A mídia em 2000: um balanço
em quatro atos (4)

Por Luiz Antonio Magalhães
 

Nesta edição, finalizamos a análise sobre o comportamento da imprensa brasileira no ano passado. Dois assuntos foram exaustivamente tratados pela mídia no segundo semestre de 2000 e merecem ser relembrados: as eleições municipais e os 50 anos da televisão no Brasil. Dois casos emblemáticos, como veremos a seguir.

O PT cor-de-rosa e as eleições
A partir de meados do ano, a eleição municipal tomou conta do noticiário. E, a exemplo do que aconteceu nas eleições de 1998, a cobertura das campanhas foi chocha. Os jornais e redes de TV centraram foco nas pesquisas eleitorais, transformando o noticiário político em uma espécie de coluna de turfe de longa duração.

Sobre bastidores, articulações e intrigas entre as variadas forças políticas, muito pouco foi publicado. Sobre os programas dos partidos e candidatos, quase nada.

O resultado do primeiro turno, com a inequívoca vitória das oposições, serviu para "chacoalhar" um pouco a pasmaceira. O problema foi que a chacoalhada teve efeitos deletérios. Em vez de cobrir melhor o segundo turno, levando ao público notícias de interesse, a grande imprensa –assustada com o crescimento dos "vermelhos" – resolveu agir de outra forma: uma parte entrou em campanha ostensiva contra os candidatos do PT e da esquerda em geral; outra parte preferiu minimizar o estrondoso fracasso da base governista nas urnas e criar o tal "PT cor-de-rosa", aquele que late mas não morde. E uns poucos ainda conseguiram a proeza de fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

A nova vitória da esquerda, agora no segundo turno, rendeu mais alguns quilos de notícias e comentários dos colunistas de plantão. Desta vez, ficou mais complicado driblar os fatos. Em qualquer análise – fosse quantitativa (número de votos conquistados, número de cargos obtidos, crescimento eleitoral etc.) ou qualitativa (peso sócio-econômico das prefeituras que a esquerda conquistou, peso político das cidades etc.) –, era preciso dizer que o desempenho da esquerda, e do PT em particular, havia sido espetacular. Não dava mais para minimizar.

Assim, a grande imprensa foi forçada, muito a contragosto, a reconhecer que o PT ganhou. Mas como nada neste país é de graça, reforçou-se a idéia de que o PT não é mais aquele. Marta Suplicy foi transformada em musa da vez, com direito a capa da Veja.

A "operação cor-de-rosa" só não foi mais bem sucedida porque, especialmente durante a campanha para o segundo turno, os candidatos da direita entraram em surto diante da derrota que se avizinhava e lançaram mão de expedientes típicos da guerra fria, apostando em um rançoso anticomunismo. Não colou. Pior: ficou difícil tachar o PT de "cor-de-rosa", uma vez que o povo votou nos candidatos acusados de serem vermelhíssimos.

Tudo somado, a cobertura das eleições 2000 mostra que a esquerda não pode ter ilusões: a mídia brasileira vai jogar contra. Sempre. Surpreendente é um partido do porte do PT não dispor, até hoje, de um veículo de comunicação de massas para expor sua visão da realidade.

50 anos de TV: Globo enfim enfrentada
O cinqüentenário da televisão brasileira foi marcado pela polêmica em torno da novela Laços de Família, da Rede Globo. Irritada com a petulância da Justiça em fazer cumprir a lei, a emissora mais poderosa do país quis fazer papel de vítima. Tentou chamar de censura a mudança de horário da novela e o afastamento dos atores menores de idade das gravações.

A manipulação da Globo em torno da suposta censura à novela foi objeto desta coluna. Vale lembrar, apenas, que nada foi censurado. A novela continuou, em horário que a Justiça considerou adequado – há lei para essas coisas e, se há lei, deve valer para todos, não só para os Ratinhos–; e a emissora passou a ter de obedecer a um tal de ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente. Não, não é "entulho autoritário": é filho da jovem democracia brasileira, dos legítimos.

Mas Vênus Platinada ainda é forte: conseguiu convencer meia dúzia de desavisados de esquerda. Essa gente – ironia suprema – chegou a lembrar os tempos da ditadura militar para... defender a Rede Globo de Televisão. Síndrome de Estocolmo às avessas, quem sabe.

As voltas que o mundo dá: agora mesmo a Globo voltou a ser enfrentada. Desta vez, pelo deplorável deputado Eurico Miranda (PPB-RJ), presidente eleito do Vasco da Gama, que mandou seu time a campo, em plena final de campeonato de transmissão exclusiva da emissora, com o logotipo do SBT estampado no uniforme. Mas isto já é assunto de 2001.

Este balanço se encerra com um desejo, mais do que uma constatação: que 2000 tenha sido o ano em que a sociedade brasileira começou a enfrentar o poder Rede Globo de Televisão.

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