fundiária, informou que, desde o início do ano, de cada cinco fazendas ocupadas, apenas uma teve o pedido de reintegração apresentado pelo proprietário. Isso demonstra, segundo ele, que "nem tudo o que vem com tanta estridência é conflito aberto". Enfim, o ministro admite que as ocupações se dão dentro da lei e até os proprietários reconhecem os direitos dos sem-terras.

De janeiro a maio, o MST promoveu 149 ocupações de terras, o que permitiu o assentamento de 24.519 famílias! Em Pernambuco, de 49 ocupações, apenas cinco proprietários ganharam na Justiça a reintegração de posse. No Paraná, a Justiça age em sentido contrário: de 28 ocupações, determinou 21 reintegrações de posse. Entidades como a Contag e o MST calculam que 440 mil pequenos agricultores perderam suas terras sob o governo FH. Eis a contribuição oficial ao êxodo rural, ao desemprego e à violência urbana.

O governo FH promete entregar, ainda este ano, título de posse a 50 mil famílias assentadas. Diga-se de passagem, quase todas assentadas graças a ocupações do MST. Por que o governo não promove desapropriações por iniciativa própria e age sempre a reboque da pressão popular? Porque não tem interesse na reforma agrária. Caso contrário, bastaria retalhar em lotes as terras em mãos do Banco do Brasil, reduzindo a marginalização de tantas famílias e o desemprego, e aumentando a produtividade. E, tivesse pulso, não permitiria que a sonegação fiscal campeasse na zona rural. Transformar uma questão política —a existência de cerca de 15 milhões de sem-terra— em questão de polícia aplaca a ira dos latifundiários. Mas não é solução. É tentar apagar o fogo com gasolina. Talvez fosse bom o presidente FHC reler o discurso sobre a questão agrária que o sociólogo FHC pronunciou na Faculdade de Direito da UFMG, em junho de 1960.

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