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O Correio
publica a partir dessa edição uma análise de Gregório Maestri sobre a violenta
repressão da polícia italiana aos protestos anti-globalização em Gênova, Itália, no
último encontro do G-8, a partir de uma incursão na história do país. Gregório
Maestri, ítalo-brasileiro, trabalha e estuda em Milão.
CORAÇÃO DO MUNDO. Europa. Início da Idade Média. Reinos
europeus e cidades-estado italianas expandem-se. Conquistas. Guerras. Ciência. Mares e
oceanos dominados por alguns países e repúblicas marítimas: Gênova, Veneza, Portugal,
Espanha. Primeiras formações nacionais. Inglaterra, França, Espanha, Portugal.
A expansão marítima gera o mundo da globalização. No coração dos
fatos, Gênova, senhora do Mediterrâneo. A atividade marítima torna-a potência
financeiro-comercial mundializada. Em 1104, seu porto global possui mais de
setenta barcos! Gênova financia os cruzados. Avança no Mediterrâneo Oriental. Chega ao
mar Negro.
A globalização estende as relações de poder. Comércio. Razias.
Guerras. A burguesia genovesa comerciantes, armadores, banqueiros une-se
contra sarracenos, pisanos, venezianos, para controlar o Mediterrâneo, o mar mundial de
então. 1408. Nasce a União dos Bancos de Crédito de Gênova. O Banco San Giorgio. As
primeiras casas bancárias modernas. Depósitos. Cheques. Cartas de câmbio. Seguros de
barcos, cargas, bens.
O eixo da globalização desloca-se para a Europa do Norte. Gênova
manda galeras ao Atlântico e espiões a Portugal. A cidade produz e exporta profissionais
do mar. Entre eles, Colombo: o herói da globalização. Ironicamente, ele é
exemplo do executivo moderno: especializado, precário, mundializado. Emigrando para
aumentar o valor de seu saber, oferece-se a Portugal, vende-se à Espanha.
Os lusitanos tinham sólidas relações com Gênova. Tão parecido é o
dialeto da cidade com a língua de Camões que os genoveses dizem ser os
"portugueses" da Itália! 1492. A super exploração das Américas acelera a
mundialização, consolida a centralidade atlântica, o declínio da gloriosa república
marítima. A Globalização não tem pátria e não respeita tradições!
NOVA GLOBALIZAÇÃO. Séculos mais tarde, as revoluções
globais, burguesa, na França, em 1789, proletária, na Rússia, em 1917. Vergado sob o
peso burocrático, o Partido Comunista Italiano prossegue a luta pelo socialismo
internacionalista, a globalização do trabalho. A mundialização capitalista produz a
Primeira e, a seguir, a Segunda Guerra Mundial.
Gênova, sempre presente. Durante a Guerra, sua forte resistência
operária e comunista ajuda a dobrar os camisas negras e pardas. Ao finalizar o conflito,
o peito da cidade recebe estufado a Medalha de Ouro da Resistência. Suas íngremes
ladeiras foram lavadas pelo sangue generoso antifascista.
Desde sempre, Gênova teve prefeitos progressistas, primeiro
socialistas, logo, comunistas. Em meados de 1960, sob bandeiras vermelhas, genoveses
protestaram contra o apoio do pós-fascista Movimento Social Italiano ao governo
democrata-cristão, derrubando o primeiro e último governo "preto e branco"
italiano. Antes do atual!
Gênova é também metáfora dos novos tempos. Um dos maiores portos do
mundo. Cidade vértice do Triângulo industrial italiano. Centro petrolífero. Coração
de resistência operária, sindical, política, cultural. Ligada ao mundo pelo seu porto,
mantém forte cultura provincial.
