O jornal Folha de S. Paulo divulgou nas últimas semanas reportagens referentes à
existência de espionagem no Exército brasileiro, onde se descobriram, entre outros,
documentos reveladores de uma posição que considera adversos movimentos sociais como o
MST. Vilson Santin, membro da Coordenação Nacional do MST, responsável pelo
setor de direitos humanos, conversou com o Correio sobre as revelações.
Correio: A Folha de S. Paulo vem recentemente trazendo algumas
reportagens referentes à existência de espionagem no Exército brasileiro, onde teriam
sido descobertos documentos reveladores de uma posição que consideraria adversos
movimentos sociais como o MST e admitindo até mesmo a hipótese de "arranhar
direitos dos cidadãos". Qual a sua avaliação sobre esse fato?
Vilson Santin: Em primeiro lugar, isso não é novidade
para nós. O próprio general Cardoso sempre reconheceu que a Abin "monitora" os
movimentos sociais. Inclusive, nas nossas atividades, estamos cansados de identificar
esses arapongas. Isso se estende também para a Polícia Militar, através da P2. No
Paraná, por exemplo, identificamos e denunciamos várias vezes pessoas infiltradas a
serviço da espionagem militar. Inclusive, denunciamos vários grampos telefônicos em
nossas cooperativas e o método e treinamento da Polícia do Paraná para fazer despejos e
reprimir os sem terra.
Segundo, o governo FHC sempre usou as polícias para reprimir os
trabalhadores e os movimentos sociais. Por exemplo, quem não se lembra do tratamento dado
aos petroleiros na greve em 1995, com o uso do Exército para reprimi-los? E a
violentíssima repressão aos índios, negros, estudantes e populares, que se manifestaram
na região de Porto Seguro, em 22 de abril do ano passado? A violenta repressão contra
professores, servidores públicos e estudantes, em plena avenida Paulista, São Paulo, em
20 de maio de 2000? E, no plano institucional, a reativação do Serviço Nacional de
Informações e de uma delegacia da Polícia Federal especializada em formar agentes
contra movimentos sociais? Isso é o governo FHC. Um governo aliado às forças
reacionárias do país. É o governo dos dois maiores massacres de trabalhadores rurais
neste país.
Por último, a impunidade é tão grande neste país que estas forças
reacionárias se sentem liberadas para promover todo e qualquer tipo de repressão aos
movimentos populares.
Correio: O coordenador nacional do MST João Pedro Stedile
estabeleceu uma relação entre as novas suspeitas que pesam sobre o Exército e o
massacre de Eldorado de Carajás em 1996. Quais são as maiores evidências desse vínculo
entre os fatos e o que deve ser feito para aprofundar as investigações nesse sentido
evitando a rotineira saída de se dar uma satisfação para a opinião pública,
preservando a cúpula do Exército e o governo, como inclusive parece ser a articulação
já em curso?
VS: O maior responsável pelo massacre de Eldorado de
Carajás é o presidente FHC, porque a Constituição Federal diz que a desapropriação
de terras para fins de reforma agrária é da responsabilidade do Chefe da União. Se a
desapropriação da Fazenda Macaxeira tivesse acontecido um dia antes, ou mesmo no dia 17
de abril de 1996, o massacre não teria acontecido. A desapropriação ocorreu um mês
após o massacre.
Quanto às evidências de vínculo entre o massacre de Eldorado de
Carajás e as denúncias sobre o Exército, após o massacre, tivemos inúmeras
lideranças do nosso movimento e do movimento sindical assassinadas, sem nenhum motivo
aparente. Isso nos permite fazer uma relação com os documentos que agora vêm ao
conhecimento da sociedade. Mesmo que os crimes tenham sidos praticados por pistoleiros
contratados pelos latifundiários.
A sociedade não pode permitir que esse governo continue usando a
repressão para combater os movimentos sociais que se organizam e se mobilizam para
conquistar melhores condições de vida e combater a política neoliberal. Especificamente
a respeito do massacre de Eldorado de Carajás, os advogados do caso já estão tomando as
providências para elucidarmos até que ponto os "arapongas" do Exército
contribuíram com os acontecimentos que resultaram no massacre dos trabalhadores sem
terra.
Correio: O governo, nos últimos anos, vem claramente travando
uma guerra ideológica contra o Movimento dos Sem Terra, resvalando na sua
criminalização pela mídia. Considerando essa questão - que se evidencia em
declarações como a do ministro da Reforma Agrária, Raul Jungmann, e do ministro da
Segurança Institucional, Alberto Cardoso, que constantemente se referem à suposta
"radicalidade" e "conotação política" do MST -, qual poderia ser o
envolvimento do governo (que alega desconhecimento da causa) com as denúncias divulgadas,
em sua opinião?
VS: Em 1995, FHC prometeu colocar o Brasil no
"primeiro mundo". Resultado: FHC promoveu o desemprego e o arrocho salarial,
endividou ainda mais o país, privatizou as empresas estatais, aumentou a subordinação
aos interesses dos banqueiros e dos países ricos, sucateou as empresas nacionais e a
agricultura, cortou gastos na área social, quase zerou o crescimento econômico, reprimiu
o movimento sindical e popular. Por fim, afundou o país na catastrófica crise
energética.
FHC sabe que, há muito, a situação do camponês pobre ou sem terra
brasileiro é insuportável. Os próprios funcionários do Incra afirmam que a política
de Reforma Agrária do ministro Raul Jungmann é uma farsa.
Os dados do Incra mostram que, de janeiro a 20 de julho de 2001,
Jungmann gastou apenas 6% do total de recursos previstos para fazer assentamentos. Para
consolidar a infra-estrutura nos assentamentos já feitos, gastou apenas 14%; para
assistência técnica para os assentamentos, apenas 1,3%. Já para a propaganda do
ministério e para o pagamento da dívida externa (dinheiro da Reforma Agrária para
especulador internacional!), foram gastos, respectivamente, 71% e 61% do orçamento
previsto.
Somente através da luta e da organização poderemos democratizar o
país e a terra.
Correio: O deputado José Genoíno (PT-SP) alertou para um certo
cuidado com a politização excessiva dessa questão. O que você pensa disso?
VS: Acreditamos que o fortalecimento da democracia exige
que questões como essas sejam discutidas pelo povo e passadas a limpo, para que se
impeça que tais fatos voltem a se repetir. E que essas questões não sejam discutidas
apenas em gabinetes de algumas pessoas "iluminadas".
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