Dos EUA ao MST

Por Luiz Antonio Magalhães*
As últimas semanas foram cruéis com a imprensa. O vexame na cobertura das eleições americanas só não foi maior do que as eleições em si. Até o momento em que escrevo o povo norte-americano não conhecia o nome do futuro presidente da República.

A poderosa mídia americana e o sistema eleitoral do país viraram motivo de chacota no mundo inteiro. É verdade: foi e está sendo divertido ver os EUA caindo em um ridículo digno das confusões mais primitivas que acontecem em locais como o interior das Alagoas. O episódio, no entanto, também pode servir para uma reflexão mais séria.

Quase ninguém comentou que a origem dos erros da imprensa norte-americana está no caráter semi monopolista do sistema midiático daquele país. Alberto Dines, editor do Observatório da Imprensa, foi um dos poucos jornalistas brasileiros que apontaram o problema.

Em artigo publicado na última edição do Observatório, Dines afirma que as redes norte-americanas de TV decidiram formar um "pool" para baixar os custos com as pesquisas de "saída de urna", como são chamadas as apurações paralelas dos votos no EUA. Para o jornalista, "no exato instante em que as redes de TV americanas abriram mão de concorrer entre si, equalizando resultados e previsões, começou a articular-se o vexame. Estava formada a Rede das Redes. O que aconteceu em seguida foi o espetacular aborto de um cartel em gestação. O pool de cobertura nada mais é do que o Estágio 1, camuflagem para encobrir a associação dos conglomerados de mídia. Os CEO’s fizeram as contas e perceberam que o preço da competição livre, na escala em que operam, é impossível. Partiram para a vaquinha. E deu no que deu."

"Acreditar que a "barriga" resultou da fatalidade, erro de cálculo ou falta de planejamento das redes de TV é minimizar um monumental colapso sistêmico", completa Alberto Dines. O pior é que, chacotas à parte, quase toda a imprensa mundial, colonizada que é, caiu no conto do vigário e acreditou no que era divulgado, sobretudo pela CNN e pela Associated Press (AP).

No fundo, os sucessivos erros cometidos na madrugada do último dia 7 e na manhã do dia 8 devem servir de alerta para todos os que preferem viver em uma sociedade minimamente democrática.

A razão é simples: no caso do noticiário sobre as eleições americanas, as duas partes interessadas são muito poderosas e têm força para cobrar, até mesmo de um grande "pool" midiático, precisão e qualidade das informações que são oferecidas ao público.

Imagine-se, porém, um "pool" da imprensa brasileira cobrindo as recentes denúncias de "desvio" de recursos públicos por parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Não é difícil projetar o que aconteceria: por mais força que o MST tenha acumulado – e os sem-terra representam hoje o mais combativo movimento popular no país–, por mais aliados que tenham conquistado dentro dos quadros institucionais, a verdade é que a mídia brasileira, atuando em conjunto, seria capaz de desinformar a população para desmoralizar o movimento.

O leitor deve estar se perguntando: ora, mas não é justamente isto que está acontecendo? Em parte: é verdade que a maioria dos órgãos de imprensa está repercutindo as denúncias de "pedágio" originalmente publicadas na "Folha de S. Paulo". Também é verdade, porém, que a inexistência de um "pool" ou monopólio midiático foi crucial na publicação, pela mesma "Folha", de reportagem mostrando que o jornalista que fez a denúncia foi subvencionado por órgão estatal em litígio com os sem-terra. Mais ainda: foi justamente a disputa entre os órgãos da grande imprensa que possibilitou a crítica da Ombudsman da própria "Folha" à postura do jornal no episódio.

E a razão é, de novo, simples: a denúncia da prática de mau jornalismo certamente apareceria nos veículos concorrentes (até a rede Globo, sócia do Grupo Folha no jornal "Valor Econômico", apresentou matéria sobre a ligação dos jornalista da "Folha" com o Incra). Ora, o melhor que a "Folha" poderia fazer para sustentar a sua posição e manter sua credibilidade, uma vez descoberto o "lapso", era mesmo lançar mão de certas formas de "auto-proteção". A reportagem sobre o caso, os comentários da Ombudsman e, em episódios mais drásticos, a seção "Erramos" cumprem este papel.

* Luiz Antonio C. C. Magalhães é editor-assistente do Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br). Foi diretor-adjunto e editor deste Correio (1996-2000). Endereço eletrônico: laccm@ig.com.br

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