Anos 70. Crise. Inflação. Guerra Fria. Luta de massa nos países
imperialistas. América Latina, Ásia, Oriente em fogo. O presidente francês conservador
Giscard-dEstaing propõe criação de clube privado dos países capitalistas ricos:
EUA., Japão, Alemanha, França e Inglaterra: o Clube de Paris. O Grupo dos 5. O G5, para
os íntimos! A seguir, Mitterand, o presidente "socialista", abre a porta do
clube à Itália e ao Canadá. Nos anos do "milagre ", a Itália tornara-se a
quinta economia, na frente da Inglaterra, logo atrás da França. Do G5, chega-se ao G7.
MILAGRE ITALIANO. São os anos da Itália "self-made
man". Testarossa, United Collors, FIAT, Olivetti! Sob a chefia de Craxi, o Partido
Socialista Italiano refestela-se no leito do poder. A noiva é a Democracia Cristã, velha
putana da política italiana. O primeiro governo "rosa" capitaliza as
"vitórias" do capital. Navegando nos mares do eurocomunismo, o PCI desmobiliza
os trabalhadores. Depois do bolo crescer, ele será dividido, promete-se!!
Era da Perestroika. Queda do bloco soviético. O PCI, maior partido
comunista do ocidente, beija a lona eleitoral, levanta-se, mergulha de cabeça na piscina
social-democrata, na raia do PSI, tragado pelo ralo dos processos anti-corrupção. Com
novo nome Partido dos Democratas de Esquerda [PDS] , filia-se à
Internacional Socialista!
Os esforços são recompensados. Em 1996, o PDS e a coalizão da
Oliveira vencem as eleições! Finalmente sós, com o poder! No governo, o ex-PCI,
protagonista das grandes lutas históricas, esquece tudo - inclusive a antiga batalha
contra a entrada no G7. As desculpas são boas. O clube nunca fora tão
socialista. Os "camaradas" da Terceira Via são cinco sobre sete:
Clinton, Schroeder, Jospin, Blair, Chrétien.
Participar não basta. Organizar um encontro é preciso! Nenhum
"óleo" superará o da Oliveira como tempero da salada do capital!
Urbis-símbolo da globalização, Gênova é escolhida para hospedar a reunião de 2001,
sob a presidência italiana, do agora G8, com a entrada da Rússia capitalista, pela
janela. O símbolo do encontro, um barco do renascimento de velas ao vento.
Gênova triste. As renúncias sociais-democratas e as derrotas
históricas do socialismo sentem-se fortes na cidade feiticeira. Nova pobreza, novo
racismo, nova criminalidade, nova exploração de imigrados. Forte e arrogante, a direita
populista vencera as eleições regionais na Ligúria vermelha, hinterlândia da cidade
marítima.
CIDADE VERMELHA. A escolha deve-se também à cor política de
Gênova, cidade de esquerda. A prefeitura amiga receberá os rios de dinheiro destinados
ao plano de intervenção faraônico proposto para o evento! Gênova receberá renovada os
visitantes excelentes e as câmaras televisivas mundiais.
Edifícios, praças e ruas do centro histórico são restaurados, sob a
batuta do poderoso arquiteto genovês Renzo Piano. Uma linha de metrô atravessará a
cidade antiga. As periferias operárias e os subúrbios dos imigrados são esquecidos.
Os resultados são dramáticos. Fere-se o mais extenso centro
histórico europeu. Muitos edifícios já haviam sido restaurados para as
comemorações Colombianas de 92. São golpeados centenas de outros, conservados, devido
à falta de restauro! O centro histórico transforma-se em cartão postal. Chega-se a
plantar palmeiras e plantas exóticas do Egito pela cidade! Os gastos são de jogos
olímpicos. O G-8 durará três dias!
Após cinco anos de políticas neoliberais, a Terceira Via
italiana vai pro brejo, nas eleições de 13 de maio 2001, derrotada pela "Casa das
Liberdades" do mega-capitalista Silvio Berlusconi e seus aliado pró-fascistas,
separatistas e xenófobos. Quem preparou a festa não cortará o bolo. O G8 se realizará
sob a batuta e o tacão do novo governo. A mesa está posta para a Batalha de Gênova.
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