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A 25 de julho, foi comemorado o dia do agricultor e do escritor. Este come o que
aquele planta. Mas nem sempre retribui com um bom prato de sopa de letrinhas, como o
fizeram John Steinbeck, em "As vinhas da ira"; Juan Rulfo, em "A planície
em chamas"; José Lins do Rego, em "Fogo morto"; Graciliano Ramos, em
"Vidas secas"; e Deonísio da Silva, em "Os guerreiros do campo".
A vida brota de duas lavras: a da
enxada e a das artes, bens materiais e simbólicos. A primeira dá sustento; a segunda,
sentido. O Brasil é gordo de terras. São 600 milhões de hectares agricultáveis.
Arguto, Pero Vaz Caminha logo atinou que, aqui, "em se plantando dá". Muitos
ainda não entenderam o recado. Preferem o "em se cercando, ninguém tasca".
Há muita terra neste país para
pouca gente. Basta dizer que 44% delas pertencem a apenas 1% dos proprietários rurais. E
há muita gente sem-terra. São cerca de 15 milhões de pessoas deambulando por estradas e
acampamentos, teimando em sonhar que, entre tanta terra ociosa, hão de encontrar o
pedaço de chão que os redima da indigência e do risco de favelização na cidade.
Este país nunca conheceu uma
reforma agrária. Trôpego, apóia-se num capitalismo arcaico, distante da modernidade. E
dos belvederes das ilhas de opulência, o latifúndio contempla a multidão de excluídos.
Não se pode abusar da paciência
dos pobres, enfatiza a doutrina social da Igreja. Aqui, cansados de esperar, eles se
organizam no MST. Por seu trabalho educativo (cerca de 100 crianças e jovens), o
movimento já recebeu o prêmio UNICEF-Itaú. Por sua atuação em favor da reforma
agrária, premiou-o a casa real da Bélgica. Por manter mais de 1.500 assentamentos, além
de uma rede de cooperativas, ganhou também o Nobel alternativo, o "The right
livelihood Award".
Na escravatura, que oficialmente
ensangüentou 350 anos da história do Brasil, dizia-se que os negros eram rebeldes.
Custou à elite dirigente entender, como Nabuco, que o problema não estava no negro, mas
no chicote e no pelourinho. Com as Ligas Camponesas, satanizou-se Francisco Julião.
Quarenta anos depois, o Nordeste está mais seco de água e justiça, e uma espécie
infra-humana brotando à sombra do mandacaru: o flagelado.
Sob o regime militar, todos nós
que resistimos fomos tratados de "terroristas". Hoje, a história reconhece os
verdadeiros vilões, aqueles que deram o golpe de Estado, suprimiram a ordem democrática
e instauraram a tortura e o desaparecimento de prisioneiros, como fizera Vargas nos anos
30.
Hoje, é o MST o alvo de quem
não suporta o clamor dos pobres, mas se cala diante de uma estrutura fundiária injusta.
Onde anda a Justiça diante dos 21 que tombaram sob balas assassinas Eldorado dos
Carajás?
A 26 de junho, 37 trabalhadores
rurais foram presos, no Pará, após a desocupação da fazenda Chão de Estrelas, do
senador Jáder Barbalho. Ficaram confinados na delegacia de Mãe do Rio, sem culpa
formada. Com a chegada dos advogados, o delegado Alcântara soltou 35, retendo Maria dos
Anjos e seu filho, João Batista de Souza, transferidos para São Miguel do Guamá.
A Justiça decretou a prisão
preventiva dos dois, e também de Eurival Martins Carvalho, Jorge Luiz Rodrigues Néri e
Raimundo Nonato Coelho de Souza, acusados de incitação ao crime e formação de
quadrilha. As "provas": sete recortes de jornais, nos quais os cinco comentam
negociações entre o MST e o Incra para deter o surto de malária e desinteria num
acampamento.
A 6 de julho, Eurival Carvalho
foi preso, torturado e levado para Marabá. Nos últimos cinco anos, mais de cinqüenta
trabalhadores rurais foram assassinados no Pará. Dos mandantes, só dois foram
"presos": o fazendeiro Carlos Antônio Costa, acusado de mandar matar Onalício
Barros e Valentin Serra, do MST, em Parauapebas (PA), em março de 1998; e o fazendeiro
Décio José Barroso Nunes, acusado de mandar assassinar José Dutra da Costa, dirigente
sindical de Rondon do Pará, em novembro de 2000. O primeiro ficou preso 22 dias. O
segundo, 13.
Em 18 de maio, o latifundiário
José Buarque de Gusmão Neto, acusado de assassinar a líder sindical Margarida Alves, em
1983, foi absolvido, na Paraíba.
A impunidade escancara as portas
à criminalidade. Na madrugada de 9 de julho, pistoleiros de Marabá assassinaram o
agricultor José Pinheiro Lima, sua esposa e seu filho. Segundo informação da Polícia
Federal à Secretaria de Defesa Social do Pará, o crime foi encomendado por fazendeiros
da região.
Hoje é dia de tantas mortes
anunciadas, enquanto não houver reforma agrária e Justiça que não pise no direito dos
pobres. O Brasil não merece ser uma terra encharcada de sangue.
Frei Betto é escritor,
autor do romance "Entre todos os homens" (Ática), além de outros livros.
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