Otimismo de pernas curtas

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Por Reinaldo Gonçalves
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O governo, com a apoio da mídia e dos consultores cortesãos do poder, tem tentando difundir um cenário otimista para os próximos anos. No país do déficit (de emprego, justiça, moralidade, cidadania etc.), o superávit de otimismo no Brasil tem, certamente, um forte componente de subjetividade. A "ânsia de otimismo" resulta da necessidade social e do imperativo político. O otimismo entra na agenda política como um mecanismo de defesa das classes dirigentes. O capital político do governo FHC, baseado principalmente no controle da inflação, tem retornos decrescentes e, se não se esgotou, está num nível muito baixo. Portanto, a reativação econômica surge como resultado de um imperativo político.

No contexto da trajetória de instabilidade e crise, o Brasil tem experimentado nos últimos anos alguns miniciclos de otimismo. No final de 1996, houve algo similar e as expectativas eram de retomada do crescimento. Não faltaram análises com viés de otimismo, mais ou menos qualificado. Levantamentos e pesquisas de planos de investimento realizados pela CNI pareciam indicar que havia um "aumento progressivo de confiança na estabilização macroeconômica" e, portanto, "no período 1997/99 predominam projetos em novos produtos e de expansão e construção de novas plantas, reduzindo-se a importância dos investimentos de reposição". Na realidade, a reativação econômica de 1997 esgotou-se rapidamente, pois no início do ano seguinte já se observava os sinais de queda do nível de atividade (inclusive, dos investimentos). O miniciclo de investimento (1997-99) não se realizou – surpresa seria se isto ocorresse num período de estagnação e crise econômica -, e, assim, interrompeu-se o miniciclo de otimismo.

No período que vai do final de 1999 ao segundo trimestre de 2000, o cenário brasileiro estava muito parecido com o do primeiro semestre de 1996. Os sintomas de desgaste do governo eram evidentes: FHC acuado; a credibilidade de FHC atingiu níveis muito baixos; e o tema da governabilidade voltou para a agenda política. Dois momentos representativos. Em maio de 1996, após os efeitos causados pelos erros de políticas econômicas orientadas para enfrentar os efeitos da crise do México (de dezembro de 1994 e início de 1995), o índice de popularidade de FHC atingiu seu nível mais baixo após 17 meses de governo. Em maio de 1996, cerca de 2000 empresários foram a Brasília pressionar por mudanças na política do governo, após a queda abrupta do nível de atividade (por exemplo, a queda da produção industrial foi da ordem de 5% no primeiro semestre de 1996; a taxa de desemprego saltou de 4,4 em março de 1995 para 6,4% em março de 1996). As mudanças foram feitas (principalmente, a redução da taxa de juros) e houve uma recuperação do nível de atividade até o final de 1997, quando o país foi atingido pela crise asiática.

Em setembro de 1999 a popularidade de FHC atingiu níveis criticamente baixos, ao mesmo tempo em que a queda da produção, o aumento do desemprego e a pressão inflacionária indicavam perda de controle. O governo ficou, mais uma vez, acuado – a perda de legitimidade do Estado estava em jogo. Exemplo de evento sintomático foi que, pela primeira vez na história do Brasil, os juízes federais fizeram uma greve nacional. Em setembro, também, a Central Única de Trabalhadores e a Força Sindical negociaram uma campanha unificada para reajuste de salários. A partir de então, o tema da governabilidade voltou à agenda política nacional, reforçado pelo aumento da tensão social, provocado pela piora das condições sociais (inflação, desemprego, queda das rendas etc.) e pelo aumento da violência.

Em meados de 2000, a queda (até certo ponto, inesperada) da taxa de juros foi uma resposta ao aumento notável do desconforto da opinião pública nos últimos meses. O desconforto e a desesperança estiveram associados à manutenção de uma difícil situação de desemprego e rendas baixas, descrença no governo, repressão violenta ao MST, truculência do governo nas comemorações dos 500 anos, aumento brutal da criminalidade e violência das polícias militares em alguns estados como Paraná e São Paulo. O governo federal tentou reverter as expectativas e desviar a atenção da opinião pública com um plano de segurança nacional risível e notícias fajutas sobre reforma agrária.

A economia brasileira continua sendo considerada como de altíssimo risco no futuro próximo. Esta percepção de alto risco para o Brasil no curto e médio prazos é expressa claramente na avaliação da Economist Intelligence Unit (EIU) de Londres. As estimativas de risco para 2001 realizadas pela EIU em setembro de 2000 colocam o Brasil como o sétimo país de maior risco. A percepção de risco para o Brasil em 2001 é muito elevada, somente sendo superada pelas situações de Mianmá, Zimbabwe, Rússia, Paquistão, Indonésia e Nigéria. Todos estes países estão envolvidos em sérias crises que ultrapassam, inclusive, a esfera econômica. Deve-se notar, ainda, que as expectativas com relação ao Brasil eram piores do que as da Argentina, país em que já eclodiu uma grave crise econômica, inclusive, com uma dimensão política e institucional bastante séria. O otimismo parece ter "pernas curtas" no Cone Sul.

Reinaldo Gonçalves é professor titular de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


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