Absolvição de Rainha mostra força política do Movimento Sem-Terra
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Por Luiz Antonio Magalhães
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A absolvição do líder sem-terra José Rainha, na última quarta-feira, representou uma das mais expressivas vitórias políticas do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em toda a história do movimento.

Rainha era acusado de co-autoria em um duplo homicídio ocorrido em 5 de junho de 1989, na cidade de Pedro Canário (ES), e havia sido condenado a 26 anos e 6 meses de prisão em seu primeiro julgamento em 1997. Como todo réu condenado a pena superior a 20 anos, o líder do MST teve direito a um novo julgamento, inicialmente marcado para o começo deste ano e adiado para a última segunda-feira, em função de uma série de problemas processuais.

A luta do MST pela absolvição de José Rainha começou tão logo o Tribunal do Júri de Pedro Canário, onde foi realizado o primeiro julgamento, apresentou o veredicto. Do ponto de vista estritamente jurídico, a condenação do líder sem-terra em 1997 foi estapafúrdia: a defesa provou que ele não poderia ter matado o fazendeiro José Machado Neto e o soldado PM Sérgio Narciso da Silva pelo simples fato de estar, no dia do crime, a milhares de quilômetros de distância do palco dos acontecimentos. Até mesmo o governador do Ceará, o tucano Tasso Jereissati, declarou à imprensa que esteve reunido com Rainha, em Fortaleza, um dia antes do duplo homicídio. O júri, porém, desconsiderou as provas dos autos do processo e aplicou a Rainha uma sentença política: não foi o homem José Rainha Jr. o condenado em Pedro Canário, mas o MST e a luta pela reforma agrária.

 

A força do MST
Entre a condenação de 1997 e o julgamento da semana passada, muito pouca coisa mudou no quadro político-institucional brasileiro que justificasse a absolvição de Rainha. Afinal, hoje, como em 1997, o presidente da República chama-se Fernando Henrique Cardoso, a reforma agrária continua caminhando a passo de tartaruga e a Justiça está onde sempre esteve: nos braços das elites.

O que mudou o quadro a favor do líder sem-terra foi a ação política do MST. O movimento jogou todas as suas fichas na absolvição de Rainha. Já em 1997, começou a ser organizada uma ampla campanha visando sensibilizar a sociedade brasileira e organizações de direitos humanos internacionais sobre a inocência de José Rainha.

Aqui e lá fora, a receptividade da campanha foi grande, tantas eram as evidências a favor de Rainha. No final do processo, na semana passada, o esforço do MST foi recompensado: assistiram ao julgamento, entre outros, os representantes da anistia internacional, Tim Cahil e Julia Rochester; a representante da ONG Justiça Global, Camila Moreno; representantes da ONG francesa Fères Des Hommes; Dom Tomás Balduíno, presidente da CPT; Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical; além de Luís Inácio Lula da Silva, presidente de honra do PT, e vários parlamentares do partido.

Apesar de concentrar esforços na campanha de sensibilização da opinião pública, os sem-terra não descuidaram dos aspectos jurídicos. A defesa de Rainha conseguiu o desaforamento do julgamento, que deveria acontecer, mais uma vez, em Pedro Canário, e foi transferido para Vitória, capital do Espírito Santo. Foi o primeiro passo para conseguir um julgamento minimamente isento, uma vez que a composição de um novo Júri em Pedro Canário não iria diferir em muito do que condenou Rainha na primeira vez.

Além do desaforamento, o MST conseguiu um reforço de grande peso para o julgamento. O advogado Evandro Lins e Silva aceitou fazer, ao lado de Luiz Eduardo Greenhalgh e Aton Fon Filho, a defesa de Rainha no julgamento. A força da presença de Evandro, aos 88 anos, foi tão grande que os responsáveis pela acusação de Rainha, ao final do julgamento, foram todos pedir autógrafo ao mestre.

Para completar o quadro, o MST colocou sua militância na rua. Na praça ao lado do Fórum, 4.000 pessoas acompanharam, em vigília, as mais de 30 horas do julgamento por meio de um telão.

Com tanto esforço, a vitória veio, Rainha foi absolvido e a multidão que lotava a praça fez a festa. Apesar de tudo, a derrota —política— do latifúndio não foi fácil e nem definitiva. O placar do Júri —4 votos pela absolvição, 3 pela condenação— mostra a força dos que lutam contra a reforma agrária no país; e o anúncio de que o Ministério Público vai tentar anular o julgamento em função de irregularidades cometidas pela própria acusação revela que as elites têm uma grande dificuldade de aceitar suas próprias regras quanda essas levam às vitórias populares.



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