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O que tem a ver
"alhos" com "bugalhos"! O que tem a ver o MST, neste início de
século 21, com o Abolicionismo, de fins do Oitocentos! Tudo! Ao menos para Celso Furtado,
que acaba de compará-los e defini-los como os mais Sobre o MST existe consenso positivo. Mesmo quando seus métodos plebeus desgostam, aceita-se que é o único movimento que pauta a ação das elites e do governo, obtendo conquistas populares insofismáveis. Sobre o abolicionismo, ao contrário, construiu-se visão negativa quase unânime. A Abolição tem sido apresentada como coisa de "branco", armadilha para "libertar" os "negros" sem trabalho e indenização. A polêmica declaração de Furtado parte de visão mais complexa do Abolicionismo, nascida da apreciação da formação social brasileira como um todo. Em verdade, alguns poucos analistas vêem na Abolição a única revolução social brasileira vitoriosa. Vejamos por quê. A partir de 1532, cativos - primeiro americanos, a seguir africanos - labutaram nas costas e sertões do Brasil, produzindo riquezas que usufruíram muito marginalmente. Por 366 anos, o escravismo organizou a sociedade brasileira, dividida essencialmente em amos e cativos. A violência e a desacumulação relativa eram características essenciais do escravismo, brilhantemente elucidadas pela tese de Jacob Gorender, O escravismo colonial, de 1978. O funcionamento do escravismo determinava que milhões de trabalhadores fossem literalmente consumidos na produção e parte substancial das riquezas fosse expatriada pelo tráfico transatlântico de trabalhadores escravizados. A dominância do trabalho livre constituía a chave do desenvolvimento histórico, como lembrou Benjamin Péret, em "Que foi o quilombo de Palmares?", em 1956. Salvo engano em forma pioneira, o marxista-revolucionário francês e fundador do surrealismo assinalou magistralmente que a saúde de Palmares e da sociedade brasileira encontrava-se na destruição geral do escravismo. Porém, por séculos, os senhores mantiveram ferreamente a ordem maldita, impedindo que setores livres apoiassem a resistência dos cativos, que seguiram lutando pateticamente sós contra a escravidão. Apenas nos anos 1860, deram-se as condições para a gênese do emancipacionismo, como elucidou, magnificamente, Emília Viotti da Costa, em "Da senzala à colônia", em 1966. Nos anos 1880, finalmente, o abolicionismo dividiu, em forma vertical, a sociedade brasileira e pariu o primeiro movimento social nacional. O abandono, pelos abolicionistas radicalizados, dos discursos nos salões e no Parlamento, em prol da união, orgânica e programática, com os trabalhadores escravizados, ensejou a multitudinária fuga de cativos dos cafezais, desde fins de 1887, pondo fim à escravidão, como historiou Robert Conrad no clássico "Os últimos anos da escravatura no Brasil", de 1975. Única revolução social vitoriosa no Brasil, a Revolução Abolicionista extinguiu o modo de produção dominante por três séculos e unificou juridicamente os trabalhadores nacionais. Porém, foi incapaz de impor parte de seu programa reformista e democrático que propunha, explicitamente, a distribuição de terra aos ex-cativos. Em 15 de novembro de 1889, a República propiciou golpe mortal no abolicionismo, pondo fim, por décadas e décadas, a qualquer movimento social reformista nacional. À exclusão do RS, a nova ordem federalista entregou o poder aos latifundiários estaduais, que instauraram a paz dos proprietários nas cidades e nos campos do Brasil. A seguir, a violência impôs - e o racismo científico, o positivismo comteano e o elitismo tradicional justificaram - a exclusão dos trabalhadores, constitucionalmente cidadãos, da gestão dos assuntos públicos. Ao nível das percepções atuais, o sucesso da contra-revolução republicana tem encoberto o sentido da revolução abolicionista, lembrado sensivelmente por Celso Furtado. Espécie de abolicionismo moderno, o MST criou movimento
multitudinário nacional em prol da democratização social efetiva que, mesmo não
propondo superações da institucionalidade, questiona-a na sua essência, ao exigir, A genial analogia de Celso Furtado assume conteúdo inesperado e candente ao desvelar que, ao lutar pela concretização de tarefas democráticas propostas inutilmente quando da Abolição, o MST e o movimento social brasileiro enfrentam-se com a necessidade imperiosa de dar novo conteúdo à revolução realizada pelos abolicionistas e cativos, há quase 120 anos. * Mário Maestri é professor do Programa de Pós-Graduação em História da UPF e autor, entre outros, de O escravismo no Brasil 6 ª ed. São Paulo: Atual, 1997 e A segunda morte de Castro Alves: genealogia crítica de um revisionismo. Passo Fundo: EdiUPF, 2000. E-mail: maestri@via-rs.net |
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