"Cuidado: a Amazônia vai ser
o Oriente Médio do século 21"

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Por Laerte Braga
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O título desta matéria —uma advertência enunciada por Gilberto Felisberto Vasconcelos durante entrevista concedida ao Correio na cantina do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora— foi sugestão do próprio entrevistado.

E não poderia ser diferente. Sociólogo, professor da UFJF, com vários livros publicados (sobre personagens tão díspares como Collor de Mello e Xuxa Meneghelli), Gilberto Felisberto Vasconcelos é um polêmico discípulo do diretor Gláuber Rocha —"o cineasta/pensador do Brasil grandiloqüente e soberano".

A soberania nacional, sua relação com o problema energético e com o futuro e o MST —"a resistência essencial ao imperialismo americano"— foram temas dominantes da conversa com o professor, que atualmente se prepara para lançar o livro "Itamar e a Poeira do Plano Real (título provisório)". Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Soberania e colonialismo

"Não existe possibilidade de emancipação popular, ou seja, elevação do nível material das pessoas sem soberania nacional. Soberania não é abstrata, não é filigrana jurídica, bacharelesca, tipo Ulisses Guimarães. Soberania tem que estar assentada em coisa concreta. Temos a energia do próximo século, que é a energia vegetal, a biomassa."
"Os países imperialistas, sobretudo os Estados Unidos, situados no Hemisfério Norte, zonas temperadas ou frígidas, não possuem petróleo, o petróleo está acabando. Setenta por cento do petróleo restante está no Oriente Médio, por isso a região é fonte de guerras."

"O Plano Real é um instrumento financeiro, baseado numa moeda falsa, para transferir os nossos recursos estratégicos naturais, tais como o nióbio, minérios de um modo geral, água potável, energia do sol, para os países que controlam a ‘armadilha financeira imperialista’. Diante da exaustão do combustível fóssil e a existência de energia tropical abundante, localizada no Brasil, que é a maior nação tropical do planeta, é bem possível que, no limiar dos anos 2000, a Amazônia seja o próximo Oriente Médio. É uma fonte energética extraordinária. O sol Amazônico equivale a milhões de bombas de Hiroshima."

"O Plano Real não deve ser analisado sob o ângulo monetarista, mas sim através de um novo tipo de colonialismo, o primeiro desde a década de 70, um colonialismo holístico, que requer a apropriação do sol e da água. O Plano Real é a entrega do nosso subsolo, que começou com a privatização da Vale do Rio Doce, para desembocar, logo, logo, na Amazônia."

"FHC é o agente interno do colonialismo da etapa vídeo/financeira. Ou seja, o colonialismo que quer apossar-se do território. Voltamos à cobiça pelo território! O colonialismo de antanho! Esse colonialismo de apropriação territorial visando o controle do patrimônio bioenergético traz, em si, o fundamento genocida. E por quê? Porque o imperialismo quer o território, não a gente. A mão-de-obra é descartável. Daí o plano de eliminar 70% da população brasileira, pela via da exclusão social, da pobreza, da miséria e os planos de esterilização, sobretudo no Norte e no Nordeste. Plano Real é isso: exclusão. Está implícito no Plano Real esse esboço genocida."

"É surpreendente que nenhum partido de oposição tenha encampado o projeto popular e nacional da biomassa, embora Leonel Brizola já tenha dado sinais visíveis de que o nacionalismo brasileiro, hoje, em sua vertente trabalhista, precisa arregimentar-se de um ufanismo energético tropical".
"ACM é o Buda-nagô da direita brasileira, que consegue ser regionalista e entreguista, fazendo marola assistencialista para dar continuidade ao processo de entrega das riquezas nacionais. O tal imposto que ele quer inventar tem essa finalidade."

MST

"É o movimento que está vinculado à riqueza telúrica, que transcende os burocratismos sindicais e urbanos e pode vir a ser o fator de ocupação da terra, para impedir que o imperialismo se aproprie do território brasileiro. O MST pode vir a ser o soldado da biomassa. Porque a reforma agrária faz parte do projeto democrático de energia tropical, onde cada hectare que o sujeito tem é como uma Shell particular."
"As lideranças do movimento já estão cientes e inteiradas da importância econômica e política da proposta da biomassa, que inclui não apenas o álcool, mas o babaçu, o dendê e mamona. Daqui a pouco haverá conexão orgânica entre a energia e a terra, superando a esquizofrenia entre moeda e riqueza nacional. Nesse processo, o MST torna-se essência da soberania nacional". (Para mais esclarecimentos sobre a proposta da biomassa, ver o livro que Gilberto Felisberto Vasconcelos e J. W. Bautista Vidal escreveram juntos: "O Poder dos Trópicos", ed. Casa Amarela.)

"O MST precisa de oxigênio nacionalista, inclusive de emergência de lideranças tipo Antônio Conselheiro. Uma liderança sócio-mística, que associe a luta pela soberania nacional e pela eliminação da pobreza com uma base mística. Porque sem religião, sem a cruz, não há mobilização popular duradoura. E, como todos sabemos, a burguesia teme não a um líder sindical, mas a um líder messiânico como Antônio Conselheiro. Messiânico e amoroso. Que é o modelo sócio-místico de esquerda do grande e saudoso Gláuber Rocha".

"Eu não descarto a possibilidade de uma aliança das Forças Armadas com o MST. Isso porque o Plano Genocida fhceano implica na desestatização da sociedade e a destruição das Forças Armadas nacionais, convertendo-as em caçadoras de pivetes e bandidos. O Exército transformar-se-ia em polícia interna. Com isso, o Brasil fica vulnerável e entregue a uma apropriação imperialista da energia tropical."

"O que o MST carece é de um esclarecimento sobre o sistema energético que vai substituir o petróleo. Qual é a energia que vai mover o mundo nos anos dois mil? Energia vegetal. A Amazônia é o paraíso vegetal. O Plano Real é a estratégia imperialista para se apossar da Amazônia. Isso é lógico, é por isso que o Brasil é o país do futuro, confirmando a profecia de Stefan Zweig: ‘o Brasil, país do futuro, já está no presente’."

Alternativas

"Temos duas alternativas: a primeira, nós brasileiros exploramos a nossa riqueza com o objetivo de emancipar nosso povo de todas as penúrias materiais, junto com o Estado soberano e independente. Ou nos tornamos, sem mão-de-obra, um tipo de protetorado norte-americano, em que o povo brasileiro será reescravizado."

Com esta conclusão, o professor Gilberto Felisberto Vasconcelos encerrou sua entrevista. A conversa, aliás, foi assistida por um número expressivo de alunos da Universidade Federal de Juiz de Fora e, em dados momentos, tomou aspecto de conclamação para que todos os pontos levantados pelo entrevistado fossem discutidos, abordados e tomados como referência da luta popular.

O professor indicou caminhos, trocou idéias com alunos, sempre acompanhado do seu monitor, Yago Euzébio Bueno de Paiva Junho. Sofreu uma interrupção: uma aluna do curso de moda da Universidade Federal do Rio de Janeiro pediu um minuto ao professor para solicitar que lhe recomendasse alguns livros sobre folclore relacionados à moda. Gilberto Vasconcelos não se furtou: "Luís da Câmara Cascudo, a obra que fala dos gestos, da história dos gestos. Ou a obra dele como um todo. Ali você vai encontrar moda à vontade".

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