CPI do narcotráfico pode
'ofuscar' julgamento de Rainha

_-

Por Laerte Braga

Acusado de co-autoria em um duplo homicídio ocorrido no dia 5 de junho de 1989 na cidade de Pedro Canário (ES), o líder sem-terra José Rainha Jr. será julgado pela segunda vez em Vitória, no próximo dia 13. No primeiro julgamento, que aconteceu em Pedro Canário em 1997, Rainha foi condenado a 26 anos e seis meses de prisão, embora a defesa tivesse provado que ele não poderia ter cometido o crime, pois estava no Ceará, reunido com o governador do estado, no dia em que os assassinatos aconteceram.

Condenado a cumprir uma pena superior a 20 anos, Rainha ganhou o direito de aguardar em liberdade um segundo julgamento, inicialmente marcado para setembro de 97, que foi adiado pelo juiz Sebastião Motta Mosine depois que a defesa de Rainha entrou com um pedido de desaforamento. O novo julgamento acontecerá ao mesmo tempo em que a CPI do Narcotráfico ocupa grande espaço no jornais capixabas. A falta de atenção ao julgamento de Rainha é o maior temor de Irini Lopes, presidente do PT do Espírito Santo. Em entrevista ao Correio, Irini analis, a situação daquele que é hoje considerado o mais violento estado do país.

Correio: Há expectativa no estado com o julgamento de José Rainha? O desaforamento do processo para Vitória significa que vai existir imparcialidade, ou persiste o risco de um corpo de jurados vulnerável a pressões do latifúndio?

Irini Lopes: O corpo de jurados em Vitória é uma coisa desconhecida para nós. Há algumas pessoas que estudam direito, a maioria é composta de funcionários públicos. Agora, o que eu acho central, diferente da conjuntura anterior, é que desta vez o julgamento de Rainha não é o centro das atenções políticas no Espírito Santo, que neste momento está ocupado pela chegada da CPI do Narcotráfico. O crime organizado hoje permeia todas as instituições do ES, seja no Executivo, no Legislativo, no Judiciário.

 

Correio: Isto pode influenciar no julgamento de Rainha?

Irini: Acho que o corpo de jurados, a depender da conjuntura, poderá ou não ser pressionado. O fato é que o julgamento de José Rainha vai estar diluído na situação de combate ao crime organizado. Isso sim é uma questão preocupante, até porque Rainha será julgado por homicídio num momento em que se discute crime. O Espírito Santo é o estado proporcionalmente mais violento do país. O crime de mando ainda é uma coisa que faz parte do seu cotidiano e o que eu temo é isso: a pauta é a criminalidade e, ao mesmo tempo, há uma liderança do MST sendo julgada.

 

Correio: O que pode ser feito para evitar que essa confusão de pautas? E como você vê a relação entre políticos e crime organizado no ES?

Irini: A relação é simbiótica. O grupo dominante, hoje, no Espírito Santo age e faz parte do comando do crime organizado. Nós temos empresários, latifundiários, deputados, desembargadores, juizes, delegados, policiais civis e militares, todos envolvidos no crime organizado. Nosso Estado é rota de tráfico de armas, de drogas e carros roubados. Ninguém fica de fora, quer dizer, os setores da classe dominante do estado se ancoram e se escoram no poder que o crime organizado tem. Quanto a minha preocupação com o julgamento do Rainha coincidir com a chegada da CPI, ela decorre da extrema importância desta CPI para o Espírito Santo.

 

Correio: Mas não há como mudar a data dos acontecimentos. O que pode ser feito para evitar a confusão das pautas?

Irini: Precisamos fazer uma repercussão internacional, uma articulação com os movimentos de direitos humanos, procurar, como fizemos à época do desaforamento do processo, a Anistia Internacional. Uma das nossas tarefas também é liberar as notícias que nós temos a respeito do Judiciário do estado, que vai julgar José Rainha. Eu acho isso fundamental, para que não se crie um clima, uma comoção, pois todos querem se ver livre do crime organizado no Espírito Santo. As famílias que perderam filhos, maridos, irmãos, que querem ver justiça, podem colocar o José Rainha na vala comum.

Correio: Tecnicamente, como você analisa as chances de Rainha ser absolvido?

Irini: Do ponto de vista técnico, eu diria que há um empate. Dei uma olhada nos autos, a defesa pode ganhar, a promotoria também. Vai ser preciso uma habilidade muito grande Os advogados do José Rainha têm essa habilidade, mas é preciso atenção com o momento que vive o Espírito Santo. A CPI do Narcotráfico virou, no imaginário popular, algo que se personaliza, como se fosse um herói. Nós temos que fazer uma distinção e não permitir que o julgamento seja colocado na linha direta de crimes, como os que estão sendo apurados no estado. O julgamento do José Rainha não é o centro e isso pode reverter na sua condenação.


Copyright © 1998-1999 Correio da Cidadania - Todos os direitos reservados

Voltar para Home Page do Correio